segunda-feira, 7 de julho de 2014

Aplicar ou não aplicar, eis a questão: Sobre o uso de técnicas na psicologia.

Um dos pontos mais debatidos na psicologia atualmente é a tecnização dos profissionais da área. Discute-se o quanto a utilização de recursos técnicos pode ser favorável ou desfavorável ao processo. Já refleti, em outro momento, aqui no blog sobre esse assunto (Link - http://andrezacrispim.blogspot.com.br/2012/08/fora-de-visao-enxergar-alem-do-que-os.html), agora, quero pensá-lo através da poesia de Manoel de Barros e da teoria da Gestalt-terapia.

Para começar quero utilizar a seguinte frase de Manoel: "Tudo que não invento é falso". A Gestalt-terapia prioriza no encontro terapêutico a relação que surge entre psicoterapeuta e cliente, mas muito mais do quê isso, ela discute a essencialidade do humano voltar-se para o aqui e agora, afirmando que não há outra possibilidade de existência fora desse espaço e tempo. O homem deve deixar guiar-se por aquilo que a situação lhe desperta, minimizando preconceitos enrijecidos e descontextualizados. Deixar-se guiar pela situação é permitir a espontaneidade de sua própria ação e de seu modo de perceber as coisas e a si mesmo. É procurar estabelecer um acordo entre suas necessidades internas e as exigências externas. O sujeito precisa inventar a sua própria atitude para que ela seja criação genuína de seu ser e não apenas reproduzir conceitos ditos como mais coerentes que não emanaram de uma inquietação singular. A invenção não exige que seja algo nunca visto, mas que seja produto criativo do próprio indivíduo para si mesmo. "Tudo que não invento é falso", pois não surgiu de um movimento pessoal para a tentativa de compreender ou lidar com algo. 

"Todo conhecimento teórico em psicoterapia só tem sentido se usado a serviço do cliente." (Pinto, Ênio Brito, p. 70). O psicoterapeuta precisa estar em pleno contato com a expressão e modo de ser singular de seu cliente para utilizar ferramentas que sejam úteis a esse. Para isso, criará dentro do contexto relacional e situacional do encontro terapêutico meios de intervenções que estejam interligados aos preceitos teóricos e à particularidade do cliente. A técnica não pode ser utilizada com algo inflexível e enxertado na relação, pois dessa forma o terapeuta perde de vista o que há de mais importante, que é a unicidade do ser e o modo como percebe o sujeito. Lembro das aulas sobre técnicas e dinâmicas de grupo que os professores sempre repetiam e nos pediam para lê-las e tentar dar um novo tom a elas, que jamais as usássemos como estavam no livro puramente. Para que a técnica corresse bem era necessário dá um toque pessoal que fosse condizente com as nossas condições de manejo e a situação a ser empregada. Os professores nos pediam para sermos inventores, para sermos criativos. 

"Invento para me conhecer", outra poesia de Manoel que recorro para falar do quanto para nós psicólogos é importante reconhecer o seu modo particular de intervir e trabalhar. Para sermos bons profissionais não precisamos ser Freud ou Jung, muito menos Perls ou Rogers, basta ser apenas nós mesmos. Eu sei que isso não é fácil, mas é o que é. Assim, "Um processo terapêutico começa pela possibilidade de que o terapeuta interaja com seu cliente e valorize a pessoa singular que ele é, com sua história singular, com seu momento singular, com suas dores singulares." (Pinto, Ênio Brito, p. 70) e que se reconheça da mesma forma. 

Ressalto aqui que é fundamental o estudo e o conhecimento sobre as teorias psicológicas e as técnicas que compõe nossa ciência. Recordo que li em algum lugar (não lembro onde) que o estudo teórico surgia para ficarmos mais inocentes na escuta do cliente. Isso quer dizer que quanto mais eu domino a teoria, mais amplio o meu campo de compreensão. Torno-me mais suscetível à experiência do próximo. No entanto, esse conhecimento não pode estar no foco da relação. Ele precisa transformar-se em tecido, órgão, sangue. Não pode ser mero acúmulo, na verdade é necessário que todo conhecimento seja transformado em nada, para que se crie espaço de criação e novidade. Como diria o poeta, "Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.". Também nas palavras dele,

"O que não sei fazer desmancho em frases.

Eu fiz o nada aparecer.

(Represente que o homem é um poço escuro.
Aqui de cima não se vê nada.
Mas, quando se chega ao fundo do poço já se pode ver o nada.)

Perder o nada é um empobrecimento."

Penso aqui em uma poesia de Manoel que pode demonstrar um pouco como o instrumental técnico pode desfavorecer o processo se for mal utilizado:

"O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa era a imagem de um vidro mole. 
Passou um homem e disse: Essa volta que o rio faz se chama enseada. 
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada. 
Acho que o nome empobreceu a imagem." 

Nesse ponto reflito no cuidado que necessitamos ter para não empobrecer a experiência pessoal do cliente quando os engessamos em teorias e técnicas. Cada cliente percebe o rio que cobre a sua casa de uma forma e nós precisamos compreendê-los, independente da nossa forma de perceber esse rio. Eu, por exemplo, não tenho rio algum rodeando a minha casa, na verdade, moro em apartamento. 


Foto:  https://www.facebook.com/jonasaraujofotografia?fref=ts

- Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições (Manoel de Barros).

 * Ênio Brito Pinto. Psicoterapia de curta duração na abordagem gestáltica.
Manoel de Barros. Poesia Completa.


sábado, 5 de julho de 2014

Prece.


Que Deus perdoe as bondades
que faço todo dia sem querer o bem.










Foto: https://www.facebook.com/fotografiacayoce/timeline.

terça-feira, 1 de julho de 2014


Ah passarinho, se tu soubesse o bem que me faz teu canto
jamais pararia de cantar. 
Ao te ouvir, passarinho, sinto o peito aliviar.
O canto mudo que existe em mim, ao te escutar, começa a soprar
todas as melodias que calei por medo do desafino.

Sabe passarinho, tenho medo do bem que me faz.
Por ter medo dou um passo atrás.
Não me acostumei a cantorias.

Por te adorar, passarinho, fico de longe te ouvindo a espreita.
Não te aperreias, não vou te machucar, passarinho.
Fiz do meu coração floresta. 

Passageira.

Tenho uma saudade em mim que jamais pensei em ter. Sinto falta de abrir o peito sem receios, sem medo.Tudo está uma confusão. Eu estou uma confusão. Meu peito se mergulha e a cabeça não se aquieta nas ideias. Nunca senti tanta falta de falar o indizível e ser compreendida na minha incompreensão. Sinto falta de compartilhar. Palavras se acumulam na garganta. Estou cansada do silêncio, esse silêncio imposto pela ausência. Sinto todas as dores, e ao mesmo tempo, estou anestesiada. Assombro-me com a imensidão do por vir. Não sei se consigo realizar a mim mesma enquanto há tempo para ser. Estou caindo. Estou partindo. Cada tentativa parece ser minha última cartada. Não suportaria mais me perder. Existe tanto em mim, mas não enxergo meios de fazer. Fazer acontecer. Saber que a minha vida depende inteiramente de mim faz minhas pernas tremerem. Eu não sei fazer essas coisas do mundo. Não é simples para mim existir. Em mim carrego as dores do mundo e a indiferença daqueles que deixaram de se importar. Sou fina penumbra passeando pelos parques. Leve sopro solto no ar. Lágrima dissipada. Riso mudo. Que saudade eu tenho de me fazer poesia. Dividir vivências. Reconhecer-se na alma do outro. Sinto falta da disponibilidade para estar presente. Que falta me faz minha cobaia. Que falta eu sinto de quem eu era quando podia estar com ela. É a mim que falto. É por mim que clamo. É somente por mim que choro ao lembrar do nós. Ao partir, ela levou consigo tudo quem fui quando estávamos ainda. No dia que ela partiu dei adeus a um pedaço de mim. Não imaginei que ia ser tão grande.

- Sou um pedaço de sonho vagando por ai.

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...