Mostrando postagens com marcador contos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador contos. Mostrar todas as postagens

domingo, 27 de abril de 2014

Histórias de lágrimas mal faladas.



Um dia me disseram que chorar alivia nossas dores. Acreditei firmemente nessa afirmação durante minha vida. No entanto, um belo dia de tristeza chorei todas as lágrimas e minha dor não passava. Parecia que a cada lágrima chorada meu peito se apertava mais e mais lágrimas caíam do meu olhar. Foi então que pensei, "para onde minhas lágrimas estão levando a minha dor? Sinto-a escorrer pelo meu rosto, molhar minha carne, traçar caminhos pela minha pele, mas não sei para onde ela está indo." 

Passei dias e dias pensando sobre isso. Quando sentia o coração sufocar, derramava lágrimas e procurava prestar atenção no caminho que elas estavam traçando pra tentar entender o que se passava com a minha dor que não passava. Demorou um tempo. Não foi nada fácil. Precisei ficar sozinha em vários momentos. Tentei me aproximar cada vez mais de mim. Ás vezes sentia que estava por dentro de mim e não havia mais nada por fora, era apenas eu. A pele não era mais um envelope, era tudo, não havia mais nada além de mim.
 
Enquanto me atentava aos traçados de minhas lágrimas descobri coisas interessantes. Meu olho esquerdo chora mais que o direito. As lágrimas tendem a cair para o lado direito. Ao ficar deitada algumas lágrimas entram pelo ouvido. Outras gostam de fazer poça na minha garganta. Meus olhos ficam brilhantes quando estão chorando. Tenho o hábito de morder os lábios. Algumas lágrimas alcançam meu umbigo. Tem aquelas que caem sem nem tocar minha pele. São muitos os destinos que tomam as minhas lágrimas, mas ainda não entendia o porquê da dor não passar e sair junto com elas.

 

Em uma tarde de tempo confuso, choveu a manhã toda e depois fez sol bem forte de rachar asfalto. Fiquei pensando naquela água toda evaporando e foi então que veio o estalo, " Já sei o que acontece com minha dor." Notei que ao chorar tinha o hábito de respirar profundamente, inspirar fortemente a cada soluço, as lágrimas expulsam minha dor pelos olhos e eu a atraía novamente pelos pulmões. Respirava-a antes de se dissipar completamente no ar. Eu a recuperava a cada respiração. Depois disso, passei a chorar com mais calma, deixava o choro fluir calmamente, procurava não inspirar profundamente para não atrair de novo todo a dor que tinha expulsado. Passou a ter bons mais resultados. Contudo, há momentos em que o choro tampa a garganta e preciso respirar vorazmente, nessas horas penso que ainda não dá pra deixar tudo ir embora de vez. Algumas coisas levam mais tempo do que gostaríamos e não acontecem como esperamos. Nessas horas só nos resta ter paciência. A tão calma paciência dos pescadores.

sábado, 11 de janeiro de 2014

O começo - Caso Clínico fictício

(Em pensamentos...)

Cliente: - A primeira vez que entrei naquela sala não sabia o que poderia acontecer. Meus pensamentos estavam confusos e meus sentimentos reviravam a boca do estômago. Fui buscar ajuda, um apoio, uma resposta, algo que me tirasse aquela dor e solucionasse meus problemas. 

Terapeuta: - A primeira vez que vi aquele cliente não sabia o que podia acontecer. Era alguém que parecia trazer nos ombros o peso do mundo. Olhar cabisbaixo e desesperado. Veio em busca de uma ajuda, queria que alguém lhe desse as respostas para seus questionamentos. Dei-lhe meus ouvidos e o aceitei na sua forma de ser singular. 

Cliente: - Podia falar o que viesse a cabeça. Sentir qualquer sentimento que emanasse do meu corpo. Nunca pude me expressar verdadeiramente na vida, nos meus relacionamentos, comigo mesmo. Aqui, neste local, com este alguém que me escuta sem julgar-me, posso finalmente ser e isso dói. 

Terapeuta: - Inicialmente é difícil para o cliente se abrir. É preciso que a confiança seja estabelecida e que ele se sinta acolhido no seu discurso. Com este não foi diferente e ao mesmo tempo foi. Ao aceitá-lo na sua particularidade possibilitei  que ele pudesse se perceber e aceitar-se. Ele já trazia em si o crescimento apenas o ajudava a driblar e notar alguns obstáculos que estavam barrando o seu desenvolvimento. 

Cliente: - É tão difícil se impor em um mundo repleto de armadilhas que tentam lhe aprisionar, dominar, domesticar como a um animal selvagem. São tantas batalhas para enfrentar que às vezes é mais fácil se deixar levar. 

(Começa o diálogo entre ambos)

Cliente: - Estava pensando como é complicado ser você mesmo nesse mundo. Você num acha?

Terapeuta: - Sim, eu acho, mas e você? Sente dificuldade em ser você mesmo no mundo? Como é isso?

Cliente: - Sinto, parece que não sou aceito. Tenho que esconder minhas emoções para conviver com as pessoas. É estranho isso, né? 

Terapeuta: - É estranho ter que esconder suas emoções para se relacionar com as pessoas? Como é ter que fazer isso?

Cliente: - Sim, não é normal. É ruim. Às vezes não sei muito bem o que estou sentindo. Tem horas que tenho raiva e vontade de explodir, mas não falo nada e fico me roendo por dentro. Ninguém quer saber realmente como você se sente. Tá cada um preocupado em fingir suas dores para si mesmo e pros outros. É tudo um jogo pra manter a cordialidade.

Terapeuta: - Eu quero saber como você realmente se sente e aqui não é necessário fingir suas dores, pois quero ouvi-lo e ajudá-lo a lidar com seus problemas. Você está dizendo que acha ruim ter que fingir ser alguém que não é para as outras pessoas e que às vezes não sabe o que está sentindo. E que tudo isso é um jogo para manter a harmonia. Qual a sua participação nesse jogo?

Cliente: - (Em pensamentos...) Como assim qual a minha participação? Eu sei lá. É cada uma! Às vezes ele faz umas perguntas que me dão raiva. Ele quer dizer que tenho alguma culpa nisso tudo? Eu sou uma vítima. Sou assim por que as pessoas são mesquinhas e falsas. Ele diz que quer me ouvir, mas não responde nada. Eu só quero saber o que fazer pra sair dessa situação. (Dialogando) Não sei. Estou apenas jogando por que todos jogam. 

Terapeuta: - (Em pensamentos...) Notei que aquela resposta estava carregada de sentimentos que não foram trazidos à tona. A pergunta causou um desconforto nele, seu corpo se enrijeceu e suas sobrancelhas franziram, mas tudo ficou guardado. É difícil nos responsabilizarmos pelas consequências de nossas ações e perceber que somos autores de nossa história. É um caminho árduo, mas não tenho pressa.

sábado, 22 de dezembro de 2012

A saída.

''E todos os dias serão piores enquanto eu continuar aqui, vivendo uma vida que não é minha.''
Tal frase ecoava nos seus ouvidos como um sino que marca a passagem do tempo. Ela acreditava no anúncio que as palavras faziam sobre a condição de sua alma, mas não era tão simples. Parava pra pensar um pouco mais e se fazia a pergunta: Qual vida será a minha? Se não é esta, qual é então? 
Não descobria nada passeando pelos pensamentos. Eles não possuem a resposta. Por um bom tempo, tempo incerto demais para ser dito seguramente, ficou procurando algo que confortasse suas dúvidas. Saia por aí em busca da vida que seria a dela. Aquela vida que é sua e que está implícita na frase.
Numa noite adormeceu docemente. Há muito tempo que não o fazia. No sono seu pensamento se desprendeu da razão que o guiava enquanto desperto e ela sonhou. Sonhou com uma sala e neste ambiente não estava só e ao mesmo tempo sim. Para onde olhava só via a si mesma. Ela era várias. Como se repentinamente fosse dividida e esses pedaços ganhassem vida. Seis. Seis garotas idênticas e diferentes distribuídas ao longo da sala. Susto. Medo. Estranheza. Familiaridade. Não havia nada ali que elas não conheciam. Eram elas. Era ela. 
"Como viver uma vida que satisfaça a todas?" Esse era o assunto. O tema da discussão. E elas se debatiam e lutavam para encontrar uma solução. Cada uma possuía algo de particular. O que era bom para uma servia de veneno para outra. Às vezes a maioria concordava, mas sempre tinha aquela que não estava satisfeita. E se todas não estivessem unidas não daria para continuar. Houveram brigas. Muitas brigas. Ameaças. Porém, nada foi decidido. "Por hoje encerramos".
Ela acordou sobressaltada. Com o ar escapando dos pulmões. Seu corpo doía como se tivesse sido repartido. Confusa. Passou o dia pensando sobre a noite e percebeu que não havia sido um mero sonho. Era uma tentativa desesperada de sua mente de resolver o dilema e ao mesmo tempo revelá-lo. Era por isso que nunca tinha conseguido encontrar a resposta. Dentro si havia vários "eus" e cada um com suas expectativas. Era esse o motivo de não encontrar uma vida que fosse sua, pois haviam tantas possibilidades e nenhuma contemplava todas. Ao anoitecer. Fechou os olhos e novamente sonhou a continuação da noite anterior.
Lá estavam. Lá estava. E recomeçaram a discussão. No calor do tema teve uma que gritou: "Desse jeito não dá para todas viverem". E os olhos saltaram e ficaram frios. Será? Será que essa é a saída? 
Acordou sem reação. Não tinha o que pensar. Sua mente estava em silêncio. Passou o dia passeando pelas horas. Até a noite chegar mais uma vez e o sonho retornar. 
"O que foi dito ontem não é algo a ser pensado". Estavam caladas. Cada uma com suas reflexões. E assim foi por vários dias. As vezes se tentava falar sobre alternativas, mas nada encontravam. E durante o dia as coisas foram ficando difíceis. Era doloroso continuar daquela maneira. Sem saber seu lugar. Sem sentir que vive. Estando sempre errada. Não dava mais. 
"Se apenas uma não pode viver e não podemos viver como uma, então poremos fim em todas. Essa é a forma de acabar com tudo o que nos pertuba". Algumas relutaram, tentaram debater, usaram diversos argumentos, mas nada bom o suficiente. Então, todas concordaram. Juntas, uma sufocando a outra. E no instante que o último suspiro foi lançado finalmente eram uma só.
 

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A mulher bexiga



Em uma manhã escura uma jovem acorda e ao se olhar no espelho se assusta com o que viu. Ela viu o nada. Não conseguia enxergar seu reflexo, o que percebia era o nada, apenas o nada. 

Notou, após um tempo tentando entender tal fenômeno, que o que o espelho refletia era o seu interior. Ficou um momento pensando e decidiu respirar fundo com o intuito de preencher de ar o vácuo que se encontrava dentro de si. Com isso ela inchou. Ficou redonda como um balão, repleta de ar. Ela encontrou uma forma, ainda não descoberta, de manter o ar lá dentro e desde então, vive com toda essa tensão. 

Ás vezes, algumas pessoas dizem que quando ela está por perto conseguem ouvir um som que se assemelha a uma bexiga sendo esvaziada, mas logo termina.

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...