quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Psicoterapia é espaço para falar os silêncios. De expor, o que geralmente, decidimos calar, evitar, guardar, esconder e dissimular.

A psicoterapia é espaço de calar o discurso comun que usamos no nosso cotidiano para administrar os afetos e as relações. Descobrir outras maneiras de expressar nossas emoções e perceber o que fica encoberto pelo receio de sofrer.  

Psicoterapia é lugar de enfrentamento. Encarar a nós mesmos. E acolher, sim acolher, sobretudo acolher, nossos infortúnios, nossas fragilidades e vulnerabilidades.

Sobre política, fronteira de contato e identidade. Sobre o direito de existir.


Somos indivíduos únicos e singulares. Somos a soma de nossas experiências de vida e a maneira como percebemos e lidamos com esses eventos. Quando falamos de subjetividades não falamos em igualdades, falamos em semelhanças, e na semelhança incluímos, inevitavelmente, a diferença. Então, é a diversidade de nossas personalidades que nos define. É, graças as diferenças, que construímos nossas particularidades. Sem a diferenciação não haveria a identificação. Pois, na igualdade não há identidade.

A diferença é o que constitui o ser como único, e sendo único, ele procura aspectos no mundo aos quais se identifique. Ele procura por semelhanças, e as semelhanças une os sujeitos, atraem as pessoas. Como seres únicos, evitamos as diferenças, a diversidade nos assusta e tendemos a evitá-la, rejeitá-la. Dentro de nossa fronteira de contato, buscamos manter aquilo que consideramos como ponto de identificação e expulsamos os pontos de distinção. “Assim, dentro da fronteira do ego existe geralmente coesão, amor, cooperação; fora da fronteira existe suspeita, estranheza e não-familiaridade.” (PERLS, Frederick S., 1997, p.23).

Quando o sujeito sente sua identidade ameaçada pelas diferenças, ele pode escolher (de forma básica e geral) por dois caminhos, o primeiro é avaliar, refletir e questionar para integrar/assimilar novas possibilidades de ser. O segundo é evitar, expulsar, rejeitar ou até mesmo destruir aquilo que lhe ameaça. A primeira provoca uma ampliação do ser e a identidade se modifica, pois adquire novas características. É um processo difícil e necessita esforço e períodos de adaptação que perturba a “tranquilidade” do Eu. O segundo, cria um estado de tensão e desperta a sensação de perseguição, paranoia e o enrijecimento da identidade para proteger-se do que considera ser uma violência.

“Só aquilo que é capaz de perturbar meu Eu corporal é que me provoca.” (LAPIERRE, André e AUCOUTURIER, Bernard, 1985. p.20). Ou seja “(…) nós só amamos e odiamos a nós mesmos” (PERLS, Frederick S., 1977, p.26). Tememos algumas diferenças, pois a percebemos como possibilidades de Ser. Somos afetados pelas diferenças apenas quando elas repercutem de alguma forma em nossa identidade. Assim, rejeitamos ideias fascistas, pois consideramos que elas ferirão algo que amamos. Aceitamos ideias fascistas, pois sentimo-nos ameaçados por outras posições políticas/ideológicas e acreditamos, que aquelas, protegerão valores preciosos para nós. Tememos que, aquilo que consideramos diferente e perigoso, afete nossa vida, nossa família, amigos e desestabilize a base onde constituímos nossa personalidade.

Alguns, para defender aquilo que consideram precioso, lançam mão e sentem-se legitimados a serem violentos. Perde-se de vista a empatia, pois o outro se torna só diferença, e se não há nada nele que seja semelhante a mim, não questiono feri-lo. “Cada um tem do outro uma ideia falsa. (…) Já o sentimento hereditário de ser alguém superior, com pretensões superiores, torna a pessoa fria e deixa a consciência tranquila: nada percebemos de injusto, quando a diferença entre nós e outro ser é muito grande, e matamos um mosquito, por exemplo, sem qualquer remorso.” (NIETZSCHE, Friedrich. 2012, p.62-63). Não percebemos que num mesmo ponto, existem semelhanças e diferenças. Ninguém é de todo diferente e ninguém é de todo semelhante. O que odiamos no outro é apenas alguns aspectos e não ele todo. Assim, como o que amamos no outro não é sua totalidade. Em todos nós existem diferenças que nos afastam e semelhanças que nos unem. Desejar extinguir as diferenças é assassinar o direito universal de construção de identidade. Extinguir as diferenças é exterminar possibilidades de crescimento e de Ser. Repito: “Quando falamos de subjetividades não falamos em igualdades, falamos em semelhanças, e na semelhança incluímos, inevitavelmente, a diferença. Então, é a diversidade de nossas personalidades que nos define. É, graças as diferenças, que construímos nossas particularidades. Sem a diferenciação não haveria a identificação. Pois, na igualdade não há identidade.”.

E, cada lado, luta pelo direito de existir e manter sua identidade.

Andreza Crispim
Psicologia Clínica CRP 02/17314
Psicomotricidade Relacional
@psicoterapiafalemais

Referências bibliográficas:

LAPIERRE, Andre e AUCOUTURIER, Bernad. Os contrastes e a descoberta das noções fundamentais. 2° ed. São Paulo, Editora Manole, 1985.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia das letras, 2005.

PERLS, Frederick Solomon. Gestalt-terapia explicada. 2. ed. São Paulo, Summus, 1977.


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