terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Como foi feito?

É difícil encarar os variados fatos que ocorreram para as coisas estarem como estão. Olhar para trás e perceber que esse caminho já estava sendo trilhado sem você se dá conta de onde ele levaria não é algo fácil de ser realizado. Talvez até soubesse das consequências de cada passo, porém preferiu continuar sem muitas reflexões. E agora, quando você se depará com tudo aquilo que temia, porém sempre caminhou em direção a isso, se pergunta "como foi que aconteceu?".

Em primeiro lugar não aconteceu. Todas as suas escolhas e decisões te encaminharam para esse momento. Você participou de cada detalhe. Você não é vitima. Você não é algoz. Repense sua história, a nossa história e veja como tudo estava antes e me diga agora como foi que aconteceu. Consegue notar a relação?

Talvez tivesse intenções diferentes. Não sei. Nossa vida é uma teia que nos uni aos outros e a nossa própria história. Não há como escapar da responsabilidade para com sua vida. Com isso, não pergunte como as coisas aconteceram e sim, como elas foram feitas. Pare um pouco e respire, as vezes é necessário mergulhar fundo nas lembranças para encontrar algumas explicações e até mesmo um ponto que te dará força para enfrentar os obstáculos. 

Contudo, nada adiantará vasculhar o passado se não estiver disposto a aplicar todo o aprendizado na construção de um futuro mais agradável. É preciso ter força para mudar, pois isso significa reconsiderar as diversas decisões que já foram tomadas e reavaliar suas atitudes tendo consciência de seu papel para consigo mesmo. Existe ainda oportunidade. Não será fácil. Não será rápido. Será um trabalho solitário, porém possível. 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Ainda não.

Às vezes parece que quanto mais você tenta fugir mais próximo fica daquilo que menos deseja. Tanto tempo lutando para não ficar. Para não ser. Para não sentir. E agora as coisas caminham ao contrário. Não vou parar.  
Estou em movimento. Estou tentando. Vou acertar o passo. Rendição não faz parte da minha história. Eu sobrevivi até aqui. Não vou parar. Não vou perder. Vou continuar até não ter medo de cair exatamente naquele buraco que tenho evitado. Ele ainda está por ai na minha estrada. Eu percebo isso. Sinto ele ao meu redor e uma energia que me puxa para ele. Porém, ainda não caí. Não vou cair. Seguirei.

Um dia irei abrir os olhos e verei diante de mim possibilidades que nesse momento são apenas sonhos sem expectativas de realização. Terei finalmente um pé no futuro. Ele será enfim motivo de espera. Ele será realizável. Levantarei da cama e sairei pela rua com as pernas que no momento se encontram trêmulas, porém fortes. Eu sairei.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Seja o oposto.

Não sou mais aquela matéria bruta na qual você depositou seus sonhos. No início tudo era espera. Tudo era mudança. Tudo poderia ficar melhor. Não tinha problema, melhorar por nós era o que queria. Então, li todas as suas instruções. Cada traço do seu esboço fui decorando e aplicando no meu entorno. O tempo passava e tudo mudava. Nos seus olhos eu via o reflexo de tudo o que esperava se transformar em fato. Eu segui, sem exigências, suas reivindicações. Não foi por mim. Não foi por você. Foi por nós. Por que ser dois era melhor do quê ficar um. Na minha tela permiti a você pintar com suas cores a obra que quisera. E quando finalmente alcancei o objetivo de ser aquilo que brilhava teus olhos e pulsava o coração, você fugiu. Deixou-me perdida. Sem saber mais o que ser e fazer.

Por muito tempo procurei encontrar motivos para a sua falta de clareza e consciência, até o momento que não vi propósito em te fazer enxergar o que poderíamos ser se não tivesse medo de se entregar. Desisti. Contudo, até agora fico me perguntando o que aconteceu. Será que teve receio por ver diante dos olhos tudo aquilo que esperou e pediu? Será que ficou assustado com a tamanha transformação de alguém que não se importava com as renúncias? Ou simplesmente, foi por que o que te mantinha ao meu lado era exatamente a procura por algo que não existia, que não poderia existir? O que te atraía era a busca de um ideal inalcançável?

Caí na minha própria armadilha.

domingo, 13 de novembro de 2011

O senhor da vida.



Tempo é o que nos move. O que nos fascina. O que nos amedronta. Tempo é tudo e também nada. Tempo é o que esperamos. A cada pensamento ele está explícito ou implícito. 

Se pudéssemos tê-lo sobre nosso controle, o que faríamos?  Estendê-lo, encurtá-lo, retrocedê-lo, adiantá-lo. O que fazer? É ele quem nos domina.

Poder voltar ao passado e dizer aquelas palavras que ficaram presas na mente e nunca mais puderam ser ditas.  Ou então, silenciar naquele instante em que a raiva o cegou e a boca fugiu do controle da razão. Dar aquele abraço no amigo que saiu pela porta e simplesmente não apareceu mais. Desculpar-se por não ter sido alguém em que se pudesse confiar naquela situação, naquela exata situação. Não estar na hora certa no lugar errado por que se atrasou um minuto para o encontro com aquele assaltante até o momento desconhecido. Ou quem sabe passar um pouco mais cedo? Um minuto, apenas um minuto e tantas coisas poderiam ser diferentes, mas o tempo não é condescendente. Com ele não tem conversa. Ele corre célere e não volta atrás e nem adianta suas decisões. 

Imagine se ele nos permitiria ir um pouco mais a frente e visitássemos nosso futuro? Que graça seria. Poderíamos ter um vislumbre da condição de nossa vida e quem sabe rever algumas atitudes e escolhas no presente a partir do que fosse presenciado. Ele não faria isso. Essa oportunidade nos daria tudo. Teríamos o controle das variantes de nossa existência. 

O tempo é tudo. O tempo é nada. Ele não se submete. Ele não perdoa. Mas, ele acolhe. Mostra-te que não há nada melhor do quê deixá-lo passar. Dá medo. Pois, ele nada te garante. Deixa tudo incerto. Ele arrasta tudo, tudo, simplesmente tudo, não deixa nada. 

Tão majestoso. Soberano da vida. Não há como curvá-lo a nossos anseios. Tentamos usá-lo, aproveitá-lo, mas nunca é suficiente. Ele não é suficiente. Seu sabor é efêmero. Como fazer com ele? O que fazer sem ele? 

Tempo. Ah, o tempo! 

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A mulher bexiga



Em uma manhã escura uma jovem acorda e ao se olhar no espelho se assusta com o que viu. Ela viu o nada. Não conseguia enxergar seu reflexo, o que percebia era o nada, apenas o nada. 

Notou, após um tempo tentando entender tal fenômeno, que o que o espelho refletia era o seu interior. Ficou um momento pensando e decidiu respirar fundo com o intuito de preencher de ar o vácuo que se encontrava dentro de si. Com isso ela inchou. Ficou redonda como um balão, repleta de ar. Ela encontrou uma forma, ainda não descoberta, de manter o ar lá dentro e desde então, vive com toda essa tensão. 

Ás vezes, algumas pessoas dizem que quando ela está por perto conseguem ouvir um som que se assemelha a uma bexiga sendo esvaziada, mas logo termina.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

(Des)conhecido.

O telefone toca. Número desconhecido, nada mais conveniente, era você. Não pensei duas vezes e atendi. Não percebi por detrás dessa falta de identificação o familiar que me é estranho. Quem mais poderia ser? E mais uma vez veio com suas falas ensaiadas e eu já conheço seu enredo.

Por que? Por que ainda insisti? Será que não percebe que nós dois não somos e nunca seremos o que nos foi reservado pela vida? Não há nada que possamos fazer. Não há o que eu queira fazer. Não quero que me deixe, quero que me permita seguir. Siga também. Não fique preso àquilo que está além dos olhos e da pele. Continue por inteiro. Essa parte de si que fica presa a mim me sufoca. Vá. 

Não entendi nada o que falou. Acredito que talvez sempre tenha sido assim. Só me deixe seguir. Siga também. Existem coisas, fatos, problemas, situações que não podem ser resolvidas, cabe a nós apenas ultrapassar tudo isso. Simplesmente continuar sem amarras. Não me prenda. Só me deixe caminhar sem ter grilhões aos pés. Não quero isso. 

Essa falta de sentido em tudo está roendo por dentro. Só quero seguir. Se é que ainda me resta algo para seguir. Só quero ir. Deixe-me ir. 

sábado, 29 de outubro de 2011

Roteiro.

Acorde.
Mova-se. 
Ande.
Sinta.
Fale.
Grite.
Xingue.
Chore.
Enxugue.
Ria.
Core-se.
Faça.
Vença.
Perca.
Tente.
Consiga.
Desista.
Ultrapasse.
Seja.
Viva.


terça-feira, 25 de outubro de 2011

Por favor, há alguém que possa me julgar?

"(...) cada um tem sua historia. Eu estou aqui pra aprender, não pra julgar. Quem pode me julgar?"


Esse pequeno trecho da música O preço, do grupo Charlie Brown me remeteu a um aspecto que vem crescendo em nossa sociedade: a falta de padrão para uma conduta social. É como se na atualidade não houvesse mais algo que está acima de nós e que de certa forma norteia os comportamentos. Tudo é permitido. Tudo é legítimo. Todos os desejos são dignos de realizações. Diminui-se os limites entre um e outro e ao mesmo tempo há o afastamento dos indivíduos na contemporaneidade. Pelo que me parece as fronteiras do bem e do mal estão se dissolvendo. 

Um pressuposto fundamental na minha profissão, a psicologia, é a suspensão dos julgamentos. Devemos ouvir o indivíduo em sua verdade sem a pretensão de julgá-lo ou condená-lo. Porém, a sociedade, de forma geral, não pode se abster dessa atividade, pois se não houver julgamento de espécie alguma o caos será instalado.

Para Freud, a vida em grupo é possível, pois o ser humano abriu mão de uma cota de felicidade por segurança. Isso se fez graças a um conjunto de valores, leis que delimitava os comportamentos dos sujeitos. Na atualidade, esse conjunto de regras, reconhecido como o Estado está falindo. Dessa forma, fica vago o lugar daquilo que dá uma base de conforto e segurança para a vida coletiva. 


Com isso, vemos a necessidade da criação e re-criação de contratos sociais em camadas mais superficiais para a configuração de uma conduta social mais adequada e condizente com o ambiente frequentado. Estando vazio esse lugar do Estado, outros grupos e compartimentos da sociedade estão se vendo obrigados a tomar o lugar de julgadores para que assim se possa manter um pouco de ordem.

A cada dia mais fica difícil promover o julgamento a cerca de uma situação ou manifestação, pois "Quem pode me julgar?". Está frase parece até uma súplica da contemporaneidade por esse lugar de referência, controle e limite. Essa ultrapassagem de limites vivida pela sociedade atual é apontada como um dos maiores problemas a ser enfrentados, pois sem contenção não há eu, não existe outro, não há mundo. Tudo fica misturado. A realidade se transforma em um grande playground onde tudo é possível.


Nesse instante estamos vivendo a deriva esperando encontrar uma bússola que nos guie e nos proteja da imensa multiplicidade de ser humano.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O que será?

O que realmente precisa ser cortado?
O que está te sufocando?
O que falta? O que sobra?
Tantos nós. Poucos laços.
Nada satisfaz. Tudo é pouco.

O que procura? O que espera?
Lágrimas secas.
Palavras sufocadas.
Gritos silenciados.
Raiva disfarçada.
O que é falso? O que é verdade?

Existe verdade?

Distância sem medida.
Saudade sem ferida.
Cicatriz sem lembrança.
Futuro sem medo

Sangue com vida.
Olhos com brilho.
Vida com sentido.
Braços com abraço.

Quem se é?
Quem, realmente, se é?
Onde está a tua autenticidade?
O que se passa?


domingo, 25 de setembro de 2011

Indivíduos placebos

O placebo é uma mentira que pacífica. Que agrada. É movida pela crença de que estamos sendo realmente tratados. De que estamos salvo. De que estamos bem. Quantas vezes fechamos nossos olhos e engolimos o que nos está sendo dado acreditando fielmente que aquilo é o que precisamos? Em quantos momentos você é um placebo? Inúmeras vezes você se deixou usar como benefício para alguém.

O que te faz ser útil é a crença que algum outro deposita em ti. Ele acredita que você o agradará. É tudo falso. Suas expectativas e teus efeitos. É tudo um jogo de conveniência. São cartas marcadas. Dados viciados. Ambos se enganam. O outro que pensa que sóis a salvação dele e tu por se permitires ser usado dessa forma, pois em teu íntimo gostarias de ser tudo aquilo que desejam de ti. Na verdade, o que todos querem de ti é que sejas um reflexo do que há dentro deles. Uma solução para as faltas que carregam em si. E todos estão na rua a procura do espelho perfeito e de sê-lo para alguém. Estão enganados.

Escondem-se por dentro e ficam tentando encenar o melhor papel para o público que o observar. Seguem scripts que compõem ao longo dos anos. Treinam em suas casas como ser agradáveis. Porém, esquecem de agradar a si mesmo.

Todos em algum momento da vida foram um placebo. Alguns conseguiram sair dessa posição de contradição. Muitos continuam assim sem nunca terem percebido. São mentiras vagando pelo asfalto. São gotículas de água espalhadas pelo ar. São poeiras escondidas debaixo do tapete. Estão por aí procurando o instante em que servirão perfeitamente para alguém, menos para si.

Sem rosto. Cem rosto.

Por que o mundo absorve nossas esperanças. As pessoas são produtos de nossos desejos. É a força de nossa vontade que pinta o quadro da existência.

E ninguém sabe o que de fato se passa em ti, pois preferem crer nas suas próprias produções. E você, talvez, tenha se perdido nesses vários sentido e não saiba mais quem se é. A imagem do espelho está embaçada. Nela se vê um pouco de cada um que fez de ti morada de suas ilusões. Quem és tu no meio de tantos rabiscos?

Indivíduos placebos.


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Desligue-se.

Como se lembrar de algo que nunca virou memória? Você é uma ausência que teima em se fazer presente. Não há mais tempo para nós. Você está prescrito em minha vida. Os ecos de tudo o que não vivemos me perturba a noite e fica difícil dormir. Prefiro o silêncio do quê essa repetição de falas ensaiadas. Desligue-se. Talvez assim eu possa continuar sem sentir o peso da saudade do que nunca aconteceu.

Deixe-me com as lembranças criadas pelo meu coração. Não preciso da realidade para sonhar. Minha imaginação cobre os espaços que você deixou em aberto. Não há mais tempo para nós. Esse lugar ficou vazio e é assim que quero mantê-lo. Deixe-me aqui. Deixe-me assim. Nossas estradas são paralelas. Nunca se cruzarão. Não quero reviver algo novo.

Fico apenas com o sabor daquele riso que se apagou na mente. Fique nessa parte da vida que não há recordações. O que há entre nós é apenas um dia. Aquele instante que nem sei mais se é verdade ou mentira. Não importa. Esse é o único fragmento que quero ter. Deixe-me mais uma vez. Agora, por favor, desate esse nó que teima em manter unidas nossas vidas. Deixe-me.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Cobaias.

Faltam palavras para explicar o que se constitui na emoção. O que existe entre elas ultrapassa o sentido racional ao que a maioria das pessoas se prendem e por isso perdem de viver algo que as transcendem. Elas eram diferentes. Jeitos diversos. Estilos opostos. Mas uma era o inverso da outra. E havia algo maior que as unia.

Uma via na outra o que não conseguia enxergar dentro. E a outra sentia nela a leveza que precisava para sair do lugar. Eram complementares. Transparentes. Uma mentira revelada. Ambas se tornaram a possibilidade de saída de um mundo que lhes era impessoal.

Uma era cega e muda de palavras próprias e a outra era a dúvida. A dúvida abriu uma janela na alma da outra garota e ela pôde, enfim, vislumbrar o que havia por dentro. Por essa janela, a dúvida, ensinou a ela a enxergar o mundo. E finalmente, a garota cega conseguiu perceber a vida além do que os olhos permitem. Faltava se expressar por si mesma e essa era a maior dificuldade que tinha. Contudo, um belo dia, quando a menina estava debruçada na janela de sua alma pôs-se a cantar e as palavras saíram com todo o sentimento preso e um vocabulário particular se fez presente. Porém, isto só foi possível por que a dúvida estava lá, pronta para ouvir e entender tudo que estava sendo revelado, pois aquilo tudo era o que se passava em si.

E o que a menina cega fez pela dúvida? Somente a ouviu. Escutou e dividiu com ela todos os questionamentos. Mostrou que suas questões não eram solitárias e que não havia problema em não ter respostas para todas as perguntas. Ao mesmo tempo, revelou que nossas certezas são incertas e que ás vezes um simples acolher de palavras é o que se pode fazer de melhor. Não querer fazer por, mas com. Dividir uma dor. Compartilhar algo maior que um sorriso.

No entanto elas não deixaram de ser o que sempre foram. Porém, isso não era mais um problema.

"Por algum tempo, elas poderiam ter andado juntas sobre o mesmo trilho. Mas nunca seriam esmagadas pelo mesmo trem." (Os famosos e os duendes da morte) (Itálicos meus).

sábado, 3 de setembro de 2011

Refúgio ou prisão?

A vida está passando e ela continua no mesmo lugar. Vê tudo o que conhecia transformar-se e nada faz para acompanhar. Os seus olhos são espelhos de um tempo que não existe mais. Não sabe o que espera. O que quer. O que tem. Fica imóvel olhando pela a janela tudo o que ganhou e perdeu. Em seu corpo carrega as marcas de tudo o que foi. Na alma tem guardado tudo que ainda não. 

O que pode ser feito para destravar os pés do chão? O que pode ser feito para devolver o ar aos pulmões? A vida segue o seu ciclo, porém não há mais surpresas. É tudo programado. A mentira tornou-se refúgio e o travesseiro guardião das lágrimas. 

Mova-se. Ainda há tempo. No relógio os ponteiros não param. As rugas marcam na pele as horas que são esquecidas no relógio. Tente. A cada sorriso seu que escapa dá sentido ao dia. Renda-se a vontade de sair. Não se deixe vencer sem antes lutar. Você é capaz. Só basta acreditar. Tente. Saia.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Relações humanas.

O céu são os outros. Sim, não há nada de errado nessa frase. Ao contrário da colocação de Sartre, para mim, os outros podem ser o céu. Quando se trata do humano não dá para generalizar e demarcar fronteiras tão bem definidas. Os outros carregam em si o significante de céu e inferno para nós. Alias, por que ter que dividir?

Talvez alguém possa falar que é exatamente essa ambivalência que afirma a frase de Sartre, mas por que algo de "ruim" tem que se sobressair sobre as partes "boas"? Sei que os relacionamentos são a base para diversos conflitos, porém são também a tábua de conforto e reencontro com o lado mais sóbrio da existência. Esse jogo de paradoxos e eternas contradições contempla toda a esfera do mundo humano. Somos constituídos de incertezas. Mutáveis, instáveis, maleáveis assim somos nós. O que esperar então da relação de indivíduos surpreendentes?

Esse outro que te contempla com o olhar e te fornece um espelho da alma será, nele somente, produtor das mais variadas emoções no seu ser. E essa inconstância não é o inferno, também não é o céu, é humanidade. O inferno seria a rigidez, a estabilidade, a constância, aquilo que tiraria de nós a habilidade de renovar e recriar novas condições de ser. Isso sim seria o inferno.

As relações estão em contínua transformação. Uma simples palavra pode criar, fortalecer ou destruir laços. É esse movimento que nos faz sentir vivos. Que faz a vida ter sentido e sentimentos. Um ciclo que nunca pára. Talvez por esse motivo que muitas pessoas se esgotam em um relacionamento, pois em alguns casos, o outro parece que fincou as raízes em algum do lugar do tempo e não se transforma e nem se renova, nesse momento é como se a vida tivesse estagnado.

O ser humano não quer estabilidade. Esse estado de coisas dá a sensação de segurança, porém lhe aprisiona a uma rocha e não se consegui seguir em frente. Por que infelizmente (ou felizmente) a vida significa caminhar, continuar. Manter-se quieto é falecer no tempo corrente.

É interessante observar que muitas vezes as pessoas preferem os relacionamentos mais complicados do que a tranquilidade de um outro. Talvez seja exatamente por isso. Essa rotação de comportamentos faz com que fiquemos o tempo todo atentos e ativos. É cansativo, mas o cansaço demonstra que está havendo exercício. Que há gasto de energia. Que há vida.

O movimento das ondas do mar servem para lembrar que é sempre necessário remar. A calmaria do mar por muito tempo enjoa.


Estrela decadente

Quando você partiu não foi sozinho.
Quando você partiu não era mais só.
Agora carregava em si tudo o que de mim sugou e recebeu.
Eu também não fiquei só.
Você deixou em mim tudo o que quis e não quis.
Conviver com sua sombra me assombrava.
Não era mais eu, não era você, não era nós. O que era então?
O que via no espelho era um reflexo deformado do que um dia fui.
Tinha então que reconfigurar toda a minha imagem para me reencontrar mais uma vez, porém, jamais seria aquela novamente.
Fiquei pensando o que mais me doía e percebi que era te ver se perder de mim.
Tudo meu que em ti vivia poderia se dissolver e não mais seria sua estrela.
Meu brilho se apagaria.
Não seria mais o riso, nem a lágrima.
Não seria nada.
Ver teu fogo se extinguir na minha lenha era a pior dor que eu tinha.
Seria mais um passageiro nas suas estradas.
A morte me esperava no seu olhar. Vê que fui esquecida.
Enfraquecida em valor na sua vida.
Faria parte agora do eles.
Seria comum, mais um no meio de tantos.
E o nós se tornaria em vós.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ensaio de despedidas.



"Na pracinha ao lado da escola os brinquedos estavam parados. Todos os domingos antes do
almoço eram o meu pai me empurrando com força para o balanço voar com as minhas pernas cada vez mais alto, para longe do chão. O balanço era o voo controlado, a partida sempre contendo a falta, por isso o fascínio dos pais ensaiando despedidas a tarde inteira. As pedras pontiagudas correndo todas as velocidades e os meus joelhos prontos para serem sangrados assim que a queda deixasse de ser medo para ser. A iminência do salto e os gritos do meu pai pedindo cada vez mais. A risada do meu pai. Os braços fortes empurrando minhas costas, esperando a minha volta. Minhas mãos agarrando as correntes e as dobras dos meus dedos acumulando todas as lembranças que a ferrugem poderia conter."

*Os famosos e os duendes da mote.

O amor maduro.



"Poderíamos dizer, embora soe esquemático, que há três momentos no desenvolvimento de um amor maduro: paixão, desilusão e aceitação da realidade.

No primeiro momento, o amado é alguém maravilhoso, não tem defeitos, ninguém é melhor que ele, está terrivelmente idealizado, quase endeusado. O amado fica engrandecido e, em troca, a pessoa vai diminuindo, a ponto de não poder entender como alguém tão perfeito pode ter reparado nela.
No segundo momento, começamos a perceber algumas imperfeições na pessoa amada. Vemos que em determinadas situações seu caratér não é o melhor, que em algumas coisas se engana, e esses traços, que já existiam, mas que a paixão nos impedia de perceber, geram dor e desilusão; e assim como no primeiro momento já queríamos nos casar e ficar juntos para toda a vida, neste segundo momento é provável que queirámos que ela vá embora para sempre.
(...)
O amor seria um terceiro momento no qual vemos o outro como é. Nem tão idealizado nem tão degradado. Não é nem Deus nem o diabo. Desfrutamos de suas virtudes e aceitamos as suas faltas. E, apesar delas, nós o aceitamos e podemos ser felizes ao seu lado. Só ai podemos falar de um amor maduro com possibilidades de se projetar no tempo de uma maneira saudável. Por que a chave do amor, como disse certa vez meu psicanalista, está em reconhecer os defeitos do outro e perguntar-se sinceramente se podemos tolerá-los sem ficar o tempo todo reclamando, e ser feliz apesar deles."
(Trecho do livro História de divã: oito relatos de vida de Gabriel Rolón)

sábado, 30 de julho de 2011

Geheimnis


Não existem palavras suficientes para abarcar o sentido de algo tão sedutor e ao mesmo tempo aterrorizante. A falta de respostas que acompanha suas perguntas perturba a mente e faz a alma gemer de medo e desejo.

Ela tem o poder de deixar as coisas mais fáceis e difíceis no mesmo momento. É a junção dos opostos impossíveis. Carrega em seu seio a contradição. É o riso e a lágrima deflagrados em um só rosto. A dor e o alívio dividindo um corpo que já não é.

É o fim, mas o fim possui duas faces e ela as carrega com propriedade e prioridade. Nada se sabe sobre os seus segredos. Só se conhece sua inevitabilidade e imprevisibilidade. Seu silêncio ensurdece qualquer sujeito e faz seus ossos vibrarem diante da sua onipotência.

Como negar que o seu abraço afaga e também sufoca? Como fingir não querer se perder em sua imensidão? O que nos impede é a sua inflexibilidade. Ela não nos deixa saída. Não há nada certo depois que ela te beija a face.

Atração e repulsão geram um equilíbrio. E talvez seja exatamente esse jogo de forças opostas que nos deixa firmes. Porém alguns corpos possuem mais ou menos energia e dessa forma são mais influenciados por um dos polos. É nesse instante que as coisas ficam mais claras e passam a complicar a existência harmonizada com a única certeza que acompanha os seres humanos.

quinta-feira, 21 de julho de 2011


"Nada é para sempre. Os sonhos acabam e eu acho que depois sempre começam outros. Porque se não for assim talvez a gente não tenha força e nem vontade de seguir em frente".
(Os famosos e os duendes da morte)

quarta-feira, 20 de julho de 2011



"(...) a vida é um animal que se alimenta de cheques e cartões de crédito." (Como me tornei estúpido)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Morte em vida.

A vida escorre por entre os dedos. Não há como retê-la. Ela se dissolve antes de tocar o chão. A sua imensidão assusta. Milhares de possibilidades. Vários caminhos e todos incertos. Nada me diz ao certo o que será. O que se é. O que se poderia ter sido. Não há manual de instruções para viver, então ficamos perdidos no eterno fluir do mundo.

É impossível não pensar em quantas pessoas se poderia ter sido. Cada escolha e renúncia que nos trouxe ao momento atual. Penso em como seria a vida se pudéssemos no meio do caminho inverter os sins e os nãos que foram relevantes para a nossa existência. Será que continuaríamos sendo os mesmos indivíduos? Será que ficaríamos em melhores condições? Será que o arrependimento entraria pela porta e sentaria ao nosso lado no sofá? Não há como saber. Nunca se saberá.

Acredito que o que é mais difícil de suportar na vida é ter que se desfazer das suas infinitas possibilidades de ser e nunca saber se o hoje fará o amanhã valer á pena. A cada passo que damos uma chance é deixada para trás, apagamos uma oportunidade e um Eu que não se fez sentir é morto por não caber no limite determinado para se ser.

As pernas tremem diante da estrada tão vasta que jamais conseguiremos completar. Sempre faltará algo. Sempre haverá aquela dúvida que habitará nossos sonhos revelando o que não pôde ser. O que ainda não e o que nunca mais. Às vezes parece que o agora não é o momento em que os sonhos acontecem. Não sei qual lágrima carrega as piores mágoas. Lamentar pelo o que foi e nunca mais será, ou por aquele espaço que ficou aberto no tempo e que jamais poderemos preenchê-lo?

"Não é preciso ser velho para sentir o tempo" (Os famosos e os duendes da morte). Seu corpo é testemunha da sua passagem, sua alma é obrigada, devido a sua grandeza, a fazer concessões de suas infinitudes. A cada dia temos que cometer um assassinato de nós mesmos para persistirmos a existir. Temos então que lidar com o fim de várias vidas em uma.

O passado está morto, é um fato. O futuro é uma vida em formação, mera expectativa. Já o presente é o viver, circunstancial, apenas um instante que não te garante nada.

Essa inconstância provoca medo a cada dia que amanhece. "Quando você acorda, a vida já passou" (Os famosos e os duendes da morte). Abrir os olhos um dia e perceber que sua vida passou e que você não é o que um dia pensou que seria. Seu presente não é o futuro esperado. Não há mais nada a fazer. Em algum lugar do caminho você tomou o percurso errado e se perdeu na imensidão do viver. A vida te ultrapassou. Os outros dias a partir daí foram vividos por inércia até o momento em que a verdade da existência te beijou a face e te fez acordar. Você já estava morto e não sabia.

sábado, 2 de julho de 2011

O adubo da humanidade.

É inacreditável, mas o ser humano prefere a ilusão à realidade. E isso é bastante compreensível e aceitável. É muito difícil para o homem fincar os pés no real e vivê-lo em sua objetividade. O real é o terreno onde plantamos nossos desejos e idealizações e sem isso ele não significa nada. É apenas um pedaço de terra vasto, porém sem vida.

A ilusão é o que nos mantém firmes no chão. É o que fertiliza o real e dá vida ao mundo. Quando falo ilusão quero dizer a nossa capacidade de idealizar os objetos ao ponto deles parecem melhores do que são e de encontrarmos saídas além dos instrumentos fornecidos pelo concreto. É ultrapassar os limites do determinado e estático e alcançar o impensável.

Fazer uso disso não é doentio, pelo contrário, é um mecanismo normal que todo ser humano lança mão para enfeitar o seu dia-a-dia.

No livro, As crônicas marcianas, no conto "O marciano" é relatado de maneira belíssima a nossa preferência, em algumas circunstâncias, pela fantasia ao invés do concreto. A seguinte citação é um bom exemplo do que venho falando: "Se a realidade é impossível, um sonho basta. Talvez eu não seja a morta que voltou, mas sou algo quase melhor para eles; um ideal delineado pela mente deles" (As crônicas marcianas). Assim, alguns de nós, embarcam de tal forma nas suas ilusões que constroem uma realidade a parte e desprendem seus pés do chão. Flutuam. Contudo, não há como viver eternamente no ar, afinal de contas a gravidade te chama. Então, sempre fica um sentimento de estranhamento como se aquilo não fosse certo, como se tivesse faltando algo. Não há como se dissociar da realidade por total, pois o que nos marca é uma eterna relação entre o eu e o mundo.

"Não existe beleza na realidade. Nunca existirá" (Os famosos e os duendes da morte). A realidade aponta nossas limitações, mostra-nos a feiura de nossa existência. Creio que o que há de mais prejudicial para o homem não é voar nas asas da fantasia, mas sim saltar no abismo da falta de sentido. Outros de nós sofrem por não conseguirem projetar na realidade suas idealizações. Olham para o mundo e o que vêem é o real. Não há colorido, não há fantasias, não há ilusões. Desesperam-se, pois não entendem o que faz as outras pessoas continuarem a caminhar nessa estrada defeituosa e repleta de obstáculos. Eles enxergam cada pedra, cada barreira, cada dor, todas as lágrimas, eles vêem por detrás do véu da fantasia. Eles conhecem os bastidores da realidade. Não prestam muita atenção no que está sendo apresentado e sim, na construção do espetáculo. Contudo, não é apenas uma falta de sentido na sociedade e na vida em conjunto e sim, uma ausência de significados em si mesmo. Percebem o mundo em tons de cinza por que não tem outras cores no estojo do seu ser.

O mundo é um terreno fértil e nós somos as sementes. Precisamos, então nos plantarmos para dar vida a terra e assim, conseguirmos germinar nossas potencialidades. É nesse ciclo que se dá a existência, uma rede de interdependência.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Pessoas ao vento.


Ao longo da minha vida muitas pessoas passaram pelo meu caminho. E a maioria delas foram apenas rostos que marcavam uma presença, mas não transmitiram nada. Rostos estáticos e palavras bobas que não se perpetuaram na memória.

Outras foram festa. Estavam sempre presente naqueles momentos em que a sobriedade não era algo importante. Risos e gargalhadas sendo compartilhados, porém não sentidos com a alma. Foram álcool e se dissolviam no ar no término de cada festividade. Sempre quando penso nos instantes que sai de mim lembro deles.

Tem alguns que foram algo bom, mas não grandioso. Traziam leveza para o corpo e para a mente. Tempos inocentes sem grandes pretensões. Destes me lembro com carinho, no entanto as lembranças não fazem doer o peito e muito menos energizam o meu dia-a-dia.

Existem poucos que fizeram parte de mim. São pedaços do que eu sou. Cada instante, risadas e lágrimas estão vivas na mente. Recordar de nossos momentos é vivê-los com todos os detalhes. Jamais ficarão para trás, pois estão em mim. Estes são o que fazem do mundo um lugar colorido.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Constatações.

Enfim ele voltou, porém nunca mais estaria de volta. Ele não tinha percebido, mas havia partido há muito mais tempo do quê quando levou seus pés para outro lugar.

A distância que se estabelece entre as pessoas não pode ser contada por quilômetros. Não há medida matemática capaz de realizar tal cálculo.

Ele jamais voltaria para o lugar de onde nunca deveria ter saído. O abismo que se abriu entre nós não permitiria que nossos olhares se entrelaçassem como antigamente.

Ele agora era apenas corpo e o corpo é apenas peso. É presença sem sentido, sem sentimento. Palavras jogadas ao vento sem pretensão de serem ouvidas ou entendidas. A ausência ganhou vida.

Não havíamos percebido, mas ele não é mais o era. Agora ele é o que não somos. Não faz mais parte do nós. Seu espaço está vazio. Já estava. Sempre estará.

Desconstrução do óbvio

Mentir: 1. Afirmar aquilo que se sabe ser falso ou negar o que se sabe ser verdadeiro. 2. Enganar, iludir, ludibriar. 3. Falhar, faltar, fracassar. 4. Deixar de ser legítimo; degenerar.

Viver: 1. Ter vida ou existência, existir. 2. Durar, perdurar, subsistir. 3. Comportar-se em vida. 4. Aproveitar a vida. 5. Habitar, residir, morar.
v.t 1. Alimentar-se, sustentar-se de. 2. Obter a subsistência exclusiva ou principalmente de. 3. Entreter relações, ser amasiado com.



Mentir: Ter vida ou existência, existir. 2. Durar, perdurar, subsistir. 3. Comportar-se em vida. 4. Aproveitar a vida. 5. Habitar, residir, morar.
v.t 1. Alimentar-se, sustentar-se de. 2. Obter a subsistência exclusiva ou principalmente de. 3. Entreter relações, ser amasiado com.

Viver: 1. Afirmar aquilo que se sabe ser falso ou negar o que se sabe ser verdadeiro. 2. Enganar, iludir, ludibriar. 3. Falhar, faltar, fracassar. 4. Deixar de ser legítimo; degenerar.



sábado, 18 de junho de 2011

E lá se vai.


Fico em silêncio buscando encontrar algum sentido, mas não encontro nenhum. Não é justo, não pode ser verdade, você disse que sempre estaria aqui, e agora vai embora seguir seu caminho. Que caminho pode ser esse que te leva para longe de nós?

Não dá para entender. A única escolha que tenho é me esconder atrás de um discurso coerente e da mascará da serenidade, porém não é verdade, não é sincero. Realmente, não entendo.

A cada passo que dás é mais uma distância que se estabelece entre nós. Você está seguindo a trilha ao contrário, e eu tenho medo de chegar o dia em que a saudade se torne apenas uma lembrança. O mais difícil é perceber que não há nada a ser feito. Você é livre e essa liberdade te chama.

Permanecerei aqui presenciando teu voo e aguardo loucamente o momento que voltarás para o nosso aeroporto.

Estar perto não é físico.



segunda-feira, 13 de junho de 2011

Medidas desesperadas.

Faz oito anos que convivo com uma forte dor no estômago. Já fiz tratamento mas nada adiantou, acredito que na verdade piorou. Porém, desenvolvi uma técnica muito engraçada, mas que me ajuda nos momentos de fortes crises. Não sei bem aonde vi, mas eu vi e tenho certeza disso, que o nosso corpo não pode sentir duas dores ao mesmo tempo. Então, quando a dor aperta provoco em mim outros tipos de dores: enfio a unha na minha mão, entorto meus dedos até eles ficarem roxos e doloridos e todo tipo de auto tortura que me vier a cabeça no momento. E num é que funciona? Quando me concentro na dor auto infligida a do estômago perde seu efeito e me sinto melhor.

Acredito que a nossa mente tenha o mesmo mecanismo em algumas ocasiões. Quando nos deparamos com uma angústia tão grande que chega a ser impensada, uma ansiedade inimaginável, um sentimento dilacerador, nossa mente para se proteger, cria uma nova dor com o intuito de focar nossa atenção nela e nos fazer esquecer daquela que causou todo esse movimento. Então, passamos a sentir essa agonia que para nós, muitas vezes, não tem sentido, por que na verdade ela é apenas uma superfície que nada diz sobre a verdade do nosso sofrimento. A situação em que a nossa mente nos coloca nessas circunstâncias é bastante difícil e fonte de uma grande tristeza, ansiedade e frustração, porém o que não sabemos é que ela nos mantêm firme e que seria muito pior vivenciar a dor primária. Essa maneira de lidar é uma medida desesperada que não satisfaz, mas é o que está mantendo teus pés no chão.

Assim, somos desviados de nossos verdadeiros sentimentos e ficamos diante de uma ilusão dolorida. Milhares de perguntas são feitas, mas não conseguimos encontrar as respostas, por que geralmente estamos a procurando no lugar errado. Esperamos que aquela emoção sentida seja a tradutora de todos os nossos questionamentos, contudo, ás vezes é na dor sufocada, é no sentimento silenciado que estão todos os esclarecimentos para as nossas dúvidas.

No entanto não é fácil nos depararmos com essa verdade, afinal de contas ela não é encoberta por qualquer motivo. Ela carrega em si o veneno e o antídoto para o nosso sofrer e é preciso uma força imensa para encará-la face a face e abraçá-la de maneira tão forte que ela nunca mais volte para a obscuridade. É necessário manter as pernas firmes para não se deixar derrubar e os braços fortes segurando com toda sua força, caso contrário é bem possível que você seja ultrapassado ou consumido por ela.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Não vá ainda.

Percebo que chegamos no momento em que nossas vidas estão tão misturadas que fica difícil de imaginar ser possível ter ar do lado de fora. Seu jeito e meus hábitos não são mais tão diferentes. E aquilo que era apenas seu tornou-se nosso. No contorno do meu corpo há o seu desenho. Nos seus olhos minha imagem se faz fotografia. Teu riso virou meu raio de sol e suas lágrimas são meus dias de tempestade. Em você pedaços de mim ganham vida. Nossa voz tem agora o mesmo tom. Meu silêncio se transformou no pôr do sol. Então, não me culpe se eu não souber mais como viver lá fora, pois não posso liberar-me de mim mesma. Não sei mais como separar nossas partes para sair inteira. Minha identidade será esfacelada quando tiver que dizer adeus. Não é a hora. Não vá ainda.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Prisão sem grades

Chegou a hora. A luz atravessou a parede e tudo ficou escuro. Todos correm para os seus lugares. Um breve aquecimento para não haver erros. O cenário é verificado, está perfeito, nada pode estar fora do seu devido lugar. Esqueça tudo que você estava fazendo, é preciso se apagar e deixar surgir aquele que te faz ficar firme. Uma fina camada entre você e o mundo se estende, mas ao contrário do que parece essa cortina não é de lã, e sim de ferro. Assim, você assisti a tudo de um lugar que ninguém possa te ver ou atingir. Você está protegido dentro de si mesmo. Olhando a tudo como a um espetáculo do qual não faz parte. Contudo, o tempo vai passando e aquele lugar que te protegia começa a sufocar. E por mais que se tente sair, que se tente voltar pro palco o muro que inicialmente foi construído com o intuito de te defender, aprisiona-te em ti, e então, você é forçado a ver um estranho vivendo sua vida, enquanto estais perdido dentro de tuas vísceras corroendo-se internamente sem ninguém notar.

domingo, 1 de maio de 2011

A chapeuzinho também é o lobo mau.

Estou lendo o livro 3096 dias de Natasha Kampusch e admito que fico impressionada com sua história e com o seu poder de reflexão.

Temos a tendência em separar o bem do mal acreditando que assim estaremos a salvo de surpresas desagradáveis. Estamos errados. A vida nos mostra que não é possível fazer essa distinção quando se trata do ser humano. Há em nós a chapeuzinho vermelho e o lobo mau convivendo em harmonia. O grande problema não é ter essas duas faces, e sim, ter que escolher entre uma delas para poder viver em sociedade. O mundo nos força a escolher somente uma. E é ai que as coisas ficam complicadas, pois nunca conseguiremos destruir o lado indesejado. Ele sempre existirá e nos influenciará ao longo de nossa vida. Querer enxergar o indivíduo por apenas um ângulo é não contemplá-lo em toda sua possibilidade.

Muitas vezes dissociamos o bem do mal na tentativa de nos protegermos, mas acabamos nos fragilizando. Já que é impossível enquadrar alguém em um papel e garantir que ele o exercerá sem falhas. Iremos nos surpreender e se não aceitarmos a ambivalência humana nossos relacionamentos ficarão empobrecidos e consequentemente, nossas vidas.

Além do mais, é de suma importância que saibamos enxergar em nós esse jogo de forças opostas que garantem o equilíbrio da mente. Viver esses dois lados é experimentar o que é ser humano. Abafar um deles pode implicar, mais tarde, em um transbordamento de sentimentos reprimidos que não se consegue controlar. Talvez, seja essa a causa de grandes tragédias.

Percebe-se que nossa sociedade tem a tendência de separar o mal do bem. Para os indivíduos marginalizados é colocado o papel de serem o espelho mal e quanto aos sujeitos bem sucedidos fica a qualidade de refletores do bem. O ideal cultural do ocidente nos impele a atingir um nível de consumo que fica difícil distinguir, em algumas circunstâncias, o que é homem e o que é mercadoria. Pintar o mundo em preto e branco fica mais fácil do quê aceitar que na verdade ele é preenchido por tons de cinza. É bom sustentar a ilusão de controle e normalidade.

Para garantir essa separação são construídos conjuntos habitacionais cada vez maiores, completos e seguros, os vidros dos carros não precisam ser mais abertos para a circulação do ar, se você quiser nem precisa ser mais visto dentro do automóvel, também são montados complexos comerciais diferenciados para aqueles que possuem melhor condição financeira, diversas áreas de lazer com público selecionado e etc. Cada vez mais separamos de nosso cotidiano o mal, o desagradável, a pobreza, a miséria. Isso não faz parte do nosso dia-a-dia a não ser em um programa de televisão que os use como parte de um show ajudando a aumentar cada vez mais as fronteiras.

A grande questão é que jamais poderemos apagar o lado podre da vida, por que ele é fundamental na manutenção da sociedade. Ele dá sentido ao lado belo da existência. Temos que aprender que o mal não está fora de nós, ele vem de dentro. E sempre tem dois lados de uma mesma moeda. Compreender que o homem não é fundamentalmente bom, e nem, inexplicavelmente mau, faz parte da mais difícil lição da humanidade. Fazer essa dicotomia tira do sujeito a liberdade de ser infinito, de acordo, com as possibilidades que lhe são apresentadas.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma vida desconhecida.


Você ligou na hora errada. O dia está incorreto. Não tive coragem para falar. Como pode ter esquecido o dia em que me viu pela primeira vez? Como não lembra do dia em que meus pulmões conheceram o ar? Nesse dia eu cheguei ao mundo e você estava lá. Você me viu chegar. Pegou-me em seus braços. Sentiu meu cheiro e meu hálito. Riu da minha cara engraçada. Procurou, e encontrou detalhes no meu rosto que eram seus. Você estava lá, eu sei. Então, como pôde se enganar?

Estavas presente na chegada, mas no percurso ficaste ausente. Perdeu de me ver no mundo. A oportunidade de me acompanhar na escola passou. Meu primeiro beijo. Minha primeira menstruação. O primeiro dez e aquele zero. Aquele machucado que deixou uma cicatriz no joelho. O jogo de vôlei e o porre depois da vitória. Ficou tudo perdido no tempo. Sem chance de resgate. Quantas lágrimas foram invisíveis aos seus olhos? Quantas gargalhadas foram surdas aos seus ouvidos? Será que ao menos tem ideia de como é meu rosto? Qual é a cor do meu cabelo? Minha altura? Tem noção de quanto é? Meu número de sapato e roupa? Alias, sou gorda, magra ou meio termo? Tem ideia de quem eu sou? Se eu passasse ao seu lado na rua me reconheceria? Em mim tem um pedaço seu que não posso evitar, mas não há em ti nada que seja meu. Como pôde ter esquecido o dia em que seus olhos brilharam ao me ver? Você ligou no dia errado. Não falei nada. Não tive coragem.

sábado, 16 de abril de 2011

O que é isso que vejo? Quem é essa que está em meu lugar? O espelho refleti o que eu não vejo. Ele alcança onde meus olhos não conseguem chegar. O que há? Esse espectro visual não contempla quem eu sou e muito menos quem eu quero ser. Deve haver algo errado. O espelho está com defeito. Vou trocá-lo.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Peso do vazio.

A minha mochila está pesada. Olho para dentro em um busca de algo que possa remover e o que encontro é o nada. Ela está vazia, e perceber isso me paralisa. O que tenho para colocar nela não preenche esse espaço. É inevitável, fico parada. Espero que passe diante de mim qualquer coisa que eu possa agarrar e fingir ser suficiente. Não há saída, tenho que deixar tudo de lado e me deixar carregar pela mochila. É a única forma de se movimentar, só não sei por quanto tempo vai funcionar.

O habitual tornou-se estranho.

O tempo passou, porém você ficou estático.
Você é um mero recorte daquele momento.
Algo que não se aplica mais na realidade.
A sua voz é a mesma. A minha capacidade de ouvir diminuiu.
O seu gosto ainda é o mesmo. Meu paladar se refinou.
Aquele cheiro só seu, persiste. Preencho a casa de incenso.
O olhar distante que me fazia enxergar longe continua existindo.
 Apenas não procuro mais respostas dentro dele.
O seu toque é leve, como antigamente. Minha pele se enrijeceu.
Sua risada é por si própria engraçada, porém tornei-me séria.
Você ficou em um tempo que não sou mais eu.
Você se transformou em uma lembrança imediata.
Não consegui deixar para trás a vontade de crescer.
Eu andei e você ficou na estrada que nós caminhamos sem sentir.
Andei sobre ela, já você se deixou ultrapassar.
A estrada passou por ti, e você nem viu.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Não sei se vou ou se fico
Não sei se fico ou se vou
Se vou, já sei que não fico
Se fico, já sei que não vou

terça-feira, 8 de março de 2011

Liberdade. Doce ilusão.

Nunca entendi a liberdade. Jamais a vi em ação, personificada em ato. Só a conheci através de discursos, palavras bonitas reunidas em torno de uma ilusão.

Falar de liberdade é a coisa mais simples do mundo. É simplesmente dizer que tudo é possível e que depende apenas de você. O mundo é seu, o mundo necessita de ti para existir. És inteiramente responsável pelas tuas ações, pois sóis livre. É preciso agarrar pelo chifre a vida e fazer com que ela seja mais doce. Você é capaz de tudo. A liberdade é uma benção e também uma maldição já que te ligará eternamente as consequências de tuas ações. Não tens escolha, ser livre está em seu DNA.

Sinceramente eu nunca vi diante dos meus olhos alguém livre a esse ponto. Ouço diversas histórias de superação e fico impressionada, feliz de certa forma, mas existe sempre alguma coisa maior por trás dessas situações gloriosas. Pode parecer pessimismo, preconceito, ou sei lá o quê, mas não acredito que o homem pode tudo. Pelo simples fato de vivermos em uma sociedade que nos anula, que nos devora.

Vejo no olhar de muitas pessoas o desejo supremo de sair, de sumir, de dizer adeus, porém o meio externo às sufoca de uma forma que elas se vêem presas em uma prisão sem grades. E não adianta dizer que só depende delas a mudança por que não é assim que as coisas funcionam no mundo real. Nunca foi somente nós. Sempre estivermos ligados a algo e/ou alguém, nossa história foi pautada na interação, na relação com o outro e com o mundo, então não depende apenas de nós.

As mudanças que dizem respeito a nossa pessoa, ao nosso Eu necessita inteiramente de nossa vontade. Somos os agentes de transformações em nós mesmos. Não podemos dar essa responsabilidade para outrem. Contudo, no que se refere ao mundo, ou o que envolve outros, necessitaremos mais do que de nós mesmos, precisaremos de oportunidades e de interação, ponderação, paciência e uma pitada de sorte.

Vivemos em uma sociedade que exige, muitas vezes, mais do que podemos dar e que em alguns momentos nos força a abrir mão de nossa singularidade, de nossa liberdade inata se quisermos viver sobriamente. Não falo aqui de condições financeiras, classes sociais, não é isso. Falo de algo que ultrapassa questões econômicas. São grandes coisas nos pequenos detalhes do dia-a-dia e ás vezes são bobagens que nos cega nas grandes dificuldades. Descrevê-las aqui seria errado pois não há determinações para elas. São subjetivas, diversas, não tem formas e muito menos determinantes. Da mesma maneira que a felicidade se manifesta sem rosto, as verdadeiras amarras de um homem são invisíveis.

Julgar a falta de ação de um homem diante de uma dificuldade é muito fácil, mas, talvez se nos colocarmos no lugar dele veremos os grilhões que prendem seus pés. Liberdade é um sonho lindo que nasce conosco, no entanto jamais é sentida na plenitude de sua essência. Assim eu penso. Assim eu sinto.

domingo, 6 de março de 2011

Um vôo sem asas.

Tudo ficou mais claro agora. A escolha foi feita. Não há mais dúvidas. Não há mais forças. Prefiro saltar no nada do que me afogar na amargura. Permanecer aqui se tornou inviável. Finalmente é chegada a hora. Vou embora.

É irrelevante suas opiniões. Você não sabe o que é sentir uma multidão de dores. Ter um inimigo sem rosto que te persegui a todo instante. Correr tanto para não chegar a lugar algum. É insuportável ter que olhar todos os dias pro teu sorriso. Seu amor é um ácido que corrói minha pele e desintegra o meu peito. Preciso sair, necessito voar nas asas da ilusão. Não dá mais pra ficar.

Eu sei, sei que será difícil. Contudo, entenda que não estava fácil para mim ter que morrer vagarosamente. A vida se transformou em um veneno para mim, a morte é o antídoto. Não se culpe. Minha dor não tem alvo. O que está em questão aqui sou eu, apenas eu.

Deixe-me ir. Veja, estou sorrindo finalmente. Mais do que nunca estou consciente. Deixe-me ir, pois este não será meu fim. Minha história foi escrita pelo avesso. Deixe-me ir, suas lágrimas no meu ombro são narvalhas e estão machucando essa pobre carcaça. Deixe-me ir.

Preste atenção não quero que me compreenda mal mas, nada mais importa. O cheiro da liberdade invadiu meus pulmões e limpou tudo que havia de podre. Acabará a dor, acabará o sofrimento. Pela primeira vez sinto que vou viver verdadeiramente. Pareci louco, eu sei, no entanto não é mais insânio do que continuar. Não há saídas possíveis. Todas as portas trancadas. Janelas lacradas. Soluções inexistentes. Só me resta pular. Voarei para longe. Beijarei a morte na boca e abraçarei seu corpo com tanta força que ela não terá como fugir. Aquela que vinha me consumindo pouco a pouco trará em seus braços o alívio.
Adeus!

quarta-feira, 2 de março de 2011

Sem remédio

Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto esse pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!

Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O despertar da angústia (Essa versão é a que apresentamos na sala de aula)

“De repente o sol dormiu e as flores murcharam. De repente não mais chovia e era outono. De repente acordou e sentiu sua alma arder. De repente, sentiu que tinha alma.”

E foi então ali que tudo começou. Não saberia dizer como ou por que, nem mesmo lembrava o que acontecera antes daquele dia áspero de início de outono. Mas, finalmente a clareza do incontestável se fez notar e não pude mais negar a minha incompletude. Sentei-me, acendi um cigarro de baunilha e mergulhei nas profundezas do meu ser, e o que encontrei foi o nada.

“Lançou o olhar, então, para norte, sul, leste e oeste. Parecia procurar alguma coisa no ar. Deliberadamente ouviu no vento uma voz sussurrando, era ela murmurando sua dor não doída.”

Nesse momento, tive medo do inevitável. Não há como fugir. É tudo tão instável. Repentinamente aflorou na minha mente a ideia de que nada e ninguém poderiam nunca ter vindo à existência. A propósito, a qualquer instante, tudo e todos poderiam deixar de existir. Imprevisível é a vida. Como é frustrante perceber que não existem saídas a não ser aquela que tentamos evitar. A única coisa certa é a morte. A cada dia que passa estendo o meu viver e aproximo-me do fim, paradoxo. (Deve-se morrer para si mesmo).

“A natureza seguia seu curso e ela estava lá, perdida dentro de si.”

Passei a imaginar onde estivera enquanto o tempo passava sem freio. Por que teve que ser ali, naquele instante e não em outro? Jogada no mundo eu fui. Lançaram-me aqui sem treinamento, sem conhecimento. Ninguém perguntou se eu queria vir. Tudo já estava pronto aguardando a minha entrada. Quando eu partir o mundo continuará ai. Seguirá seu curso sem mim, como pode? Em pouco tempo serei esquecida, uma vida perdida. Mesmo que o mundo seja eterno, não posso com ele desfrutar de sua eternidade. E alias, por que tenho que viver aqui e agora? Quero viver o ontem e o amanhã idealizado. Pararei de pensar. (Não adianta ignorar. A angústia não cessará. Eterna companheira, assim como a morte, é condição de existência).

Lembranças permearam a minha mente. De repente notei que a vida poderia ter sido diferente. A liberdade de escolha te aprisiona na incerteza dos fatos e te deixa, muitas vezes, paralisado diante das possibilidades. É preciso seguir, é preciso caminhar entre as pedras. Experimentar as larvas para poder conhecer as borboletas. O pior disso é entender que somente eu sou responsável, não posso culpar ninguém, não posso contar com ninguém. O sentido das coisas depende de mim e não o contrário.

“A percepção do mundo como um quadro em branco ou um livro sem palavras. Nada parecia existir por si só. O ser sem estar, o estar sem ser.” (Liberdade sufocante não é?).

Pois, só quem se olha no espelho toda manhã conhece a dor de ser o que realmente se é. Pensou ela, antes de arrancar a adaga que a corroía e atirá-la contra o espelho”. (Reaja! Ficar quieta não mudará nada. Agora que conheces a verdade sóis plena. Vai viver tua condição de ser humana, tua condição de ser livre e única).

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Oi, eu sou de marca.

Dias atrás quase fui assaltada por uma senhora que tinha em média 70 a 80 anos. Ainda não acredito no que aconteceu. Não vou contar o episódio aqui por que é ridículo. O importante é que ela não conseguiu levar meu celular que só vale uns R$ 20,00. O cômico disso tudo é que quando ela se aproximou de mim eu já sabia que ela ia tentar assaltar, ou melhor, enganar a mim, aquela carinha enrrugada não era confiável (para mim, pelo menos). Se eu não tivesse sido rápida iria apanhar na parada de ônibus, pois, quem acreditaria que aquela pobre senhora estava assaltando a mim, uma jovem com mochila nas costas, de chinelo, desarrumada (estava um bagaço, admito) e com cara de maloqueira (Eu tenho essa cara)? Ninguém.

Percebi naquele instante que no mundo a aparência é fundamental. É óbvio, eu sei, mas é muito mais do que ser belo e bem apresentável. A aparência hoje em dia é TUDO. E não falo somente de imagem corporal, falo de uma imagem comercial. A nossa imagem é mercadoria. Se sai bem nas situações quem tem a melhor para apresentar aos consumidores, que somos nós.

Fala-se no consumismo de corpos, mas não é isso que buscamos, queremos uma imagem que vai além das curvas de um corpo malhado. Um corpo belo por si só não se vende, ele tem que vir acompanhado de uma embalagem bonita, de algo que ilumine e aumente o valor daquele "material". É simples, vamos pensar em duas meninas, uma que é linda, malhada, porém é pobre e outra que é universitária, não está tão em forma quanto a primeira, tem um carro e usa coisas de marca, diga-me com toda sinceridade quem, quem chama mais atenção?

O que procuramos atualmente é mais do que um corpo belo, é um ideal de Eu refletido nas mercadorias que possuímos. Isso é o que buscamos e o que esperamos encontrar no outro. É o que mais brilha aos nossos olhos. É através disso que somos reconhecidos, é através disso que nos tornamos gente. Há um tempo venho escutando as músicas do grupo Racionais Mc's tentando fazer um trabalho, admito que ainda não consegui, o que ouço nas letras das canções é o reflexo de um sistema contraditório e perverso. A nossa cultura cultiva um ideal de grandeza e felicidade por meio de mercadorias, mas renega a boa parte da sociedade os meios de consumo. Somos incluídos dentro de um sistema, dentro de um ideal, e excluídos das possibilidades de se alcançar esse "sonho" ou objetivo social. Alias, não é uma exclusão, e sim, uma inclusão perversa.

É mágico e ao mesmo tempo temeroso ver no olhar de um moleque pobre a alegria ao conseguir comprar aquele tênis, aquela roupa. Posso dizer por experiência própria que é como se ele disesse: Eu existo. É muito forte. Se você parar pra notar verá que corpos não são nada, não são tão importante. O que importa, o que vale no jogo da vida de fato, é a embalagem que cobri o corpo, é o que você pode comprar. Fico pensando então se você é o que consome, ou consome o que é?

Esse assunto é muito mais profundo e complexo do que se imagina. Tenho tanto ainda o que aprender, pesquisar e entender. Mas, não sei bem, acho que nada do que eu venha escrever será bom o bastante. Ainda tenho muito o que o pensar.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vida paradoxal.

"É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas." (O Pequeno Príncipe)

Essa frase faz refletir sobre algumas coisas. Uma delas é que simplesmente não podemos evitar os perigos em nossa vida. Viver é um risco e isso é irrevogável, não há como mudar essa condição de existir do ser humano. É preciso coragem na caminhada. A imprevisibilidade dos fatos é constitutiva do viver humano.

Outra questão interessante é que diante da constatação das incertezas do viver não podemos nos paralisar. É necessário seguir; ultrapassar o medo. Para saber o verdadeiro significado de ser feliz é preciso, ás vezes, mergulhar-se na imensidão da infelicidade. Somente dessa forma poderá perceber o quanto essa ambivalência de sentimentos é importante para compor de maneira significativa a vida.

O valor de uma existência não se mede pela quantidade do tempo e sim, pela qualidade. Preservar-se pode até prolongar sua vida, mas isso não quer dizer que a terá vivido. Alias, esconder-se não garante nada, pois o inevitável baterá a sua porta sem marcar horário. Por incrível que pareça, existem muitas pessoas que morrem sem nunca terem vivido. Nunca experimentaram o sabor de viver, as graças e as desgraças que dão um colorido único ao nosso existir. O que nos diferencia são as diversas experiências que vivenciamos e o que delas apreendemos, e não, por quanto tempo ficamos de passagem aqui na terra.

Só podemos nos conhecer a partir do momento em que nos lançamos. Somente se relacionando com o mundo e com os outros é que vamos ter "material" para analisar nosso Eu. Manter-se fora desse ciclo não irá permitir a atualização de suas potencialidades e nem o contato com o que há de mais peculiar em si . É de fundamental importância refletir sobre as nossas experiências para, só então, refletir sobre nós mesmos. Não há Eu sem Tu e nem Tu sem Nós. Viver significa envolver-se, e envolver-se significar lidar com o imprevisível, e o imprevisível é o que dá a vida um formato único e irresistível.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O despertar da angústia (Nathalia Lins e Andreza Crispim)

De repente o sol dormiu. De repente as flores murcharam. De repente não mais chovia. De repente era outono. De repente ela acordou e sentiu sua alma arder. De repente, sentiu que tinha alma.

E foi então ali que tudo começou. Ela não saberia dizer como ou por que, nem mesmo lembrava o que acontecera antes daquele dia áspero de início de outono. Finalmente a clareza do incontestável se fez notar e ela não pôde mais negar a sua incompletude. Sentou, acendeu um cigarro de baunilha e mergulhou na sua apologia a solidão. Lançou o olhar, então, para norte, sul, leste e oeste. Parecia procurar alguma coisa no ar. Deliberadamente ouviu no vento uma voz sussurrando, era ela murmurando sua dor não doída. Nesse momento, percebeu que as borboletas que embelezavam o parque durante a primavera e o verão já não estavam mais lá, sobrevoando as flores. Enquanto isso, as folhas que estavam espalhadas pelo chão continuavam sendo levadas pela brisa gélida. Algumas caíam no rio, outras ficavam simplesmente bailando no ar ao ritmo do vento. Flores murchas e galhos de árvores nus eram tudo o que se via. A natureza seguia seu curso e ela estava lá, perdida dentro de si.

Em vão imaginava onde estivera enquanto o tempo passava sem freio. Por que tinha que ser ali, naquele instante e não em outro? Por que tem que viver aqui e agora? Ela quer viver o ontem e o amanhã idealizado. Não conseguia recordar para onde olhara enquanto percorria a longa estrada sem observar as mudanças da paisagem através das estações. Agora tudo era cinza, agora o céu era outono. Ela tentava ignorar, mas a verdade é que o outono sempre esteve lá.

Não sabia o quê ou quem era, nunca mais soube. Não se entendia e não entendia o outono, nunca o entendeu. Pelo tempo que passara flutuando e não percebera o mundo criado e recriado abaixo de seus pés. Por hibernar numa redoma platônica que se acomodou em chamar de realidade. Por se refugiar num eu que se distorcia a cada tentativa de externar-se. Uma mixórdia de sensações como nunca antes experimentadas. A percepção de si mesma projetada em sua mente, clara como um mar cristalino sob o sol de néon de outrora. A percepção do mundo como um quadro em branco ou um livro sem palavras. Nada parecia existir por si só. O ser sem estar, o estar sem ser. Parecia sufocar. Era como pesadelo corroendo o sono em noite fria. Os olhos, voltados para dentro, precisavam mostrar afora algo que ainda não havia sido encontrado. Parecia paradoxo.

Lembranças permeavam sua mente. De repente notou que sua vida poderia ter sido diferente. A liberdade de escolha te aprisiona na incerteza dos fatos e te deixa, muitas vezes, paralisado diante das possibilidades. Somente ela era responsável, não podia culpar ninguém, não podia contar com ninguém. Liberdade sufocante.

Será que é preciso sufocar em angústia para não tropeçar entre os trilhos na contramão? É preciso arrancar os olhos para que eles não sangrem? É preciso cravar a adaga no peito de quem se é de verdade pra poder seguir em frente?

“Pois, só quem se olha no espelho toda manhã conhece a dor de ser o que realmente se é”, pensou ela, antes de arrancar a adaga que a corroía e atirá-la contra o espelho.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

"Toda beleza e sublimidade que atribuímos a objetos reais ou imaginários reinvidico como propriedade e criação do homem. Elas são sua mais bela justificação. O homem como poeta e pensador! O homem como Deus, como amor, como poder! Com que generosidade real ele se empobreceu e se fez infeliz para adorar coisas. Até o presente, sua maior baixeza foi ter admirado e venerado as coisas, esquecendo que foi ele quem criou o que admirou."
(Friderich Nietzsche)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pelo direito de ser infeliz o/

Às vezes eu fico me perguntando se as pessoas são realmente felizes o quanto elas dizem que são. Vejo pessoas cuspindo felicidade pelas redes sociais e isso causa em mim certo estranhamento. Você escolhe as melhores fotos dos melhores dias, as melhores poses, os melhores lugares, só pra mostrar que você é sim, muito feliz, como as famílias nos comerciais de margarina. Sinto-me envergonhada, em alguns momentos, quando olho minha página no orkut e o que vejo ali é algo falso que não condiz de maneira alguma com a minha realidade. Então, eu penso um pouco, e talvez seja assim com os outros também. Não sei ao certo, mas parece que há uma necessidade de demonstrar uma estabilidade emocional extremamente irritante. A consequência disto é que estamos perdendo o direito à infelicidade.

Vamos amigo, levante a cabeça, você é forte, existem pessoas com problemas maiores, vamos meu querido, sacuda essa poeira dos ombros e dê a volta por cima. Quem nunca ouviu um desses conselhos? Já é típico. Fico rindo algumas vezes quando alguém vem desabafar comigo e falar de suas tristezas e a única coisa que digo é: é assim mesmo. Pois é, é assim mesmo e essa não será a última vez que a vida vai te deixar de cabeça pra baixo. Aprenda a sofrer.

Odeio quando as pessoas rejeitam sua dor e te suprimi de expressão. Deixam-te sem graça para ser triste. Esse tipo de atitude vem se espalhando de uma forma assustadora. Não é permitido sofrer. Fala-se muito em tirania da beleza, mas a tirania da felicidade?

Na atualidade a mensagem que vem sendo passada é a de que a felicidade é um direito irrevogável ao ser humano. Nós merecemos ser felizes. Porém, na realidade, as coisas não são assim. Viver é um risco sem garantias. Não somos merecedores de nada. Temos que lidar constantemente com o imprevisível e isso significa que não podemos controlar os fatos que ocorrem na nossa vida. Consequentemente iremos sempre nos surpreender e ter que sair de uma posição de conforto para outra onde há a falta de sentido. Estamos sempre nos reinventando, ou seja, o tempo todo em mudança vivenciando os mais variados tipos de emoção. A felicidade é uma meta que nunca será concretizada plenamente.

Dessa forma, é como se o sujeito estivesse constantemente engasgado sem poder falar sobre suas dores, frustrações e sofrimentos. Essa cultura do hedonismo e da juventude feliz e eterna está sufocando e mascarando cada vez mais as pessoas. É como se o indivíduo vinhesse ao mundo com um único dever e este é de ser feliz em tempo integral. Não se pode reclamar da vida. "Olhe para o lado e veja que a vida de outro alguém está em pior condições que a sua, então, não reclame, não é justo." Pronto. Assunto resolvido. Acabou, não se fala mais nisso. Parece que estamos sempre ouvindo aquela frase dita pelas mães aos filhos que choram irritantemente: "engula o choro". Pois é, desde cedo aprendemos a suprimir nossas emoções e a falsear nossos sentimentos para nos encaixarmos em um padrão de vida que não se encaixa em nós.

Ser feliz tornou-se um dever, mas acontece que a felicidade é um estado de espírito que é incerto e inconstante. E essa é mais uma exigência social que ultrapassa a capacidade do ser humano. O que vejo por aí são sujeitos perdidos nesse jogo de quem ri mais e simplesmente não conseguem lidar com a dor que habita o peito e não se sentem no direito de derramar algumas lágrimas pelas agruras do dia-a-dia que tanto machucam sua carne cansada. Essa ditadura da felicidade é produto do ideal cultural de nossa sociedade. Seus efeitos são bem maiores do que isso que expresso com poucas palavras e uma pitada de ingenuidade, admito.

Cada vez mais vejo que as visitas aos consultórios terapêuticos e os transtornos mentais vem aumentando e isso é um sintoma dessa postura de repressão das lágrimas e reclamações. A nossa única saída é recorrer aos especialistas da dor e aos becos escuros de nossa mente.

Duas medidas e um peso

E de repente não existe mais nada de particular. Procuro um ponto em comum, mas não há nenhum. Busco no interior vestígio de algo que já fez parte do todo e deparo-me com um estranho. Nem sei dizer se é um reflexo deformado ou outro alguém. Aquele Eu que se satisfazia, ver-se curvado agora a outro estranho que tornou-se Eu. Sou o avesso de mim mesma.

Nesse espetáculo da vida cotidiana não sei mais separar o ator do personagem. Tenho a sensação que estou perdida. As diversas máscaras que usei ao longo da vida fundiram-se com o meu verdadeiro Eu. Risos e abraços são ilusões, sinceros ou não. O que fazer? Meu ser não está fragmentado, ele está mesclado. Como posso encontrá-lo então? Não tenho pedaços a recolher. Está tudo grudado. A sensação de viver um teatro tornou-se fato.

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...