quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Relações humanas.

O céu são os outros. Sim, não há nada de errado nessa frase. Ao contrário da colocação de Sartre, para mim, os outros podem ser o céu. Quando se trata do humano não dá para generalizar e demarcar fronteiras tão bem definidas. Os outros carregam em si o significante de céu e inferno para nós. Alias, por que ter que dividir?

Talvez alguém possa falar que é exatamente essa ambivalência que afirma a frase de Sartre, mas por que algo de "ruim" tem que se sobressair sobre as partes "boas"? Sei que os relacionamentos são a base para diversos conflitos, porém são também a tábua de conforto e reencontro com o lado mais sóbrio da existência. Esse jogo de paradoxos e eternas contradições contempla toda a esfera do mundo humano. Somos constituídos de incertezas. Mutáveis, instáveis, maleáveis assim somos nós. O que esperar então da relação de indivíduos surpreendentes?

Esse outro que te contempla com o olhar e te fornece um espelho da alma será, nele somente, produtor das mais variadas emoções no seu ser. E essa inconstância não é o inferno, também não é o céu, é humanidade. O inferno seria a rigidez, a estabilidade, a constância, aquilo que tiraria de nós a habilidade de renovar e recriar novas condições de ser. Isso sim seria o inferno.

As relações estão em contínua transformação. Uma simples palavra pode criar, fortalecer ou destruir laços. É esse movimento que nos faz sentir vivos. Que faz a vida ter sentido e sentimentos. Um ciclo que nunca pára. Talvez por esse motivo que muitas pessoas se esgotam em um relacionamento, pois em alguns casos, o outro parece que fincou as raízes em algum do lugar do tempo e não se transforma e nem se renova, nesse momento é como se a vida tivesse estagnado.

O ser humano não quer estabilidade. Esse estado de coisas dá a sensação de segurança, porém lhe aprisiona a uma rocha e não se consegui seguir em frente. Por que infelizmente (ou felizmente) a vida significa caminhar, continuar. Manter-se quieto é falecer no tempo corrente.

É interessante observar que muitas vezes as pessoas preferem os relacionamentos mais complicados do que a tranquilidade de um outro. Talvez seja exatamente por isso. Essa rotação de comportamentos faz com que fiquemos o tempo todo atentos e ativos. É cansativo, mas o cansaço demonstra que está havendo exercício. Que há gasto de energia. Que há vida.

O movimento das ondas do mar servem para lembrar que é sempre necessário remar. A calmaria do mar por muito tempo enjoa.


Estrela decadente

Quando você partiu não foi sozinho.
Quando você partiu não era mais só.
Agora carregava em si tudo o que de mim sugou e recebeu.
Eu também não fiquei só.
Você deixou em mim tudo o que quis e não quis.
Conviver com sua sombra me assombrava.
Não era mais eu, não era você, não era nós. O que era então?
O que via no espelho era um reflexo deformado do que um dia fui.
Tinha então que reconfigurar toda a minha imagem para me reencontrar mais uma vez, porém, jamais seria aquela novamente.
Fiquei pensando o que mais me doía e percebi que era te ver se perder de mim.
Tudo meu que em ti vivia poderia se dissolver e não mais seria sua estrela.
Meu brilho se apagaria.
Não seria mais o riso, nem a lágrima.
Não seria nada.
Ver teu fogo se extinguir na minha lenha era a pior dor que eu tinha.
Seria mais um passageiro nas suas estradas.
A morte me esperava no seu olhar. Vê que fui esquecida.
Enfraquecida em valor na sua vida.
Faria parte agora do eles.
Seria comum, mais um no meio de tantos.
E o nós se tornaria em vós.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Ensaio de despedidas.



"Na pracinha ao lado da escola os brinquedos estavam parados. Todos os domingos antes do
almoço eram o meu pai me empurrando com força para o balanço voar com as minhas pernas cada vez mais alto, para longe do chão. O balanço era o voo controlado, a partida sempre contendo a falta, por isso o fascínio dos pais ensaiando despedidas a tarde inteira. As pedras pontiagudas correndo todas as velocidades e os meus joelhos prontos para serem sangrados assim que a queda deixasse de ser medo para ser. A iminência do salto e os gritos do meu pai pedindo cada vez mais. A risada do meu pai. Os braços fortes empurrando minhas costas, esperando a minha volta. Minhas mãos agarrando as correntes e as dobras dos meus dedos acumulando todas as lembranças que a ferrugem poderia conter."

*Os famosos e os duendes da mote.

O amor maduro.



"Poderíamos dizer, embora soe esquemático, que há três momentos no desenvolvimento de um amor maduro: paixão, desilusão e aceitação da realidade.

No primeiro momento, o amado é alguém maravilhoso, não tem defeitos, ninguém é melhor que ele, está terrivelmente idealizado, quase endeusado. O amado fica engrandecido e, em troca, a pessoa vai diminuindo, a ponto de não poder entender como alguém tão perfeito pode ter reparado nela.
No segundo momento, começamos a perceber algumas imperfeições na pessoa amada. Vemos que em determinadas situações seu caratér não é o melhor, que em algumas coisas se engana, e esses traços, que já existiam, mas que a paixão nos impedia de perceber, geram dor e desilusão; e assim como no primeiro momento já queríamos nos casar e ficar juntos para toda a vida, neste segundo momento é provável que queirámos que ela vá embora para sempre.
(...)
O amor seria um terceiro momento no qual vemos o outro como é. Nem tão idealizado nem tão degradado. Não é nem Deus nem o diabo. Desfrutamos de suas virtudes e aceitamos as suas faltas. E, apesar delas, nós o aceitamos e podemos ser felizes ao seu lado. Só ai podemos falar de um amor maduro com possibilidades de se projetar no tempo de uma maneira saudável. Por que a chave do amor, como disse certa vez meu psicanalista, está em reconhecer os defeitos do outro e perguntar-se sinceramente se podemos tolerá-los sem ficar o tempo todo reclamando, e ser feliz apesar deles."
(Trecho do livro História de divã: oito relatos de vida de Gabriel Rolón)

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...