segunda-feira, 27 de maio de 2013

Minha vida. Minha morte.

Desde o início do curso de psicologia venho refletindo sobre suicídio. Esse tema me perturba. Grande parte das discussões que presencio sobre o assunto tratam-no como algo a ser excluído da existência humana. O suicida se transforma em um sujeito que precisa ser ouvido, acolhido e parado. Muitas vezes se finge uma compreensão sobre sua escolha. Ele é visto como alguém que não faz ideia do que está fazendo ou pensando. Há um combate contra esse ato, e até compreendo os motivos que arrastam os discursos para tais posicionamentos, mas é preciso ter calma e ir além da lógica que acreditamos que a vida tem.

Basicamente o suicídio gira em torno do sentido da vida. Diante de motivos diversos, o homem se vê vazio. Ele não suporta mais acordar todos os dias e perceber que sua vida não é nada. Ele simplesmente respira e caminha pelas ruas como um fantasma. Sua vida se transformou em dor. Para quê continuar no mundo? Que dor é essa que persegue e maltrata? Não enxerga possibilidades de mudança. Poderia até dá chance ao tempo, mas o sofrimento lhe tira a paciência.

Esse é o indivíduo que acaba sua vida frente grande dor. Outros se matam pelo simples fato de não querer vivenciar determinadas situações. Existem muitos casos de pessoas que se mataram antes de alcançar a terceira idade, pois não queriam envelhecer. Viveram suas vidas bem e quando acreditaram que estava na hora, puseram fim. Simples, porém complexo. Não posso dizer que não houve sofrimento nessas decisões, contudo, nota-se a diferença entre os dois casos. Ambos falam do sentido da vida, da sua ausência e da dificuldade de continuar sem tê-lo.


No livro Na presença do Sentido, de João Augusto Pompeia tem uma passagem que fala sobre o assunto. O autor traz como referência para o trabalho do psicoterapeuta o cuidado com o sentido da vida. Nós, psicólogos, estamos voltados para esse aspecto, assim como o médico volta-se para a vida. Para tal reflexão, usa dois exemplos. O primeiro fala de um suicida que diante do vazio da sua existência salta de um prédio para encontrar o concreto e calar sua dor. O outro caso é a história de Martim Moniz (1147). Um personagem português que é considerado herói já que deu sua vida para garantir a batalha entre portugueses e mouros. Teve seu corpo machucado, esmagado e morto, mas manteve vivo seus ideais. 

Pompeia, com os dois exemplos, afirma que a morte de Martim Moniz, revela o exato contrário do suicida anônimo: "a vida tem sentido demais, e preservar o sentido é mais importante que a conservação da vida. Para ele, o significado é o que mais vale, e pelo significado ele se sacrifica. Um deles diz que elimina a vida por que ela não tem sentido nenhum. O outro diz que aceita morrer, se isso for preciso para preservar o sentido pelo qual ele viveu."

Quero dizer que ambos falam da mesma coisa. Que os dois não estão em desacordo. O primeiro exemplo também fala de um sacrifício pelo sentido. Comunica a importância e o valor inexprimível de um significado para sustentar a vida. Aquele que salta do prédio, pula por um sentido. Sim, ele também nos fala que preservar o sentido é mais importante que a conservação da vida. Ele é um defensor tão feroz e honrado do significado da vida quanto o herói. Elimina a vida, pois não possui mais sentido. Ele nos faz questionar o que nos mantêm vivos. Nos recoloca em contato com nossas razões para existir. Ele fortalece a vida, pois nos fala da morte. A morte como algo que nos pertence. É tão nossa que podemos encontrá-la a nossa vontade. 

É preciso respeitar o direito do ser humano de morrer. De se tirar da vida, já que a vida parece não mais lhe interessar. Existem várias razões para o choque diante da temática do suicídio. Refletir sobre é fundamental para pensarmos o nosso cuidar. De que maneira estamos olhando para o sujeito que escolhe morrer? Se trabalhamos com o sentido, o que fazemos com quem o perdeu? Vejo que com o suicida ainda trabalharemos com o sentido, porém com o sentido da morte, do morrer. O autor diz que, eventualmente, poderemos encontrar um "psicoterapeuta junto de um paciente terminal, ajudando-o na preservação de um sentido até o fim, e, de certa forma, facilitando seu morrer". Não será o suicida um paciente terminal? Imagino o desconforto que tal comparação possa causar, pois enquanto existe vida, há possibilidades, mas o que é a vida mesmo? O que faz a vida? Talvez, trabalhando o sentido do morrer, desse vazio, o sujeito possa se reencontrar com a vontade de viver. Contudo, não seremos guiados nessa perspectiva. Cada um sabe de sua vida e de sua morte. 

E para terminar, quero falar desse anônimo que saltou para o esquecimento. Escolheu morrer e com isso sua história foi apagada. Tornou-se um suicida, mais um. Não possui mais nome. Não será herói. É visto como mais uma morte que não entrará nas estatísticas. Será conhecido como o arauto da morte. O não falado. Uma morte sem sentido que não vale a pena sentir. Para a sociedade foi nisto que se tornou aquele que pulou. Façamos diferente.






quinta-feira, 23 de maio de 2013

Topdog-Underdog e Game of Thrones.

No segundo livro de As crônicas de gelo e fogo - A Fúria dos Reis - acontece um valioso diálogo entre Varys, um eunuco e Tyrion Lannister, um anão. Dois personagens maravilhosos e instigantes que apesar dos estigmas ultrapassam o discurso de desprezo e a cada capítulo crescem na trama. 

Varys se dirigindo a Tyrion lhe diz: - "Posso deixá-lo com um pequeno enigma, Lorde Tyrion? - Não esperou resposta.- Numa sala estão sentados três grandes homens, um rei, um sacerdote e um homem rico com o seu ouro. Entre eles está um mercenário, um homem pequeno, de nascimento comum e sem grande inteligência. Cada um pede a ele para matar os outros dois. 'Faça isso', diz o rei, 'pois eu sou o governante por direito'. 'Faça isso', diz o sacerdote, 'pois estou ordenado em nome dos deuses.' 'Faça isso", diz o rico, 'e todo este ouro será seu.' Agora, diga-me: Quem sobrevive e quem morre?"

Depois da indagação o eunuco vai embora. Tyrion fala a uma prostituta que questiona se seria o rico sobrevivente: "Talvez. Ou talvez não. Parece que dependeria do mercenário."

Algum tempo depois Varys pergunta a Tyrion se ele havia pensado e solucionado o problema. E então se  desenvolve a seguinte conversa

- "Passou pela minha cabeça uma ou duas vezes - Tyrion admitiu. - O rei, o sacerdote, o rico ... Quem sobrevive e quem morre? A quem obedecerá o mercenário? É um enigma sem resposta, ou melhor, com muitas respostas. Tudo depende do homem que tem a espada.
- E, no entanto, ele não é ninguém - Varys concluiu. - Não tem uma coroa, nem ouro, nem o favor dos deuses, mas apenas um pedaço de aço afiado.
- Esse pedaço de aço é o poder da vida e da morte.
- Precisamente... E, no entanto, se são realmente os homens de armas que nos governam por que fingimos que nossos reis têm poder? Por que que um homem forte com uma espada obedeceria um rei criança como Joffrey, ou a um idiota encharcado em vinho como o pai?"

Após uma pequena, mas não simples reflexão, Varys responde:
- "O poder reside onde os homens acreditam que reside. Nem mais, nem menos.
- Então o poder é um truque de mímica?
- Uma sombra na parede - Varys murmurou. Mas as sombras podem matar. E muitas vezes, um homem muito pequeno pode lançar uma sombra muito grande."

E assim começo a introdução para tratar do conceito Topdog-Underdog na gestalt-terapia. É usado na literatura duas traduções, uma é Dominador (topdog)- Dominado (underdog) e a outra Manipulador ativo e manipulador passivo. Utilizarei a segunda por acreditar que contempla melhor o conceito.

Pode-se resumi-los como um embate entre opostos que ocasiona numa encenação que tende a inércia. O manipulador ativo faz o papel do poderoso. De acordo com Perls é exigente, punitivo, autoritário e primitivo. Sempre se julga com a razão, nem sempre a tem, mas não importa, julga-se certo toda vez. Ele é um tirano, e funciona com "você deve" e "você não deve". O manipulador passivo atua sendo defensivo, procura seduzir, despertar piedade, vive pedindo desculpas. Desenvolve uma grande habilidade em fugir das ordens do manipulador ativo tendo a intenção de concordar apenas parcialmente. Ele é astuto e, geralmente, leva a melhor no conflito.

O que de fato acontece é uma brincadeira, como fala Perls, entre dois palhaços que representam uma sina e papéis inúteis. O show gira em torno do poder, do controle. Ambos disputam por um espaço maior no palco. Cada um com suas artimanhas tentam aprisionar o outro e silenciá-lo. 

Os espectadores podem acreditar que o manipulador ativo possui o poder, e o passivo é um pobre subjugado. Porém, observando com atenção vê-se o manipulador passivo brincando de marionetes com o seu suposto "dominador". Escondido atrás de seus dramas provoca a piedade e compaixão dos outros e deles retira sua força, aliás, essas são suas maiores armas. Contudo, não se pode negar que as investidas do manipulador ativo têm seus efeitos. Ambos estão numa batalha que não haverá vencedores. O poder é uma sombra que passeia entre os dois palhaços, assombrando-os. 

Quanto mais forte é o Manipulador ativo, mais poderoso fica o seu rival. Rivais que dançam uma bela valsa. Em completa harmonia. Tão complementares, que tal cenário não precisa ser composto por dois atores. Tudo isso pode se passar dentro de um mesmo corpo.

Poder, a busca de muitos, se não todos, os homens. Ilusão que os devora e na verdade não passa de uma capacidade natural de todo Ser humano. O mundo vive este espetáculo e não se dá conta que no final não há aplausos.


terça-feira, 21 de maio de 2013

Amizade nova.

Na tentativa de me conhecer tu tendes a se aproximar. E dar toda atenção possível. Ouve as minhas narrativas. Esforça-se em compreender as confusas ideias que compartilho. Procura estar perto e disponível. Entendo toda a sua dedicação e sinto-me lisonjeada, mas me deixe explicar algo.

Para me conhecer é necessário que feche os olhos. Boa parte do que sou está naquilo que não mostro. Seus ouvidos são inutéis, pois grande parte de mim é indizível. Não se preocupe em me entender, nem eu consigo. A cada dia sou mais. Nunca me esgoto.

Preciso de espaço. Deixe-me sozinha as vezes. Presença demais me sufoca e assusta. Parece loucura, mas é na distância que sei que pode estar perto. Não sei lidar com tanto carinho. Meu corpo é minha morada. Ás vezes sinto que os abraços são invasões. Tenha paciência. 

Não terás de mim a atenção que estais acostumado. Não tenho o impulso de procurar as pessoas. Fico a espreita, no meu canto. Porém, saiba que quando precisares te ajudarei. Só não sou boa de ficar o tempo todo ao lado.

Terá momentos que te dispensarei para poder ficar sozinha com meus pensamentos e no meu mundo, não penses que estou desprezando tua amizade. A solidão não é minha inimiga e adorarei saber que tenho para onde correr quando ela me cansar. 

Não se esforce tanto. Não existem modelos para amizade. A nossa não será igual às outras. Deixe que se construa algo diferente. Não sou como a maioria dos seus amigos, e você também não é como os meus. É, para mim, um desafio. Desafie-se também. 


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Eles crescem ...

Estava conversando com uma amiga sobre como ela está feliz com seu novo relacionamento. Após tanto tempo ela está namorando alguém que lhe faz muito bem e o quanto isso tá sendo mágico. Não pude olhar nos seus olhos, pois estávamos falando pela internet e ela está na Irlanda, mas sabe quando você sente que o outro está transbordando? O brilho dos olhos dela atravessou o oceano e me encontrou.

Então, comçei a pensar de como meus amigos estão crescendo. Construindo suas vidas. Batalhando. Hoje, somos adultos. Os assuntos não são mais os mesmos da infância. Falamos de nossos planos. De nossos encantos e desgostos. Conversamos também sobre bobagens, claro, porém sente-se que a maturidade traz um sabor diferente a essas coisas. 

Meus amigos estão colecionando conquistas e fracassos. Suas bagagens estão ficando mais pesadas. Alguns começam a arrumar outras, pois já preencheram aquela que os acompanhava desde a meninice. Ah, como é bom vê-los seguindo. Ver que estão se transformando. Meus olhos chegam a encher de lágrimas quando percebo o quando amadureceram e saber que ainda tem tanto para aprender.

Que coisa linda é poder observar o quanto seus amigos crescem. A passagem do tempo se faz visível e soberana. Vê-los seguindo me dá esperança no meu caminho. O percurso deles é o mesmo que o meu, só estamos indo para lugares diferentes, no entanto não distantes. Como é delicioso ouvir um amigo falando que conseguiu aquele emprego. O outro está fazendo um curso que é sensacional. A outra está noiva do cara. E tem aquela que está construindo uma linda família. 

Contudo, existe o outro lado. Dói vê-los falar de suas perdas. A dificuldade em encontrar um bom trabalho. O quanto está preocupado com seu emprego e o risco de perdê-lo. Que está difícil com seu amado. O convívio com a família é desgastante. Porém, existe algo nesses discursos que me deixa encantada, pois nas suas dificuldades percebo o quanto estão mudando, crescendo. Vejo-os subindo degraus, apesar de pensarem que estão caindo. É estranho, eu sei, mas é na dor que noto o quanto eles são adultos, alguns mais que outros. Meus amigos estão crescendo e veja só, eu também.

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...