domingo, 13 de janeiro de 2019

Hidratante para as mãos.

Começo a pensar em usar hidratante para as mãos. Quem diria que um dia começaria a pensar em usar hidratante para as mãos? Era manhã. Acabará de acordar. Quando, despretensiosamente, deslizei uma mão sobre a outra, percebi o tempo. O anúncio da velhice. Minhas mãos estavam levemente ásperas. Senti seus contornos bem delimitados. Fiquei ali, um tempo, sem reconhecer o toque das mãos que eram minhas. Não era mais as mãos da infância, suaves e escorregadias. Havia um peso, uma história, podia sentir. Fiquei com medo. Tive a sensação de que um dia poderia acordar e não reconhecer as mãos que tocavam. Ali, já me eram estranhas. Eram as mãos de uma mulher e não mais de uma menina. Seria assim meu toque de agora em diante? Adiante, é assim que se segue? Diante de quem estou? O tempo, ele sorrir pra mim. Abri os olhos e investiguei minha pele. Ah, surgem marcas fortes. Em minha mão corre um rio nas demarcações que nascem. É quase como se um mapa se desenhasse sob minha pele. Isso são rugas? É assim que se chamam esses traços? Não sei. Certa vez ouvi que começamos a envelhecer pelas mãos e começo a pensar que seja verdade. Juro, neste dia, minhas mãos amanheceram mais velhas. Foi de repente. Sem aviso. Somente dormi e acordei com mãos de alguém que já percorreu um caminho considerável. De lá pra cá, antes de acordar em definitivo, gosto de verificar como elas estão. Fico um tempo acariciando meus dedos e sentindo a sútil, mas marcante, presença do tempo na palma da mão. Ali, toda manhã, procuro reconhecer (aceitar?) que mãos são aquelas. Começo a pensar em usar hidratantes para as mãos. Não sei, talvez funcione. Talvez resolva. Talvez esconda.
No meu peito se encerram todas as palavras que não puderam ser ditas.
Poder!
Em mim faltou a coragem de falar meu afetos.
Calei tanto amor.
Silenciei tanta dor.
Em mim só há psiu!
Parece que todo mundo guarda dentro de si retalhos de um eu que se perdeu em algum lugar no tempo. A história vai passando e vamos seguindo. Não há outro percurso. Só há o seguir. E de repente, acordamos e estranhamos aonde estamos, como estamos e quem somos. Floresce a saudade. Ressurge a falta. Há uma necessidade de renascer. Reviver quem sabe um pedaço daquele eu, lá de trás. Aquele eu que está ali reservado pela idealização das lembranças. Revisitamos as falhas. Há falhas? Todos nós, parece, têm saudade de um eu de outra época. E, ilusoriamente, buscamos vivê-lo em algum momento. Quase como um sonho. Uma fantasia. Por um dia ou por uma noite, ou talvez algumas pequenas horas, entregamos-nos ao antigo personagem que nos servia e sentimos que ali há um reencontro. Depois, pouco a pouco, acordamos e vemos que foi apenas uma brecha que hoje não se encaixa mais. Porém, é um delírio válido que te escapa da rotina de ser quem é no momento que se está.


Quantos eus existem em mim com saudade de ser?

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...