sábado, 9 de março de 2019

Crescer implica em afastar-se do corpo do outro. O crescimento traz consigo a capacidade de manter-se a distância. Na medida que cresce, o indivíduo, amplia suas possibilidades de existir longe do corpo do outro. No momento do nascimento a criança anuncia: "Parto!". E assim, segue em constante partida. Na pele permanece a memória do estar junto e, a cada passo adiante no crescimento, carrega a falta primária do toque. O que seria de nós se não houvesse o abraço?

Sim, crescer implica em afastar-se do corpo do outro.
O ansioso teme o sofrimento.
Sente-se inseguro.
Ele deseja prever.
Ele quer controlar.
Então antecipa, fantasia, previne-se.
O ansioso é um grande imagina(dor).
O que lhe falta é confiança em si.

Psicoterapia é um processo de humanização e sensibilização.

É comum que o cliente chegue ao consultório com vergonha dos seus sentimentos. Fala de si como fracassado por sentir tristeza, medo, raiva, inveja, insegurança, receio, ansiedade e etc. Acredita que mantendo-se distante de seus sentimentos será mais forte.

Começo a pensar que a psicoterapia é um processo de humanização e sensibilização. Humanizar e sensibilizar o cliente significa contribuir que o mesmo olhe pra si como humano, e isso implica que ele sente uma variedade imensa de emoções. É ajudá-lo a se confrontar com suas faltas e perceber que a inveja tem uma função esclarecedora sobre seus desejos e sonhos. Compreender que a raiva e o orgulho refletem autocuidado em algumas situações e previnem novas decepções. A ansiedade e o medo lhe deixam em alerta. Que o futuro assusta e faz parte do caminhar receios e inseguranças.

Ser humano é ser sentir. O que noto hoje é que parece que estamos com medo de sentir e a cada afeto julgado negativo que floresce nos inundamos com a culpa e haja autodepreciamento. Perdemos de vista o que aquele sentimento tem para nos comunicar e remoemos a sensação de inadequação. O cliente chega confuso, perdido e desorientado, pois negligencia suas emoções. Nossos afetos são norteadores. Eles nos sinalizam os efeitos que as situações vividas geram em nós. São nossas emoções que nos revelam sobre o casamento, o namoro, o trabalho, a graduação, a família, os amigos e tudo o mais em nossa história.

Nossa cultura objetifica e mecaniza o sujeito. Não somos máquinas. Somos feitos de carne. Pulsamos! A psicoterapia é um processo desafiador, pois nos coloca diante de nossa humanidade. Todo sentimento é legítimo, genuíno e digno. Aceite-o. Aprenda sobre si estando atento ao que te provoca. Não há nada de errado na tristeza, no nojo, na raiva, na inveja, no orgulho, na avareza, na ambição e etc. O que há para ser avaliado não é o sentimento, mas a forma como cada um decide se comportar diante deles. A emoção é pura. Sinta! 

Andreza Crispim 
Psicologia Clínica CRP 02/17314 
Psicomotricidade Relacional

Quando chegar é só bater na porta que lhe recebo.

No meu consultório não há campainha, ou seja, o cliente precisa bater na porta quando chega. No início pensava em providenciar uma, mas hoje, é algo que adoro e não tenho intenção de mudar. Percebi que cada cliente tem uma batida diferente e nesse bater já escuto muito do que ele tem a me dizer. Tem aquele que bate tão devagar que preciso estar atenta para ouvi-lo chegar. É uma batida singela, delicada e tímida. Já tem aquele que quando bate levo um susto, pois é forte, firme e brusca. Há aquela que bate e já vai tentando abrir a porta, por mais que saiba que deixo a mesma fechada com chave. Tem os que brincam com a batida e lançam uma música (às vezes chegam sem brincadeiras). Há os que chegam tão cedo que nem batem na porta, esperam na frente para quando o cliente anterior sair.

Adoro esperar o próximo toque. No bater da porta já me sinto em relação com a pessoa que chega. Há quem dê apenas uma batida, há quem dê mais de uma. Tem quem bata com a mão aberta, outros com a mão fechada e aqueles que só tocam as pontas dos dedos (Sim! Dá pra notar as diferenças). Existe o toque ansioso que anuncia urgência. Há o inseguro que pede cautela. A Psicomotricidade relacional me ensinou que o corpo tem discurso próprio e a linguagem corporal é a forma de comunicação mais primitiva do ser humano. O gesto se transforma em palavra. A motricidade é a primeira manifestação de vida que temos. É através dela que inicialmente procuramos entrar em relação e nos comunicar com o mundo. O corpo reflete a vida psíquica do sujeito.

Abrir a porta depois do toque e estar ali, cara a cara, e receber o impacto da chegada. Adoro receber cada um na porta e notar qual o impacto que essa pessoa causa em mim? Psicologia, e em especial, psicologia clínica diz respeito aos detalhes. Estamos o tempo todo dando indícios de nós mesmos em cada gesto e atitude. Por mais que estejamos perdidos ou até negligenciando nosso eu, não conseguimos escapar de nossa essência e de nossa verdade. Ela escorre e transborda no olhar, na roupa, no arrumar do cabelo, no toque, no tom da voz, no bater da porta, no cheiro, na forma de andar e etc. Não escapamos nunca de quem somos. 

Somos, indiscutivelmente, seres que se constituem em relação. Vitor da Fonseca anuncia "A sociedade é para o homem uma necessidade orgânica". Desde a nossa concepção que estamos em relação e ela será a base da nossa subjetividade e vida psíquica. A presença humana ressoa diante de outra pessoa humana. Cada sujeito que chega até nós causa um efeito interno. Não há como sair ileso de um encontro entre seres humanos. Sempre seremos tocados. Em psicoterapia, busco ficar atenta em como aquela presença humana ressoa dentro de mim. De que maneira esse cliente me impacta? Como me sinto diante desse indivíduo? É assim que posso trocar autenticamente com ele. Somente quando me conecto com minha humanidade é que posso alcançar e compreender a humanidade do outro. É difícil não se perder e aprender a filtrar, mas gosto de acreditar na honestidade dos afetos. Psicoterapia não é uma relação linear. Gosto de pensar que estamos em diálogo. Construímos juntos o processo. Participo ativamente, afinal de contas, estou ali, presente. Assim, como o cliente que está diante de mim, sou um sujeito humano com necessidades e desejos. Cuidar da minha subjetividade é zelar pelo processo terapêutico de quem me procura. Fico curiosa pensando: Como será que é minha batida na porta? Infelizmente, no consultório da minha psicóloga tem campainha. Mas como disse anteriormente, não escapamos nunca de quem somos e estamos o tempo todos mostrando para o mundo nosso eu. Ela, volta e meia, brinca comigo e diz: "Eu escuto você chegar já quando vem subindo as escadas e suas respiração forte na porta."Às vezes, chego sem alarde. E é nesse encontro entre duas subjetividades diferentes que se constitui o processo terapêutico.  

Andreza Crispim
Psicologia Clínica CRP 02/17314
Psicomotricidade Relacional


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