domingo, 8 de dezembro de 2019

Quando lembro de nós sussurro.
Recordo do toque.
Tuas mãos que percorrem sem pudor minha pele.
Através delas redescubro partes do meu corpo que escapam na correria do dia a dia.
Nas tuas mãos sou mistério a ser desvendado.
Gosto como tu brincas com minhas charadas.
Sempre sedento se debruça sobre minhas pernas e lá permanece em compasso.
Mantém o ritmo das batidas de nossos corações.
E o coração? Esse acelera.
E quanto mais bate, mais balançamos unidos. Tão juntos que confundimos o hálito.
Ali ...
Aqui, não existe mais nada além de nosso suor que escorre até encontrar no gozo o seu sossego.

Maria dos Prazeres

terça-feira, 30 de julho de 2019

A vida está passando. A minha vida está passando. Todo dia é um dia que passa por mim. Há dias que sinto-me viva, outros apenas respiro e sigo. No peito de repente surge uma angústia. Um medo de não ter tempo. Afasto a ideia, mas fica guardado na memória: o tempo está passando. E me pergunto, como estou passando pela vida? Definitivamente tem dias que passo sem notar que tenho vida. Acho que não conseguimos aproveitar todo dia que em que a vida passa. Apenas passo. Há vida passando em mim, eu sei, eu reconheço. Existem momentos onde paro e curto o tempo que passa por mim e sou plenamente passagem. Nesses instantes contemplo e me vejo história. Tem dias que durmo, outros acordo, até o dia que não haja mais.

sábado, 15 de junho de 2019

O lugar do trabalho pessoal para o psicólogo.

Na faculdade de psicologia se fala bastante sobre a necessidade do psicólogo fazer terapia, pois assim, ele não irá confundir ou misturar seus conteúdos com os dos clientes. Fala-se da importância do processo pessoal para o psicólogo, pois acredita-se que irá minimizar os riscos de projeções na relação com o paciente. Saímos de lá com essa lei, porém nem sei se temos tanto conhecimento dos seus fundamentos.

Ultimamente penso bastante sobre isso e quero ir um pouco mais além e aprofundar nessa questão. O que noto cada vez mais na medida que me trabalho pessoalmente (Faço terapia individual em Gestalt-terapia e também em grupo com Análise Corporal da Relação, além de participar de variados workshop, oficinas e agora grupo de Constelação familiar sistêmica) e que exerço o trabalho na clínica, é o quanto minha sensibilidade e percepção ficam mais aflorada para a escuta do outro. Quando vou desvelando meus conteúdos nos espaços terapêuticos que participo fico mais disponível para perceber e (re)conhecer os entraves, bloqueios, impedimentos e potencialidades do meu cliente. Tudo que pertence ao humano é legítimo e faz parte de uma possibilidade de ser. Nada que pertence ao outro nos é estranho propriamente, todo conteúdo humano é de alguma forma compartilhado e experienciado. Engana-se aquele que afirma que há neutralidade e distanciamento do desenrolar das histórias que nossos clientes nos trazem. Na escuta dos meus clientes também há uma escuta de mim, e preciso estar atenta e consciente disso. A história dele em algum fenômeno se encontra com a minha. E quanto mais consciente estou dos meus conteúdos, mas sensível e inocente fico com seu discurso. Trago a palavra inocente, pois considero que o inocente é aquele que se deixa surpreender e após a surpresa se reconhece. Quando trabalho minhas faltas e desejos, estou também contribuindo com o trabalho do meu cliente. De alguma forma os conteúdos entre nós que nos conectam vão se desenrolando através do meu movimento pessoal e a coisa se amplia. Ás vezes, há temas que só poderão ser alcançados na terapia com o paciente quando eles já tiverem sido abarcados na minha terapia. Em resumo, meu trabalho pessoal não serve para me proteger ou me blindar dos "problemas" do cliente, e nem vice-versa, e sim para me abrir e me disponibilizar mais livremente e autenticamente naquela relação.

Hoje, compreendo a importância para nós, psicólogos, do trabalho pessoal como ferramenta de intervenção profissional. Estou formada a seis anos e nesse tempo nem sempre estive em trabalho pessoal. Porém, atualmente, não consigo desatrelar uma coisa da outra. Claro que todo processo tem seu tempo e todos os ciclos têm seu começo e seu fim, mas hoje reconheço o quanto é essencial debruçar-me sobre mim mesma para enfim ir ao encontro do outro e colaborar com o debruçar dele sobre si mesmo. Acho delicado quando vejo profissionais que trabalham, especialmente na clínica, e nunca se propuseram a um espaço de escuta terapêutica. Penso: "o que impede esse sujeito de se submeter a uma proposta que ele, geralmente, defende tanto que o outro vivencie?" Caso você trabalhe com psicologia e nunca fez psicoterapia observe o que te impede. O que você evita? 

Pessoal que trabalha com psicologia e em especial psicologia clínica, façam psicoterapia, e se possível, outras práticas terapêuticas que vocês se identifiquem também. Será fundamental para sua vida profissional. Seus clientes irão ganhar muito com isso.

domingo, 2 de junho de 2019

Eu até perdoo nossa despedida.
Mas não posso perdoar os sonhos que ficaram
e aquele velho suspiro da saudade.

sábado, 25 de maio de 2019

Há dias que sou seca.
Outros inundação.
Terreno instável.
Maleável.
Sou terra árida que nada cresce.
Sou fina chuva que tudo cria.
Em mim há desertos.
Construo oásis.

sábado, 4 de maio de 2019

Enquanto sou, vivo.
Enquanto vivo, sou.
A vida me arrasta.
Ela segue.
Tento acompanhá-la.
Ela é rápida demais.
Surpresa.
Caio.
Respiro.
Levanto.
Continuo.
porém, diferente.
Nunca a mesma, mas sempre (en)frente.

A vida é imprevisível.Que tola eu fui em pensar que podia controlá-la. Como sou ingênua em acreditar que meus planos garantem segurança. Só foi preciso um pano no chão pra me mostrar que estou errada. A vida é encadeamento. Rede de fatos e ocasiões que desembocam num fim e marcam um novo começo. Só foi preciso um pano no chão e eu cai. Abre-se enfim o mistério da queda. Nunca levantamos os mesmos. Por menor que seja ela nos marca. Ensina. Amedronta. Fortalece. Fortalece? A minha humanidade e fragilidade ficou clara no momento que cai. Agora tenho consciência que meu corpo não é de ferro, sou carne e ossos. E ossos fraturam. Ossos quebram. Sou nervos. E nervos ... Bom, nervos são sensíveis e fundamentais. Finas redes que conectam tudo e dão movimento. Gente, foi só um pano no chão. Como pode? Pode. E agora, diante da minha fragilidade, temo. Temo a vida e sua imprevisibilidade. Temo meu corpo e sua finitude vulnerável. E cá estou eu, nesse mistério que se revela e me assusta. A vida não se trata de justiça. Ela só acontece. Ela só se faz. Ela corre. Eu, tropeço em um pano no chão.  

domingo, 28 de abril de 2019

Vamos pensar no encaminhamento para o psiquiatra?

É comum falarmos sobre as barreiras, preconceitos e resistências enfrentadas pelos clientes no momento em que eles decidem procurar por psicoterapia. O processo psicoterápico ainda é visto como sinônimo de loucura, fraqueza, desorganização e motivo de vergonha. Geralmente o cliente vem escondido dos amigos e dos familiares. Aos poucos essa primeira impressão vai se diluindo. O cliente já consegue admitir que faz psicoterapia para as outras pessoas sem culpa e vergonha. Sente-se mais livre e auto confiante. 

E então, chega o momento de encaminhar o cliente para a psiquiatria. Cada caso tem sua particularidade e dependendo da demanda do sujeito esse encaminhamento precisa ser realizado com muita cautela e respeito. Pois, com a psiquiatria, também existem barreiras, preconceitos e resistências. Corre o risco do cliente desistir da psicoterapia por temer a indicação para a psiquiatria. Não é todo caso que precisa ser encaminhando, porém em alguns, é essencial que seja.

Juntamente com um cliente que possui grande medo da medicação psiquiátrica, construímos um sentido para a indicação do profissional. O nível de angústia estava altíssimo. A angústia estava insuportável e destrutiva. Nesse momento havia apenas dor e uma dor que não permitia transformação. "Estou afundando. Cada vez mais indo pro fundo. Sinto que não terei mais força pra pegar impulso e subir. Estou cansado. Exausto. E começo a pensar que seja melhor afundar." Havia risco contra sua própria segurança. Aqui, era essencial o apoio psiquiátrico. Existe o medo da internação. Existe o medo do mal profissional. Existe o medo do excesso de medicação. Há escuta de todos os temores e inseguranças, porém, "meu bem, não podemos vacilar. Nesse momento agora você precisa sim, de uma intervenção psiquiátrica. O impulso suicida está forte. E com a morte não há segunda chances. Estamos aqui com você e vamos cuidar disso tudo."


"Qual o sentido da medicação? Vai me ajudar como?"


"A medicação, de uma forma bem aplicada, vai lhe ajudar a não afundar. Imagine que ela será uma boia. A psicoterapia durante um tempo te ajudou a nadar (e as vezes, a psicoterapia ensina o cliente a nadar e a ter coragem de entrar no mar), contudo, nesse momento, você não está mais conseguindo. A medicação servirá como uma boia. Ela não irá lhe tirar da água, mas te ajudará a não afundar. Assim poderemos continuar navegando com menos dificuldades. Até que, você sinta-se forte o suficiente, para continuar sem o suporte da boia. E quem sabe, um dia, não precisará mais que eu lhe acompanhe." 


"Entendi, mas tô com medo."


"Eu sei. Você não está só."

Psicoterapia é sutileza. Psicoterapia é poesia. 

sábado, 27 de abril de 2019

Escrever é um ato de rebeldia contra a solidão. Minha escrita nunca é só. Nela se encravam todas as relações que vivi e delirei. A palavra sempre vem acompanhada de uma história. Palavra é elo. Ligação. Escrevo a procura de encontros. A escrita nunca é solitária.

Cuidar da palavra

Minhas palavras têm afeto. Carregam em si minha história. Minhas palavras são identidade. O que digo, representa carne. Discurso vivo das minhas experimentações. Minhas palavras são o conjunto de minha personalidade. O que falo, sou. Sou o que falo. Falo às vezes sem ser. Sou o que calo. Calo para ser. Palavra revela e  dissimula. Palavra transcende. É nela que reencontro minha ancestralidade e constituo-me como humana. Palavra é vida e morte. Palavra é ponto de partida que lhe encaminha a um ponto de chegada. Na palavra encontro. Na falta procuro palavra e desejo. Na palavra sou esperança.

Confissões

Já me atirei em abismos propositalmente para parir poesia.
Coração sossegado não cria rima.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

O ser humano tem o desejo inato de ser aceito, reconhecido e compreendido. Muitas vezes para alcançarmos essa sensação abrimos mão de nossa espontaneidade, nossa liberdade e verdadeiro ser, para nos encaixarmos naquilo que acreditamos ser o que querem de nós. Por um momento acreditamos que isso é o suficiente e que isso é ser aceito, mas com o tempo percebemos a grande armadilha que criamos para nós. 

Entenda: se você precisa esconder suas verdadeiras vontades e necessidades para ser aceito e conquistar o afeto de outra pessoa, você está enganando a si e ao outro também, pois todo respeito e aceitação que vier dessa forma não serão direcionados para você de fato, mas para a fantasia e a ilusão que criou para conseguir um lugar nessa relação.


Como alguém pode te amar de fato se você tem medo de ser quem é e decide ser outra coisa?

segunda-feira, 22 de abril de 2019

A vida não é medida por merecimentos.

O sujeito contemporâneo padece na negação do inevitável da raça humana, ou seja, que somos finitos, imperfeitos e irrelevantes. Nós não somos especiais. Não somos maiores. Diante da grandeza do mundo temos o mesmo significado que uma formiga. Apenas existimos. Aceitar isso é doloroso. Queremos ser mais. Queremos ser melhores. Repito, a dor do sujeito contemporâneo é não aceitar sua finitude, suas imperfeições e insignificância.

Havia uma torção no caminho.

Não está sendo fácil esse último mês. Cada um sabe as batalhas que trava em si e as vezes, consigo mesmo. Aqui dentro está uma bagunça. Pra completar a confusão de dentro, faz duas semanas que torci o pé (ou fraturei, estamos na investigação). Sinto-me desafiada e testada nesse tempo. Participo de um tipo de análise (terapia) diferente. Chama-se Análise Corporal da relação e, basicamente, é uma modalidade terapêutica corporal realizada em grupo e que ocorre durante quatro noites de dois em dois meses. A ACR (Análise Corporal da Relação) tem como base teórica e prática a Psicomotricidade Relacional. Através do brincar e decodificações simbólicas vamos (re)descobrindo nosso corpo e (re)construindo nossa história. É um processo intenso e profundo. Precisaria de vários textos pra comentar sobre esse trabalho. Enfim, através da ACR (re)visito minha infância, minha adolescência, meus afetos, minhas faltas, meus desejos e a adultez. Nesse processo estou (re)encontrando minhas figuras paterna e materna. 

Em Psicomotricidade Relacional trabalhamos com 5 verbos fundamentais na comunicação e relação humana: DAR - RECEBER - PEDIR - PEGAR - REJEITAR. A forma como manejamos esses 5 verbos em nossas vidas relacionais fala sobre equilíbrio e saúde mental. Não há verbo melhor que o outro. Todos são essenciais. No encontro de fevereiro na ACR percebi algo sútil. Notei que tenho dificuldade em pedir. Observei que em alguns momentos perco oportunidades, pois tenho medo de pedir e que, as vezes, não consigo deixar claro para o outro o meu desejo, pois não peço. Porém, outras coisas aconteceram durante a ACR e esse conteúdo ficou no fundo, enquanto as outras demandas viraram figuras. Ok! 

Muita gente não sabe, pois eu estava sem paciência de explicar e falar sobre o assunto, mas torci o pé no encontro da ACR nesse mês agora, abril. Torci logo no começo do encontro, na segunda-feira. Com a torção me deparei com muitos conteúdos: Fragilidade, vulnerabilidade, medo, solidão, independência, cuidado e adivinhem, o verbo PEDIR. Nossa, como estou nesse momento da minha vida precisando encarar a necessidade e importância de pedir e além do mais, RECEBER. Está sendo uma verdadeira batalha. Não peço para não ser rejeitada. Não peço com medo de ofender o outro. Não peço, pois temo minha fragilidade. Não peço, pois receio me decepcionar.

Somos seres de relação. É a relação que garante no início da vida a sobrevivência. Um bebê não existe só. Ao passar dos anos as relações contribuem para um desenvolvimento saudável ou não. São as relações que nos permitem crescer. O inferno são os outros, como disse Sartre. Eu acrescento que o paraíso também são os outros. Cada relação tem em si um pedaço do inferno e do paraíso. Pedir e receber faz parte do encontro e colaboram com a boa manutenção da existência. Negar pedir e receber é isolar-se e afastar o outro. É evitação de sofrimento que te empurra para outra dor. Abrir espaço para o outro é permitir pedir e receber o outro com o que ele pode dar. É difícil. Estou aprendendo. 

Com a torção estou aprendendo a parar, respirar, focar no meu movimento, ter paciência e esperar o processo de cura do meu corpo, acreditar na minha força, desafiar minhas habilidades, receber ajudar, pedir ajuda, cuidar de mim, ter outra perspectiva sobre as coisas e notar condições de acessibilidade nos ambientes. Ainda não sei quanto tempo vou precisar ficar de repouso. Um repouso que me obriga a parar quando eu quero movimento. Essa torção atravessou meus planos. Ela veio sem pedir permissão. Essa torção é intrusa na minha ilusão de controle. Só me basta aprender com ela. Esperar. Perseverar. E espero, de coração, que na próxima ACR esteja mais atenta por onde piso. Na verdade, espero que agora, eu fique mais atenta aonde piso e como piso nos caminhos que trilho pela vida.

Feliz aniversário!


Reencontro

Ouvi de ti sobre minha primeira infância. Precisava entender minha origem. Enquanto falava do meu início senti que era pequena mais uma vez. Meu coração acelerava. A garganta apertada e o choro se formava por detrás do olhos. Estava ali, tão frágil e, tentava, enquanto adulta que sou, acolher a infância que transbordava em mim. Então, de repente, me vi em teu colo. Meus olhos sentiram e deslumbraram a possível tristeza que foi ter vivenciado a despedida e a chegada. A solidão de ter encarado a maternidade sem par. Eu me vi ali, em teus braços, e percebi que na sua força havia tanto sofrimento. Naquele momento entendi que foi difícil estar sendo berço para mim quando seu coração pedia acalanto. Enquanto te ouvia, pude entender a dor e aceitar as faltas. Não havia culpados. Às vezes, simplesmente, a linha da vida se enrola e forma nós que não podem ser desatados. Não há culpados. Que haja paz entre nós. Obrigada por ter ficado, mãe.
Eu não sei quando foi que comecei a gostar de escrever. Não sei quando foi que surgiu em mim a vontade por poesia. Eu acho que meu prazer por escrever veio do silêncio. Da percepção que nem toda palavra é bem vinda e que nem todo dito é compreendido e acolhido. Acho que surgiu daí a minha ânsia pela escrita. A poesia veio como consequência. A poesia é o esconderijo que me revela. Escrevo para libertar meus silêncios, meus mal-ditos. A poesia é possibilidade de comunicação afetiva. Na poesia eu posso brincar e fingir que sou, sem ser e não ser, quando sou. Lembro que adorava, quando pequena, a atmosfera do mistério. Gostava de ficar só imaginando, pensando, escrevendo histórias, roteiros, e sentimentos. Criava personagens e fingia outras vidas. Sempre tive diário e para escrever nele não podia ser de qualquer jeito. Tinha que ser especial. Tinha que ser verdadeiro, mesmo quando era mentira. Ah, meus diários. Guardo alguns até hoje. Tenho um caderno que possuo desde os 13 anos. Lá, tem tanta coisa guardada. Tanta lembrança. Tanta poesia. E tanto silêncio.

sábado, 9 de março de 2019

Crescer implica em afastar-se do corpo do outro. O crescimento traz consigo a capacidade de manter-se a distância. Na medida que cresce, o indivíduo, amplia suas possibilidades de existir longe do corpo do outro. No momento do nascimento a criança anuncia: "Parto!". E assim, segue em constante partida. Na pele permanece a memória do estar junto e, a cada passo adiante no crescimento, carrega a falta primária do toque. O que seria de nós se não houvesse o abraço?

Sim, crescer implica em afastar-se do corpo do outro.
O ansioso teme o sofrimento.
Sente-se inseguro.
Ele deseja prever.
Ele quer controlar.
Então antecipa, fantasia, previne-se.
O ansioso é um grande imagina(dor).
O que lhe falta é confiança em si.

Psicoterapia é um processo de humanização e sensibilização.

É comum que o cliente chegue ao consultório com vergonha dos seus sentimentos. Fala de si como fracassado por sentir tristeza, medo, raiva, inveja, insegurança, receio, ansiedade e etc. Acredita que mantendo-se distante de seus sentimentos será mais forte.

Começo a pensar que a psicoterapia é um processo de humanização e sensibilização. Humanizar e sensibilizar o cliente significa contribuir que o mesmo olhe pra si como humano, e isso implica que ele sente uma variedade imensa de emoções. É ajudá-lo a se confrontar com suas faltas e perceber que a inveja tem uma função esclarecedora sobre seus desejos e sonhos. Compreender que a raiva e o orgulho refletem autocuidado em algumas situações e previnem novas decepções. A ansiedade e o medo lhe deixam em alerta. Que o futuro assusta e faz parte do caminhar receios e inseguranças.

Ser humano é ser sentir. O que noto hoje é que parece que estamos com medo de sentir e a cada afeto julgado negativo que floresce nos inundamos com a culpa e haja autodepreciamento. Perdemos de vista o que aquele sentimento tem para nos comunicar e remoemos a sensação de inadequação. O cliente chega confuso, perdido e desorientado, pois negligencia suas emoções. Nossos afetos são norteadores. Eles nos sinalizam os efeitos que as situações vividas geram em nós. São nossas emoções que nos revelam sobre o casamento, o namoro, o trabalho, a graduação, a família, os amigos e tudo o mais em nossa história.

Nossa cultura objetifica e mecaniza o sujeito. Não somos máquinas. Somos feitos de carne. Pulsamos! A psicoterapia é um processo desafiador, pois nos coloca diante de nossa humanidade. Todo sentimento é legítimo, genuíno e digno. Aceite-o. Aprenda sobre si estando atento ao que te provoca. Não há nada de errado na tristeza, no nojo, na raiva, na inveja, no orgulho, na avareza, na ambição e etc. O que há para ser avaliado não é o sentimento, mas a forma como cada um decide se comportar diante deles. A emoção é pura. Sinta! 

Andreza Crispim 
Psicologia Clínica CRP 02/17314 
Psicomotricidade Relacional

Quando chegar é só bater na porta que lhe recebo.

No meu consultório não há campainha, ou seja, o cliente precisa bater na porta quando chega. No início pensava em providenciar uma, mas hoje, é algo que adoro e não tenho intenção de mudar. Percebi que cada cliente tem uma batida diferente e nesse bater já escuto muito do que ele tem a me dizer. Tem aquele que bate tão devagar que preciso estar atenta para ouvi-lo chegar. É uma batida singela, delicada e tímida. Já tem aquele que quando bate levo um susto, pois é forte, firme e brusca. Há aquela que bate e já vai tentando abrir a porta, por mais que saiba que deixo a mesma fechada com chave. Tem os que brincam com a batida e lançam uma música (às vezes chegam sem brincadeiras). Há os que chegam tão cedo que nem batem na porta, esperam na frente para quando o cliente anterior sair.

Adoro esperar o próximo toque. No bater da porta já me sinto em relação com a pessoa que chega. Há quem dê apenas uma batida, há quem dê mais de uma. Tem quem bata com a mão aberta, outros com a mão fechada e aqueles que só tocam as pontas dos dedos (Sim! Dá pra notar as diferenças). Existe o toque ansioso que anuncia urgência. Há o inseguro que pede cautela. A Psicomotricidade relacional me ensinou que o corpo tem discurso próprio e a linguagem corporal é a forma de comunicação mais primitiva do ser humano. O gesto se transforma em palavra. A motricidade é a primeira manifestação de vida que temos. É através dela que inicialmente procuramos entrar em relação e nos comunicar com o mundo. O corpo reflete a vida psíquica do sujeito.

Abrir a porta depois do toque e estar ali, cara a cara, e receber o impacto da chegada. Adoro receber cada um na porta e notar qual o impacto que essa pessoa causa em mim? Psicologia, e em especial, psicologia clínica diz respeito aos detalhes. Estamos o tempo todo dando indícios de nós mesmos em cada gesto e atitude. Por mais que estejamos perdidos ou até negligenciando nosso eu, não conseguimos escapar de nossa essência e de nossa verdade. Ela escorre e transborda no olhar, na roupa, no arrumar do cabelo, no toque, no tom da voz, no bater da porta, no cheiro, na forma de andar e etc. Não escapamos nunca de quem somos. 

Somos, indiscutivelmente, seres que se constituem em relação. Vitor da Fonseca anuncia "A sociedade é para o homem uma necessidade orgânica". Desde a nossa concepção que estamos em relação e ela será a base da nossa subjetividade e vida psíquica. A presença humana ressoa diante de outra pessoa humana. Cada sujeito que chega até nós causa um efeito interno. Não há como sair ileso de um encontro entre seres humanos. Sempre seremos tocados. Em psicoterapia, busco ficar atenta em como aquela presença humana ressoa dentro de mim. De que maneira esse cliente me impacta? Como me sinto diante desse indivíduo? É assim que posso trocar autenticamente com ele. Somente quando me conecto com minha humanidade é que posso alcançar e compreender a humanidade do outro. É difícil não se perder e aprender a filtrar, mas gosto de acreditar na honestidade dos afetos. Psicoterapia não é uma relação linear. Gosto de pensar que estamos em diálogo. Construímos juntos o processo. Participo ativamente, afinal de contas, estou ali, presente. Assim, como o cliente que está diante de mim, sou um sujeito humano com necessidades e desejos. Cuidar da minha subjetividade é zelar pelo processo terapêutico de quem me procura. Fico curiosa pensando: Como será que é minha batida na porta? Infelizmente, no consultório da minha psicóloga tem campainha. Mas como disse anteriormente, não escapamos nunca de quem somos e estamos o tempo todos mostrando para o mundo nosso eu. Ela, volta e meia, brinca comigo e diz: "Eu escuto você chegar já quando vem subindo as escadas e suas respiração forte na porta."Às vezes, chego sem alarde. E é nesse encontro entre duas subjetividades diferentes que se constitui o processo terapêutico.  

Andreza Crispim
Psicologia Clínica CRP 02/17314
Psicomotricidade Relacional


domingo, 13 de janeiro de 2019

Hidratante para as mãos.

Começo a pensar em usar hidratante para as mãos. Quem diria que um dia começaria a pensar em usar hidratante para as mãos? Era manhã. Acabará de acordar. Quando, despretensiosamente, deslizei uma mão sobre a outra, percebi o tempo. O anúncio da velhice. Minhas mãos estavam levemente ásperas. Senti seus contornos bem delimitados. Fiquei ali, um tempo, sem reconhecer o toque das mãos que eram minhas. Não era mais as mãos da infância, suaves e escorregadias. Havia um peso, uma história, podia sentir. Fiquei com medo. Tive a sensação de que um dia poderia acordar e não reconhecer as mãos que tocavam. Ali, já me eram estranhas. Eram as mãos de uma mulher e não mais de uma menina. Seria assim meu toque de agora em diante? Adiante, é assim que se segue? Diante de quem estou? O tempo, ele sorrir pra mim. Abri os olhos e investiguei minha pele. Ah, surgem marcas fortes. Em minha mão corre um rio nas demarcações que nascem. É quase como se um mapa se desenhasse sob minha pele. Isso são rugas? É assim que se chamam esses traços? Não sei. Certa vez ouvi que começamos a envelhecer pelas mãos e começo a pensar que seja verdade. Juro, neste dia, minhas mãos amanheceram mais velhas. Foi de repente. Sem aviso. Somente dormi e acordei com mãos de alguém que já percorreu um caminho considerável. De lá pra cá, antes de acordar em definitivo, gosto de verificar como elas estão. Fico um tempo acariciando meus dedos e sentindo a sútil, mas marcante, presença do tempo na palma da mão. Ali, toda manhã, procuro reconhecer (aceitar?) que mãos são aquelas. Começo a pensar em usar hidratantes para as mãos. Não sei, talvez funcione. Talvez resolva. Talvez esconda.
No meu peito se encerram todas as palavras que não puderam ser ditas.
Poder!
Em mim faltou a coragem de falar meu afetos.
Calei tanto amor.
Silenciei tanta dor.
Em mim só há psiu!
Parece que todo mundo guarda dentro de si retalhos de um eu que se perdeu em algum lugar no tempo. A história vai passando e vamos seguindo. Não há outro percurso. Só há o seguir. E de repente, acordamos e estranhamos aonde estamos, como estamos e quem somos. Floresce a saudade. Ressurge a falta. Há uma necessidade de renascer. Reviver quem sabe um pedaço daquele eu, lá de trás. Aquele eu que está ali reservado pela idealização das lembranças. Revisitamos as falhas. Há falhas? Todos nós, parece, têm saudade de um eu de outra época. E, ilusoriamente, buscamos vivê-lo em algum momento. Quase como um sonho. Uma fantasia. Por um dia ou por uma noite, ou talvez algumas pequenas horas, entregamos-nos ao antigo personagem que nos servia e sentimos que ali há um reencontro. Depois, pouco a pouco, acordamos e vemos que foi apenas uma brecha que hoje não se encaixa mais. Porém, é um delírio válido que te escapa da rotina de ser quem é no momento que se está.


Quantos eus existem em mim com saudade de ser?

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...