domingo, 28 de abril de 2019

Vamos pensar no encaminhamento para o psiquiatra?

É comum falarmos sobre as barreiras, preconceitos e resistências enfrentadas pelos clientes no momento em que eles decidem procurar por psicoterapia. O processo psicoterápico ainda é visto como sinônimo de loucura, fraqueza, desorganização e motivo de vergonha. Geralmente o cliente vem escondido dos amigos e dos familiares. Aos poucos essa primeira impressão vai se diluindo. O cliente já consegue admitir que faz psicoterapia para as outras pessoas sem culpa e vergonha. Sente-se mais livre e auto confiante. 

E então, chega o momento de encaminhar o cliente para a psiquiatria. Cada caso tem sua particularidade e dependendo da demanda do sujeito esse encaminhamento precisa ser realizado com muita cautela e respeito. Pois, com a psiquiatria, também existem barreiras, preconceitos e resistências. Corre o risco do cliente desistir da psicoterapia por temer a indicação para a psiquiatria. Não é todo caso que precisa ser encaminhando, porém em alguns, é essencial que seja.

Juntamente com um cliente que possui grande medo da medicação psiquiátrica, construímos um sentido para a indicação do profissional. O nível de angústia estava altíssimo. A angústia estava insuportável e destrutiva. Nesse momento havia apenas dor e uma dor que não permitia transformação. "Estou afundando. Cada vez mais indo pro fundo. Sinto que não terei mais força pra pegar impulso e subir. Estou cansado. Exausto. E começo a pensar que seja melhor afundar." Havia risco contra sua própria segurança. Aqui, era essencial o apoio psiquiátrico. Existe o medo da internação. Existe o medo do mal profissional. Existe o medo do excesso de medicação. Há escuta de todos os temores e inseguranças, porém, "meu bem, não podemos vacilar. Nesse momento agora você precisa sim, de uma intervenção psiquiátrica. O impulso suicida está forte. E com a morte não há segunda chances. Estamos aqui com você e vamos cuidar disso tudo."


"Qual o sentido da medicação? Vai me ajudar como?"


"A medicação, de uma forma bem aplicada, vai lhe ajudar a não afundar. Imagine que ela será uma boia. A psicoterapia durante um tempo te ajudou a nadar (e as vezes, a psicoterapia ensina o cliente a nadar e a ter coragem de entrar no mar), contudo, nesse momento, você não está mais conseguindo. A medicação servirá como uma boia. Ela não irá lhe tirar da água, mas te ajudará a não afundar. Assim poderemos continuar navegando com menos dificuldades. Até que, você sinta-se forte o suficiente, para continuar sem o suporte da boia. E quem sabe, um dia, não precisará mais que eu lhe acompanhe." 


"Entendi, mas tô com medo."


"Eu sei. Você não está só."

Psicoterapia é sutileza. Psicoterapia é poesia. 

sábado, 27 de abril de 2019

Escrever é um ato de rebeldia contra a solidão. Minha escrita nunca é só. Nela se encravam todas as relações que vivi e delirei. A palavra sempre vem acompanhada de uma história. Palavra é elo. Ligação. Escrevo a procura de encontros. A escrita nunca é solitária.

Cuidar da palavra

Minhas palavras têm afeto. Carregam em si minha história. Minhas palavras são identidade. O que digo, representa carne. Discurso vivo das minhas experimentações. Minhas palavras são o conjunto de minha personalidade. O que falo, sou. Sou o que falo. Falo às vezes sem ser. Sou o que calo. Calo para ser. Palavra revela e  dissimula. Palavra transcende. É nela que reencontro minha ancestralidade e constituo-me como humana. Palavra é vida e morte. Palavra é ponto de partida que lhe encaminha a um ponto de chegada. Na palavra encontro. Na falta procuro palavra e desejo. Na palavra sou esperança.

Confissões

Já me atirei em abismos propositalmente para parir poesia.
Coração sossegado não cria rima.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

O ser humano tem o desejo inato de ser aceito, reconhecido e compreendido. Muitas vezes para alcançarmos essa sensação abrimos mão de nossa espontaneidade, nossa liberdade e verdadeiro ser, para nos encaixarmos naquilo que acreditamos ser o que querem de nós. Por um momento acreditamos que isso é o suficiente e que isso é ser aceito, mas com o tempo percebemos a grande armadilha que criamos para nós. 

Entenda: se você precisa esconder suas verdadeiras vontades e necessidades para ser aceito e conquistar o afeto de outra pessoa, você está enganando a si e ao outro também, pois todo respeito e aceitação que vier dessa forma não serão direcionados para você de fato, mas para a fantasia e a ilusão que criou para conseguir um lugar nessa relação.


Como alguém pode te amar de fato se você tem medo de ser quem é e decide ser outra coisa?

segunda-feira, 22 de abril de 2019

A vida não é medida por merecimentos.

O sujeito contemporâneo padece na negação do inevitável da raça humana, ou seja, que somos finitos, imperfeitos e irrelevantes. Nós não somos especiais. Não somos maiores. Diante da grandeza do mundo temos o mesmo significado que uma formiga. Apenas existimos. Aceitar isso é doloroso. Queremos ser mais. Queremos ser melhores. Repito, a dor do sujeito contemporâneo é não aceitar sua finitude, suas imperfeições e insignificância.

Havia uma torção no caminho.

Não está sendo fácil esse último mês. Cada um sabe as batalhas que trava em si e as vezes, consigo mesmo. Aqui dentro está uma bagunça. Pra completar a confusão de dentro, faz duas semanas que torci o pé (ou fraturei, estamos na investigação). Sinto-me desafiada e testada nesse tempo. Participo de um tipo de análise (terapia) diferente. Chama-se Análise Corporal da relação e, basicamente, é uma modalidade terapêutica corporal realizada em grupo e que ocorre durante quatro noites de dois em dois meses. A ACR (Análise Corporal da Relação) tem como base teórica e prática a Psicomotricidade Relacional. Através do brincar e decodificações simbólicas vamos (re)descobrindo nosso corpo e (re)construindo nossa história. É um processo intenso e profundo. Precisaria de vários textos pra comentar sobre esse trabalho. Enfim, através da ACR (re)visito minha infância, minha adolescência, meus afetos, minhas faltas, meus desejos e a adultez. Nesse processo estou (re)encontrando minhas figuras paterna e materna. 

Em Psicomotricidade Relacional trabalhamos com 5 verbos fundamentais na comunicação e relação humana: DAR - RECEBER - PEDIR - PEGAR - REJEITAR. A forma como manejamos esses 5 verbos em nossas vidas relacionais fala sobre equilíbrio e saúde mental. Não há verbo melhor que o outro. Todos são essenciais. No encontro de fevereiro na ACR percebi algo sútil. Notei que tenho dificuldade em pedir. Observei que em alguns momentos perco oportunidades, pois tenho medo de pedir e que, as vezes, não consigo deixar claro para o outro o meu desejo, pois não peço. Porém, outras coisas aconteceram durante a ACR e esse conteúdo ficou no fundo, enquanto as outras demandas viraram figuras. Ok! 

Muita gente não sabe, pois eu estava sem paciência de explicar e falar sobre o assunto, mas torci o pé no encontro da ACR nesse mês agora, abril. Torci logo no começo do encontro, na segunda-feira. Com a torção me deparei com muitos conteúdos: Fragilidade, vulnerabilidade, medo, solidão, independência, cuidado e adivinhem, o verbo PEDIR. Nossa, como estou nesse momento da minha vida precisando encarar a necessidade e importância de pedir e além do mais, RECEBER. Está sendo uma verdadeira batalha. Não peço para não ser rejeitada. Não peço com medo de ofender o outro. Não peço, pois temo minha fragilidade. Não peço, pois receio me decepcionar.

Somos seres de relação. É a relação que garante no início da vida a sobrevivência. Um bebê não existe só. Ao passar dos anos as relações contribuem para um desenvolvimento saudável ou não. São as relações que nos permitem crescer. O inferno são os outros, como disse Sartre. Eu acrescento que o paraíso também são os outros. Cada relação tem em si um pedaço do inferno e do paraíso. Pedir e receber faz parte do encontro e colaboram com a boa manutenção da existência. Negar pedir e receber é isolar-se e afastar o outro. É evitação de sofrimento que te empurra para outra dor. Abrir espaço para o outro é permitir pedir e receber o outro com o que ele pode dar. É difícil. Estou aprendendo. 

Com a torção estou aprendendo a parar, respirar, focar no meu movimento, ter paciência e esperar o processo de cura do meu corpo, acreditar na minha força, desafiar minhas habilidades, receber ajudar, pedir ajuda, cuidar de mim, ter outra perspectiva sobre as coisas e notar condições de acessibilidade nos ambientes. Ainda não sei quanto tempo vou precisar ficar de repouso. Um repouso que me obriga a parar quando eu quero movimento. Essa torção atravessou meus planos. Ela veio sem pedir permissão. Essa torção é intrusa na minha ilusão de controle. Só me basta aprender com ela. Esperar. Perseverar. E espero, de coração, que na próxima ACR esteja mais atenta por onde piso. Na verdade, espero que agora, eu fique mais atenta aonde piso e como piso nos caminhos que trilho pela vida.

Feliz aniversário!


Reencontro

Ouvi de ti sobre minha primeira infância. Precisava entender minha origem. Enquanto falava do meu início senti que era pequena mais uma vez. Meu coração acelerava. A garganta apertada e o choro se formava por detrás do olhos. Estava ali, tão frágil e, tentava, enquanto adulta que sou, acolher a infância que transbordava em mim. Então, de repente, me vi em teu colo. Meus olhos sentiram e deslumbraram a possível tristeza que foi ter vivenciado a despedida e a chegada. A solidão de ter encarado a maternidade sem par. Eu me vi ali, em teus braços, e percebi que na sua força havia tanto sofrimento. Naquele momento entendi que foi difícil estar sendo berço para mim quando seu coração pedia acalanto. Enquanto te ouvia, pude entender a dor e aceitar as faltas. Não havia culpados. Às vezes, simplesmente, a linha da vida se enrola e forma nós que não podem ser desatados. Não há culpados. Que haja paz entre nós. Obrigada por ter ficado, mãe.
Eu não sei quando foi que comecei a gostar de escrever. Não sei quando foi que surgiu em mim a vontade por poesia. Eu acho que meu prazer por escrever veio do silêncio. Da percepção que nem toda palavra é bem vinda e que nem todo dito é compreendido e acolhido. Acho que surgiu daí a minha ânsia pela escrita. A poesia veio como consequência. A poesia é o esconderijo que me revela. Escrevo para libertar meus silêncios, meus mal-ditos. A poesia é possibilidade de comunicação afetiva. Na poesia eu posso brincar e fingir que sou, sem ser e não ser, quando sou. Lembro que adorava, quando pequena, a atmosfera do mistério. Gostava de ficar só imaginando, pensando, escrevendo histórias, roteiros, e sentimentos. Criava personagens e fingia outras vidas. Sempre tive diário e para escrever nele não podia ser de qualquer jeito. Tinha que ser especial. Tinha que ser verdadeiro, mesmo quando era mentira. Ah, meus diários. Guardo alguns até hoje. Tenho um caderno que possuo desde os 13 anos. Lá, tem tanta coisa guardada. Tanta lembrança. Tanta poesia. E tanto silêncio.

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...