domingo, 29 de dezembro de 2013

Só rir. (Sorrir)

Observando meu sobrinho, Vinícius, de um ano e meio, notei que ele adora rir do nada. Sim, do nada. O nada o faz gargalhar alto. Às vezes fiquei procurando algo que tivesse arrancado o riso da sua alma, mas nada estava lá. Era lindo de se assistir. Pensei que como era bom rir do nada.

Depois vi que meu sobrinho também gostava de rir do simples. Um barulho de câmera fotográfica foi motivo suficiente para soltar risadas ao vento. Houve também o riso pelos sopros que focalizei na sua barriga e axila, além do meu olhar de reclamação cúmplice e jocoso. Meu sobrinho adorou rir das coisas mais banais que podiam ocorrer num dia comum.


Como é bom poder rir simplesmente por que é bom se rir. Rir sem precisar explicar o motivo do riso e que esse motivo seja respeitável. Rir por rir. Meu sobrinho me ajudou a (re)ver que na vida não é preciso grandes acontecimentos para despertar a vontade de sorrir e se renovar a cada risada. A vida faz graça quando estamos disponíveis a se agraciar. O riso está em si, e não nas coisas. Não importa o que for quem faz algo ser engraçado ou não, somos nós. Meu sobrinho não precisa do aval de ninguém para gargalhar, não há nada que lhe diga o que é engraçado ou não, ele rir por que rir e como é bom sentir e participar dessa experiência.

domingo, 15 de dezembro de 2013

"Há homens que vivem como se viver fosse a coisa mais natural do mundo.": A neurose e as implicações de ser um Ser vivo.

Muitos teóricos da psicologia falam do neurótico como aquele sujeito que se encontra aprisionado ao passado. Relatam as consequências desse aprisionamento e expõem em seus argumentos o quanto a existência fica empobrecida e estagnada nesses casos. A saúde para as abordagens psicológicas, e destaco aqui a Gestalt-terapia, significa fluidez nas atitudes e maturidade para enfrentar as frustrações ao longo da vida ao invés de negá-las. O homem saudável é aquele que se apropria de sua história com consciência de sua liberdade e responsabilidade pelas consequências de suas escolhas. Não se engessa em modelos predeterminados para seguir sua vida, renova-se à medida que as experiências do cotidiano lhe requisitem algo de inovador. Guia-se pelos seus desejos e respeita os limites da realização dos mesmos, pois não há como viver em comunidade sem que parte de suas vontades sejam refreadas e ponderadas. O neurótico ao se fixar em experiências passadas e ao buscar traçar sua vida pautado em deveres externos e não em desejos pessoais transforma sua existência numa sucessiva fuga de ser dono e autor de sua própria história. 


Por diversos motivos que não irei descrever aqui um homem se torna neurótico. Preciso ressaltar que essa foi a melhor maneira que ele encontrou para sobreviver no mundo e nas relações que encontrou ao longo de seus dias. A necessidade de sobrevivência, para Perls, age como força propulsora para todos os seres vivos, assim a psicologia não pretende julgar o modo de vida do sujeito, mas procura compreender as redes de sentido que permeiam a forma como cada um se coloca diante de si, do outro e do mundo. Pensando nisso questiono o significado que possa ter viver no passado, manter-se cativo a experiências ultrapassadas, remoer sentimentos falidos, relembrar situações incorrigíveis, perder a capacidade de lidar com as situações no presente. Esse último ponto é a chave, dentro da Gestalt-terapia, para uma existência saudável. A vida acontece no aqui e agora, no presente, no hoje, e isso significa que necessitamos estar conscientes do que fazemos, do que sentimos e pensamos no hoje. Passado e futuro existem enquanto houver presente, pois se não há presente não há vida. O presente comporta tudo e nele que a história de cada um pode ser escrita e reinventada. 

(Foto: https://www.facebook.com/jonasaraujofotografia)

No livro, Bom dia, Angústia!, Comte-Sponville ressalta no capítulo O gosto de viver as delícias da vida e o quanto vale a pena vivê-la e, para isso faz questão de destacar os desgostos que encontramos no percurso e como o sofrimento é parte inseparável da existência. Não há como viver sem passar por situações que causem decepções e frustrações. Viver implica sofrer. Ao pensar nisso questiono o quanto é mais seguro para os sujeitos neuróticos se esconderem no passado, pois o presente significa vida e vida está intimamente ligada com a possibilidade iminente de frustrar-se. Permanecer sofrendo por questões passadas protege o indivíduo de implicar-se no agora e lidar com as consequências de suas ações no hoje, e não de modo imaginário do que poderia ter sido feito. Dedicar-se ao presente significa arriscar-se a escolher entre as diversas possibilidades e colher os frutos dessas escolhas, que nem sempre são satisfatórios. No presente a vida corre, no passado ela descansa imune. Não há riscos no passado. O passado é aquilo que ele é, está parado. O presente é movimento e movimento significa possibilidade de quedas. No passado a vida está morta, é lembrança, no presente é acontecimento em contínuo processo de acontecer.

O neurótico refugia-se no passado, pois teme a vida. E por que não temê-la? Dá medo mesmo se perceber passando, notar o quanto cabe a si mesmo seus sucessos e fracassos. As lembranças, por mais difíceis que sejam, são mais seguras, pois não permitem mudanças. Mudança significa risco. Não é fácil arriscar-se quando nosso tempo é incerto e a cada dia que vivemos é menos um para se viver.

O passado é a zona de segurança do sujeito humano, as experiências passadas fundamentam nosso ser, dão contorno ao nosso eu, o acúmulo de vivências compõe nossa identidade, somos tudo aquilo que conseguimos lembrar. O presente se coloca como fazer, como construção, como abertura. No presente me faço ser. E agora paro para pensar, do que falar do futuro? Esse tempo existencial é fundamental para o humano. O que mantêm o homem na caminhada do presente é a vontade de um futuro, no entanto, pensar em demasiado no que virá também é uma forma de fuga da vida enquanto acontecimento presente, pois nos coloca numa dimensão imensurável. O futuro nada mais é do que fantasia e fixar-se nele é perder de vista a realidade, contudo, não pretendo me estender nesse ponto agora.

Questiono nesse momento o que pode levar um homem a se torna neurótico, e ao lembrar as palavras de Perls que diz que todo ser humano é guiado pela necessidade de sobrevivência, penso que é a própria vida que neurotiza o sujeito. Quero dizer que talvez, alguns seres humanos se amedrontam de tal forma diante da imensidão da existência e de tudo o que ela significa que não suportam e, para sobreviver buscam fugir da própria vida. Sêneca afirma que alguns homens morrem sem nem mesmo terem conhecido a vida, e agora digo que talvez essa tenha sido a intenção de alguns. 

(Foto: https://www.facebook.com/fotografiacayoce)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Sempre aqui.

Na terça-feira, dia 9 de dezembro, minha amiga voltou da Irlanda depois de um ano por lá. Eu e outros amigos fomos a sua casa vê-la e acalentar a saudade. Chegamos, tocamos a campainha, seu pai abre a porta e ao entrarmos sinto algo estranho, mas não sei dizer o que é. Fico ansiosa para encontrá-la e então, vejo-a passando pelo corredor, tomei um susto, mas também senti algo diferente. Quando a vi não senti que ela esteve distante. Surgiu em mim um sentimento de familiaridade e serenidade. Dei-lhe um abraço bem forte, mas senti que ela nunca tinha ido embora, de alguma forma sempre esteve perto. Parecia que a tinha visto a pouco tempo atrás. Não havia desconforto ou estranhamento, pelo contrário, o que me perturbou nesse momento foi exatamente a familiaridade e a serenidade da situação. Não sei bem como descrever. 


Já tive essa sensação em outros momentos com outros grandes amigos. A distância desperta a saudade, mas quando os encontro sinto que não houve distanciamento. Parece que sempre estivemos próximos. Não há arroubos, não há gritaria, choro, ou grandes espetáculos de reencontro, existe apenas aquele sentimento de estar em casa. Acho muito engraçado essa situação. 

Não há como não pensar na frase do livro Os famosos e os duendes da morte que diz, "Estar perto não é físico.", cada vez mais vejo o quanto isso faz sentido. O ser humano ultrapassa o limite que lhe impõe sua pele. Com seus sentimentos, linguagem e capacidade cognitiva ele se lança além dos contornos do seu corpo e se faz presente a distâncias. A tecnologia possibilita o alastramento da comunicação, mas acredito que o próprio sentimento, sem a presença de comunicação, também mantêm o laço e oportuniza que o outro amado mesmo distante se faça presente. A linguagem gera segurança, abre espaço para que a o outro se renove e se recrie no dia a dia. A cada frase trocada cresce a sensação de consistência, de atualização contínua. Lembro que sempre que conversava com essa amiga enquanto viajava tinha a sensação de que ela estava caminhando junto comigo. Que nós estávamos percorrendo os dias e que podíamos compartilhar experiências. A linguagem solidifica a presença do outro no cotidiano, a medida que conversávamos ela se fazia presente. O sentimento cultiva a vontade, o desejo, a saudade, a presença nas lembranças, no imaginário. A capacidade cognitiva encontra maneiras de estabelecer contato e apaziguar a angústia pelo reencontro. 

Procurar descrever o que senti no momento que a vi é simplificar o que significou pra mim. De qualquer forma, seja bem-vinda Jéssica Grossini, e ao meus amigos que por algum motivo estejam longe, não fiquem preocupados, vocês estão em mim. 

domingo, 1 de dezembro de 2013

Meteorologia

Sinto tempestade se aproximando.
O peito aperta.
A cabeça confunde.
O corpo lateja.

Sinto tempestade se aproximando.
Abismos se abrem dentro de mim.
Minha alma recua assustada.

Sinto tempestade se aproximando.
O sol lá fora esconde
a obscuridade que se faz por dentro.

Temo sua força e o que fará dessa vez.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

#Poemetos

Se soubesse expressar o que sinto
inundaria o mundo
e todos veriam o muito que sou
mas guardo dentro de mim
e me afogo
Pra não sucumbir
escrevo.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

#Poemetos

Se eu fosse poeta
minha dor seria poesia,
mas não sou poeta
e minha dor é só dor
e mais nada.

Bom desamor

Teu silêncio ensurdece meus ouvidos.

O que machuca a carne é a ausência das tuas agressões.

Meu peito corrói com o excesso da tua falta.

A garganta arranha por não ter mais grito.

A cabeça dói com o fim das brigas.

Sinto falta do nosso desamor.

As pessoas reclamam do inferno, porque não conhecem o céu.

#Poemetos

Deixa pra lá,
O tempo fica de consertar
O que o amor desatou

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Queria poder desenhar com as palavras
o que os artistas
                                    fazem com o
pincel.

                       Não sou boa com tinta
Sou melhor com alfabeto.


Queria ser solta como um pássaro
                             descrito na asa
                                                    do papel.

Que bom seria voar
com a caneta
                      no céu.

domingo, 15 de setembro de 2013

Descobrindo-se na/com Gestalt-terapia.

Eu jamais imaginaria as experiências que tive do dia 12 a 15 de setembro no Congresso Nacional de Gestalt-terapia (GT). Já fui para vários congressos e nunca senti nada parecido e nem presenciei coisas semelhantes ao que vivenciei no Mar Hotel em Recife. Foi tão forte que tive que escrever sobre, pois precisava organizar essa multidão de sentimentos e a escrita sempre foi para mim organizadora. Que assim seja...

Surgiu a oportunidade de ir ao Congresso como monitora. Era uma semana antes do evento quando me falaram sobre essa possibilidade e logo fui atrás dos responsáveis para me inscrever. Passado o tempo chegou o dia de nos reunirmos para receber treinamento e nesse momento já senti algo diferente. Senti muita responsabilidade e afetividade. Ficaríamos responsáveis pelas filmagens das apresentações e que todo material seria armazenado e isso contaria para a história da Gestalt-terapia. Imagina só como fiquei? Além disso, todos os representantes nos trataram muito bem e o clima era de descontração e cordialidade. Lembro que tinha um senhor engraçado que tirava muitas brincadeiras com a gente. Descobri depois que era Sergio Buarque. Fiquei embasbacada.

 Chega o dia de abertura do evento. Chegamos mais cedo ao local. Recebemos os últimos toques para a filmagem e tudo certo. É hora de assistir a palestra de Walter Ribeiro, mas quem é ele mesmo? Sim, eu ainda não o conhecia e muito menos sabia de sua importância para a GT no Brasil. Antes da apresentação me adiantaram sobre a sua relevância no cenário da abordagem gestáltica e pude ver o quanto eu estava negligenciando os estudos na teoria. Quando o vi fiquei impressionada e encantada, lembro que pensei "como seus cabelos são brancos". A palestra foi incrível. Sua fala suave e doce com conteúdo forte me emocionou algumas vezes. Ri muito com meus amigos com suas brincadeiras e o seu jeito de fazer a palestra. Os sons que ele fazia ao longo do texto que estava lendo eram muito engraçados. Havia tanta espontaneidade que fiquei fascinada. Soube que no outro dia teria um minicurso ministrado por ele e disse: com certeza eu vou.


Depois da apresentação tive muita vontade de cumprimentá-lo, mas minha timidez não permitiu que eu avançasse. No entanto, meus amigos também foram tocados por sua presença e eles sempre foram mais corajosos que eu e eu mais corajosa com eles. Falamos com ele, tiramos foto e abraçamos. Foi incrível! Saímos então para o Coquetel e lá fiquei muito impressionada. O clima que se instalou naquele ambiente era incrível. As pessoas dançando, cantando, conversando e tomando cerveja. Sim, cerveja em um congresso, nunca tinha visto algo assim. Eu e meus amigos ficamos todos bobos com aquela cena e aproveitamos bastante. Era engraçado que de repente alguém chegava e falava conosco e depois descobríamos a importância e relevância dele para a teoria da Gestalt. Um amigo meu comentou, eles são gente, não são deuses.

Na sexta-feira começaram as apresentações dos trabalhos e tudo foi muito bom. Encontramos uma professora querida, Josélia Quintas, e conversamos bastante. Falamos do que estávamos vivendo naquele encontro e trocamos ideias. Pude comprar seu livro e foi tão bonito vê-la e interagir com ela longe dos corredores da faculdade. Nesse dia também teve o minicurso com Walter e foi muito bom. Ele nos propôs a perguntar o que quiséssemos e começaram as perguntas. Ao longo do minicurso tive muita vontade de perguntar algo, mas as minhas inibições eram mais fortes e me privei de falar. Gastei muita energia fazendo isso, infelizmente. Ele falou da criança e toda a sua potência e o quanto ela não está presa as pressões sociais para ser algo, ela simplesmente é. O quanto nós somos adestrados. Eu não tinha essa capacidade infantil. Acabada a apresentação fomos conversar com ele e foi ótimo. Fomos muito bem tratados. Tratados de modo horizontal. Com direito a, junta mais pra poder falar um negócio aqui baixinho. Sai de lá com uma sensação estranha, algo estava acontecendo comigo, mas ainda não sabia o que era. Só tinha certeza que estava sendo mágico.

No sábado fui me dando conta do que estava acontecendo. Participei de um workshop que o título era o seguinte, "Frustração e ressentimento: eu sou honesto comigo mesmo?" por Eliane de Oliveira Farah, indubitavelmente sairia tocada de alguma forma. Sai estranha da sala. Fui almoçar sentido um incomodo inominável. Voltei e fui fazer as filmagens. As apresentações foram muito boas e o mais extraordinário delas foi que consegui me colocar. Relatei os pensamentos suscitados com as comunicações e isso nunca havia ocorrido. Foi muito bom pra mim.

Sai da sala no intervalo e vi Walter Ribeiro. Fui falar com ele sozinha mesmo. Quis nem saber. Cheguei nele e falei das apresentações que tinha visto e que havia lembrado o seu minicurso. Além do mais comentei que mais cedo fui comprar seu livro e ele havia acabado. Ele olha pra mim e diz, foi mesmo, e tira do bolso um exemplar e me dá. Fiquei uns 20 segundos segurando o livro sem saber o que fazer. Pergunto-lhe o que era aquilo e ele diz que está me dando o livro. Meus olhos enchem de lágrimas e solto um C-A-R-A-L-H-O, Walter cai na risada. Ele ainda pega pra assinar. Eu estava sem acreditar naquilo tudo. Dei-lhe um abraço, agradeci e voltei pra sala para filmar estando em outro mundo.

A comunicação era sobre poesia. Poesia é meu fraco. Alberto Caeiro o autor discutido. Walter vai assistir a apresentação. O autor do trabalho era ainda um estudante, como eu, e notavelmente se emocionou com a presença de Walter na sala. Lindo o trabalho. Nessa apresentação também tive a coragem de falar sobre o que pensava e quando termino minha fala percebo que uma mulher estava chorando. Pensei "que legal, poesia emociona mesmo". Depois do trabalho essa mulher me abraça e diz que minha fala a emocionou muito e pedi obrigado, agradeço também e penso, mas o que foi que eu falei mesmo.

Volto pra casa remoendo esses dias e essas experiências. Noto o quanto esse congresso está sendo transformador para mim. Gestalt-terapia não é uma teoria, é um estilo de vida. É um modo de se perceber o mundo e as pessoas e de se posicionar diante da vida. Observo o quanto estava sendo contraditória com a teoria, pois não tinha na minha vida uma atitude gestáltica. O contato com Walter foi fundamental para me dar conta disso. Ele se mostrou tão humano diante de mim que pude através dessa relação perceber o que estava fazendo da minha vida e repensar minhas posturas. A percepção foi processual e toda configuração do congresso colaborou para isso. No sábado à noite eu estava radiante. 

Chega então o domingo, último dia do congresso. Poucas pessoas foram. Começa o Super Debate, "O que nós temos feito, em todos esses anos, que estamos juntos, enquanto Gestalt-terapeutas?". Senta-se a mesa tanta gente importante dentro da abordagem gestáltica que era lindo ver aquilo. Todos cansados relatam sobre seus feitos e depois abre para o público. Penso, eu vou falar nesse microfone. Duas pessoas falam antes de mim e então levanto a mão e peço a palavra. Estava tão nervosa que o choro remoía a garganta. Comento sobre o que tinha sido o encontro pra mim e o que disse aqui falei lá. Eu, como uma estudante de psicologia, um feto na história da Gestalt, relatando a minha vivência e dizendo o que a GT estava fazendo comigo. Todos riem, aplaudem e Walter olha pra mim e diz, e se eu lhe disser que você foi uma das pessoas que mais me alimentou nesse congresso... ai, eu chorei. Meu amigo falou também como estava sendo e no impulso de vontade e naturalidade sobe na bancada e senta do lado deles, os fodões. E todos falam o que estavam sentido. Foi lindo. Foi emocionante. No final abraço Walter e agradeço. Ele toca meu rosto e me olha de forma tão profunda que seus olhos parecem refletir a minha alma. Um olhar terno que lhe reconecta consigo mesmo.


Com a fala de Walter vejo que quando há encontro as duas partes saem tocadas. O que experienciei nesse congresso é inexplicável. "As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou"*. Isso é Gestalt-terapia. Um convite contínuo a se renovar. Posso afirmar com minha experiência que esse congresso não foi uma exposição sobre a Gestalt-terapia, esse congresso foi gestáltico.


*Citação de um dos meus livros prediletos, Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A vida as vezes me parece tão incrível. Fantástica. Um presente. Repleta de sabores. A vida tem tantas cores que não dá para descrevê-las. Ela é tão mágica e suave. Tranquila, macia, adorável. Uma dádiva. Divina. 

Outras vezes a vida me parece tão sufocante. Maltrata e castiga minha pele cansada. Um carrasco sem piedade. Frustrante. Indiferente aos meus sentimentos. Cruel. Ela é amarga. Sem cor. Apagada, pesada, desgastante. Insuportável.

Talvez seja assim mesmo. A vida é tudo. Todas as partes convivendo em harmonia inexprimível. A vida é o pacote inteiro. 

Existe um ditado que diz, "um dia de cada vez". Que seja então, "uma vida de cada vez".

Hoje ela, para mim, está belíssima com um tom esverdeado de folha de árvore.


#Poemetos

Quero que a arte me envolva em seus braços
E me afogue.



Até desaguar.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Vida frágil.

Estou calmamente sentada na escada do ônibus, Rio Doce - Piedade, ouvindo música e de repente sinto uma movimentação atrás de mim. Primeiro pensamento: É um assalto. Olho mais um pouco e penso: Não, alguém tá tendo uma convulsão. Não, não era nada disso. Um rapaz levanta uma senhora do chão e a coloca na cadeira. Ela estava tonta. Penso então: Ah, ela deve ter passado mal e desmaiou. Normal em ônibus lotado.

Porém, percebo que a mulher está muito branca e tonta. Não parece um desmaiou qualquer. Então, em média durante 20-30 minutos, nós passageiros, vivemos em crescente preocupação. A mulher que desmaiou não conseguia falar e era difícil ficar acordada. Uma mulher tentava mantê-la desperta. Procura na sua bolsa por documentos e telefones de familiares. Consegue ligar para o pai dela. Acha-se a identidade da moça. Ela ganha um nome: Manuela.

E então, trânsito parado, ficamos sem saber o que fazer. Bombeiros, Samu, delegacia, hospital, o que fazer? Enquanto nos debatemos entre telefonemas e opiniões um nome ecoa pelo ônibus, Manuela. A mulher repete várias vezes: Manuela, não durma, não durma. Calma querida, estamos chegando. Manuela fala algo baixinho para a mulher: está uma confusão. Tudo confuso. Manuela apaga. Chegamos em frente ao hospital que seu pai havia indicado no telefonema. Manuela desce nos braços de dois rapazes. Completamente apagada e entra no hospital.

Depois disso, alguém diz: A gente não é nada na vida né? Risadas e descontração dentro do ônibus. Alguns minutos depois silêncio e a rotina de um coletivo às seis e meia da noite se restabelece. Segue viagem. Segue a vida.

Espero sinceramente que Manuela fique bem.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

quarta-feira, 21 de agosto de 2013


Minha alma as vezes parece ser um gigante preso no corpo de anão.
Ela se transborda.
E não cabe dentro de mim.

Minha alma as vezes parece ser um anão preso no corpo de gigante.
Ela se perde.
E sobram espaços dentro de mim.


#Poemetos

Sinto algo germinar em mim.
Sinto palavras na boca do estômago.
São pássaros nas pontas dos lábios.
Minha obra de arte tem livre arbítrio.
Ela escolhe o que será.
De mim ela só tem as mãos
E um pedaço da alma.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O ordinário.

Gosto do simples. Daquilo que facilmente passa despercebido. Aqueles instantes silenciosos. As demonstrações sem excessos. A troca de olhar entre uma mãe e seu filho que acaba de descer do ônibus e segue caminho para escola, enquanto que ela vai para o trabalho. Ou então aquela outra mãe que vai em pé e segura a mão da filha durante o percurso. A cara de espanto de uma criança quando vê algo que a surpreendeu e recebe do pai um sorriso. Duas crianças que dançam ao som de música nenhuma no meio da calçada. Três amigos dividindo um só guarda-chuva. Um gato brincando com uma barata. Aquela garota que chorava no banco do ônibus por debaixo dos óculos. A mãe que arruma o cabelo da filha com carinho. A despedida diária do pai que desce paradas antes dos filhos. O menino de rua que devolve o dinheiro que ganhou de esmola para ajudar o benfeitor que errou nas contas da caridade. A paciência do pai diante da irritação de sua filha. A coragem do meu sobrinho de insistir em apertar o botão da televisão e se assustar com a mudança dos canais. Ver um amigo gargalhar pela primeira vez. Andar pela chuva sem ter medo de se molhar. A garotinha que brinca de não pisar nas linhas da calçada. O movimento das ondas. O vento em frente ao mar. Coisas simples. Coisas grandiosas.

Foto: Jonas Araújo. (https://www.facebook.com/jonasaraujofotografia?ref=ts&fref=ts)




Faxina do cotidiano.


Fiz uma faxina no meu quarto e enquanto organizava tudo comecei a pensar na vida. Tinha po
eira por todo canto. Estava uma bagunça. Quando olhava para tudo aquilo me sentia desorganizada também. Então, decide limpar tudo. Iniciei tirando as coisas do lugar. Joguei muita coisa fora. Tinha tanto entulho. Coisas que acumulei. Vi que muita coisa não servia mais. Brincos sem pares. Papéis rasgados. Rabiscos sem sentido. Papel velho. Caixa de remédio. Objetos ultrapassados. Coloquei tudo em uma sacola e sacudi no lixo.

Quantas coisas acumulamos ao longa da vida? A maioria é inútil. Serve apenas para ocupar lugar e não possibilitar que outras coisas surjam. A novidade fica afastada por não ter mais espaço de tanta porcaria entulhada. Para quê acumulamos tanta coisa desnecessária na vida? A existência se torna pesada. Fechada. Congestionada.




Quando organizava a bagunça do meu quarto encontrei algumas coisas que não lembrava mais. Estavam largadas e escondidas pelos cantos do cômodo. Roupas caídas atrás da cama. Um colar antigo. O perfume. Documentos espalhados entre papéis emprestáveis. Coisas que juntava desde a infância mas nem recordava. Alguns juntei e despejei no lixo. Não me serviam mais. Estavam apenas ocupando lugar. Acumulando entulho. Outros guardei. Eles eram úteis.

Quantas coisas importantes esquecemos ao longo da vida? Algumas ainda são úteis para o presente, outras nem tanto. Tanta coisa boa soterrada pela quantidade enorme de inutilidade que juntamos no viver. Saber notar aquilo que ainda pode te servir no presente e o que não. Abrir mão do que não precisamos mais apesar de ter sido bom em outro momento. Quantas coisas perdemos no meio da desorganização que fazemos da vida?

Tive uma surpresa ao perceber a quantidade de moeda que tinha espalhada pelo quarto. Parecia até ser uma caça ao tesouro. No meio daquela poeira e bagunça encontrei algo valioso. Quantas coisas maravilhosas podemos encontrar na confusão da existência? Saber recolher tesouros a partir do caos é fundamental para o crescimento.

Não foi fácil limpar tudo. Durante o trabalho espirrei bastante e senti falta de ar. Era muita poeira. Porém, sabia que era necessário. Precisava limpar tudo, pois não aguentava mais tanta bagunça. Quantas vezes precisamos ao longo da vida ser fortes para ultrapassar ou alcançar algo? É preciso esforço para existir. É difícil, mas quem foi que disse que deveria ser fácil?

Hoje arrumei meu quarto e um pouco de mim.













segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tu te renovas todo o dia na angústia: Game of Thrones e o sofrimento humano.

"O caos não é um abismo. Caos é uma escada. Muitos que tentam escalar falham e nunca podem tentar outra vez. A queda quebra-os. Outros tem a oportunidade de subir, mas se recusam. Eles se agarram ao reino, ou aos deuses, ou ao amor. Ilusões. Apenas a escalada é real. A escalada é tudo que existe." 

 - Petyr Baelish (Mindinho), Game of Thrones.


Confesso que me arrepiei quando ouvi o personagem de Aidan Gillen pronunciar tais palavras. O diálogo entre ele - Mindinho - e Varys foi encantador e se encerra lindamente com o discurso acima. As cenas por detrás das palavras compõem um cenário inquietante e nos deixa pensativos. O caos e toda a sua desorganização nos é colocado como uma possibilidade de crescimento. O caos como escada e não como poço.

Ao pensar nessa frase reflito sobre o sofrimento humano. Quando nos sentimos triste parece que o caos se instalou em nossa vida. Tudo se desorganiza. O sofrimento nos desabriga da morada do ser. Sentimos um incômodo no próprio sentir. Frustrados. Decepcionados. Desiludidos. Ficamos bagunçados quando estamos em sofrimento. Confusos.

O caos é a primeira divindade a surgir no universo. Seu nome deriva do verbo grego χαίνω, que significa "separar, ser amplo". Caos parece ser uma força catabólica, que gera por meio da cisão, assim como os organismos mais primitivos estudados pela biologia. Enquanto Eros é uma força de junção e união. Caos significa algo como "corte", "rachadura", "cisão" ou ainda "separação". (Wikipédia).

Sim, parece que o sofrimento nos separa do mundo. Há uma rachadura na nossa história. Um corte é feito em alguma parte da vida. Seguíamos um curso e nos deparamos com uma encruzilhada sem saber qual caminho tomar. O sofrimento nos arrasa. Maltrata.

A grande questão é: não se pode existir sem sofrer. Não há ser humano no mundo e na história que não tenha sofrido. O sofrimento integra-se a existência humana. O homem sofre por ser humano. Não se pode atravessar a vida sem experimentar suas desilusões. Ser humano implica em sofrer. (Eugène Minkowski).

A vida está sempre sujeita a decepções. O amor, a arte, o trabalho, a política, a filosofia, todos decepcionam até que se aprende a adorá-los por sua natureza real e não por aquilo que se deseja deles. A vida não corresponde às expectativas e está sempre a desiludir. Não se pode escolher viver apenas os aspectos positivos da existência – prazer, alegria, felicidade - viver corresponde a estar em constante trabalho de luto. (Comte-Sponville).  

O caos não está dissociado da existência. Eles caminham juntos em comunhão. Um se entrelaça ao outro e são indissociáveis. Assim como o deus Caos cria a partir da cisão, o sofrimento transforma a partir do processo de desconstrução e reconstrução de sonhos. Por meio do sofrer coloca-se frente ao indivíduo o problema do sentido da vida. Possibilita ao homem o reconhecimento do aspecto humano de sua trajetória, ou seja, através do sofrimento tomamos contato com nós mesmos e com a existência. É a possibilidade de reencontro com o novo. É mudança. É o estabelecimento de um novo contrato com a vida. Repensar-se. Recriar a si mesmo.

Ter consciência de tal condição humana e aceitá-la não é tarefa fácil. Nem todos conseguem reconhecer no caos a possibilidade de crescimento, de subida a uma nova condição. Nem todos percebem o sofrimento como ferramenta de amadurecimento. Agarram-se às ilusões falidas. Vivem a fugir de si mesmo. Preferem permanecer na perturbação atual do que se arriscar na novidade. "O mais fácil nem sempre é o menos complicado" (Os famosos e os duendes da morte). Nos tempos atuais a felicidade é dada ao homem como direito, ou melhor, como dever. Tentar manter-se feliz incansavelmente é padecer dessa tarefa. Já estamos notando o quanto ser feliz interminavelmente é impossível. Estamos sofrendo por excesso de felicidade. Já diria uma antiga supervisora de estágio, "felicidade demais é desespero".

Alguns caem na tentativa de escalar e se quebram. E somente um minoria consegue recolher desses pedaços uma nova chance. Talvez a própria queda seja o que dê oportunidade de sucesso na subida. Algumas vezes precisamos quebrar para construir algo com mais saúde. Nem todos conseguem. É difícil, porém somente a escalada é real. Somente esse processo de renovação constante é real. A escalada é a única coisa que existe. A realidade é pegar ou largar, no caso do exemplo acima, é subir os degraus ou se manter no pé da escada.

Para concluir uso as palavras de 
Comte-Sponville, "Aquele que só amasse a felicidade não amaria a vida, e com isso se proibiria de ser feliz. O erro é querer selecionar, como nas prateleiras do real. A vida não é um supermercado, cujos clientes somos nós. O universo nada tem para nos vender, e nada diferente para oferecer senão ele próprio - nada diferente para oferecer senão tudo." 

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Bom dia!





Coloco o despertador para tocar às seis da manhã e até lá tenho nove horas. O que são nove horas para alguém que não acompanha os ponteiros do relógio? Uma eternidade. Enquanto não sei quanto tempo me resta tenho todo o tempo a minha frente. Quanto mais durmo menos poderei dormir. A ânsia de esperar pelo toque que marcará o fim preocupa meu sono. Perturba meus sonhos. Quando adormeço esqueço que vou acordar em breve, ou talvez não. Apesar de ser certo o fim não sei o momento exato do toque que irá me arrancar da cama. É a certeza do despertar na imprevisibilidade da hora.

Corro ainda o risco de levantar antes do despertador. Quando penso que estou seguro e que meu fim se encontra lá na frente algo me acomete aqui e agora, e então, acordo atordoado e vejo que ainda poderia ter descansado mais, porém não foi assim que aconteceu. Meu corpo, meus vizinhos, meus parentes, meu cachorro e sei lá mais o que decidiram atravessar o meu sono e romperam com meu roteiro.

Ao passar da noite penso em tudo e quase nada. Em um só momento sou passado, presente e futuro. Na noite em busca do adormecer me sinto além das amarras do concreto. Viajo pela minha história e tudo é laço. Somente assim cochilo. Quando durmo sigo em frente. Quando fico acordado, paro. E parece que as horas andam pra trás. É horrível ter insônia. Você se perde no passar dos dias. Fica preso na noite anterior. Se eu me deitar pensando na hora que vou acordar não consigo dormir bem. Se me deito achando que estou livre para dormir terei dificuldade de acordar. Uma boa noite de sono depende do equilíbrio entre o acordar e o poder dormir.

É inacreditável quando acordo um pouco antes do despertador, mas fico na cama curtindo o tempo que me resta. Sinto uma angústia e certa curiosidade para descobrir o quanto resta até as seis horas e fico pensando o que fazer nesse tempo. É pura ansiedade. Enquanto não confiro o relógio tenho todo o tempo do mundo. Pode ser dois minutos ou duas horas, não importa, eu ainda tenho tempo. A questão é: para fazer o quê?

terça-feira, 30 de julho de 2013

sábado, 27 de julho de 2013

Aquele espelho.

Enquanto te recostava no meu peito
Olhava para o espelho
E não reconhecia aquele corpo jogado.


Enquanto adormecia no calor dos meus braços
Eu pensava: O que faço?
Eu estava gritando no silêncio encerrado dos meus lábios.

Enquanto tu descansavas do toque
Eu fugia
Corri para dentro de mim.

Não percebeste, mas ali só havia pele.
Eu havia partido antes de dizermos adeus.







quarta-feira, 17 de julho de 2013

Um sorriso no rosto e dinheiro no bolso.

"Dinheiro não traz felicidade." Ele manda trazer ... 

Desculpe-me os pobres, mas dinheiro é fundamental. E não apenas pelo valor econômico, mas, principalmente, pela lógica do mercado de consumo no qual ele é produto e produtor. 


O tempo atual é definido por Zygmunt Bauman como Modernidade líquida. Um momento na história da humanidade onde a fluidez das experiências humanas impera. "O tempo não para." diria Cazuza, e ele estava certo, mas não fazia ideia do que estava por vir. Nosso momento histórico é entendido como um eterno fluir de possibilidades. Nada para. Tudo está em movimento. Temos diversas opções e jamais seremos capazes de contemplar todas elas. A cada conquista notamos que temos ainda muito o que fazer. Nos tornamos projeto, algo a ser sempre construído. Esse ponto não é opcional. Somos indivíduos e isso quer dizer que a constituição de nossa identidade é uma tarefa nossa que está fadada a nunca finalizar. Isso implica uma vida de escolhas e mais ainda de liberdade. 

Somos livres. É inegável esse fato. Somos responsáveis por nossas decisões. Precisamos escolher o fazer da nossa vida. Tudo depende de nós. As possibilidades estão a nossa frente e são muitas, diria até infinitas. A questão é: temos recursos para alcançá-las? Foi nos dado a liberdade, no entanto, nos retiraram os meios para concretizá-la. É depositado em nossas mãos a responsabilidade por nos criarmos, porém nos esqueceram de dar as ferramentas. Esses instrumentos, não se iludam, não serão encontrados dentro do seu ser apenas. No mundo do consumo precisamos comprar aquilo que dará a oportunidade de sermos livres de fato e não apenas constitucionalmente. Do que adianta ser livre se não posso escolher entre as milhares de opções que são postas a minha frente?

A partir daqui preciso parar um pouco e pensar, pois o pensamento que tenho pode se partir em três pontos, no entanto quero falar apenas de um. E quero dizer que todos, pobres e ricos, brancos e negros, homens e mulheres, adultos e crianças estão inseridos na lógica de consumo. Os bens físicos se tornaram fundamental para compor nosso dia a dia e a nossa identidade. Todos, ou pelo menos a maioria, já ouviram falar que vivemos no tempo que para ser é preciso ter e que para se ter é preciso comprar. E para comprar é imprescindível o dinheiro. Assim, meus caros, ter dinheiro, ou melhor, valor de compra é fundamental para se construir enquanto sujeito na contemporaneidade e isso, traz felicidade. 

Contudo, não falo apenas do ato comercial de comprar. Bauman é muito perspicaz quando diz que "Não se compra apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de imobiliário". Hoje vamos às compras em diversos aspectos da nossa vida que não incluem o comércio em si. Bauman ressalta "Se 'comprar' significa esquadrinhar as possibilidades, examinar, tocar, sentir, manusear os bens à mostra, comparando seus custos com o conteúdo da carteira ou com o crédito restante nos cartões de crédito pondo alguns itens no carrinho e outros de volta às prateleiras - então vamos às compras tanto nas lojas quanto fora delas (...)". Hoje saímos às compras para construir nosso modo de vida e a nossa identidade. E transitar com maior facilidade nesse mercado nos fornece felicidade. Alcançar um objetivo nos dá felicidade. Saber caminhar na lógica do consumo, em nossa sociedade, gera felicidade. Aqueles que se vêm fora desse contexto ou sem recursos objetivos para concretizar seus desejos muitas vezes filhos de um ideal mercadológico sentem dificuldade em participar da fatia da felicidade contemporânea. Necessitamos aprender a ir às compras na nossa vida.

Muitos dirão agora que os pobres também são felizes apesar das dificuldades de sua vida. Eu sei. E isso não contraria o meu discurso acima. Não digo que a felicidade é exclusividade dos ricos, ou daqueles que têm dinheiro. A classe baixa também está inscrita nessa lógica e todo dia sai ás compras, mesmo que sem dinheiro. E além do mais, a felicidade não é produto de consumo. Ela é um sentimento que surge de fontes indizíveis e não generalizáveis. Porém, negar que ter dinheiro traz felicidade é uma grande mentira. Como diria Machado de Assis "O dinheiro não traz felicidade — para quem não sabe o que fazer com ele".

A pobreza e a felicidade não estão em campos opostos. Só é preciso que exista o homem pra felicidade se fazer possível. Muitos de nós tende a olhar para o pobre feliz como um mistério inominável e depois dizemos o ditado acima com maior gosto sem perceber o quanto estamos sendo contraditórios. Lembro de um texto que meu professor Marcos Creder escreveu em seu blog com o título "Oscar Wilde e o sorriso do gari", ele termina da seguinte forma: "Certa vez, apontaram-me na rua um gari sorrindo – percebi, que não só aquele, mas muitos garis sorriem – foi um  sorriso altivo, debochado  tão provocador e corajoso como a alegria espontânea e solitária. A pessoa que me apontou disse-me: 'veja só que paradoxo!” Respondi com outra pergunta: “se é um paradoxo, quem teria permissão para alegria?'"


P.S: Para quem quiser ler o texto de Creder: http://literalmente-literalmente.blogspot.com.br/2013/07/vale-pena-ver-de-novo.html






domingo, 7 de julho de 2013

É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.



O pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry chegou às minhas mãos a mais ou menos três anos atrás. Desde lá venho mastigando uma  célebre citação da obra "Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas". Sempre que era pronunciada por alguém me causava certo incômodo. Eu ficava pensando o que as pessoas entendiam com essa frase e o que elas queriam dizer com isso. Ela é enunciada com muito fervor e certo tom de cobrança que me perturbam. Hoje tentarei comunicar o que me incomoda nessa frase.

"Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas". Após refletir um pouco decidi procurar o significado de cativar e fiquei surpresa: (V.t.) 1. Aprisionar ou fazer com que se mantenha cativo. 2. Tiranizar ou oprimir. 3. Aliciar ou atrair; alcançar ou receber a amizade de. 4. Atingir ou alcançar a afeição ou o apreço de. 5. Preservar no seu domínio; conservar. (V.pron.) 6. Estar ou ficar aprisionado ou cativo; aprisionar-se. 7. Deslumbrar-se ou fascinar-se; estimar-se. Acredito que o autor tenha se expressado mais pelo sentido número 4, porém os outros pontos abrem o campo de discussão. Depois procurei o significado de responsável e encontro: (adj. m+f.) 1. que é a causa de: ser responsável pelos erros. 2. que tem de tratar de algo, alguém: ser responsável pelos filhos. 3. que reflete antes de agir: um comportamento responsável. (subst. m+f.) 4. pessoa que dirige, decide: o responsável do serviço de vendas; um responsável político. E assim falarei um pouco sobre os sentidos e os questionamentos que tenho a cerca da frase.

Inicialmente quero falar da condição daquele que é cativado, ou seja, alguém que foi conquistado, atraído, seduzido, deslumbrado ou fascinado. O sujeito se vê entregue a outro. No entanto, seus afetos não garantem nada. Nosso sentimento pode ser o mais puro e verdadeiro, contudo, não garante que o outro nos retribua com seu amor. Começamos a nos envolver com alguém e depositamos nossas expectativas nessa relação. E, geralmente, nossa esperança é frustrada. O outro se mostra contrário aos nossos planos. "Muitos, constatando que a vida não corresponde às suas esperanças, vão então acusar a vida, censurá-la absurdamente por ser o que ela é (Como ela seria outra coisa?) (...)" (André Comte-Sponville). Jogamos no ombro do outro o fato dele não ter cumprido o acordo que nós selamos e assinamos por ele. Então, imagine o quão consolador é para o cativo dizer que o seu amado é responsável pelos seus sentimentos? Dizer que o outro é responsável por nossas expectativas não passa de uma ilusão que plantamos em nossa vida pra podermos suportar as desilusões. Assim, essa frase dita com esse posicionamento seria uma reivindicação manipuladora para tentar garantir o cuidado de quem nos desperta amor.

Existe também o lado do indivíduo que se sente responsável pelos sentimentos que desperta nas pessoas. Este é aquele que cativa. Preocupa-se pelos afetos alheios e sente que deve algo a pessoa. Sente que colaborou para o surgimento da paixão do par e culpa-se por não corresponder.  Nietzsche é bem claro quando nos fala o que se pode prometer, "Pode-se prometer atos, mas não sentimentos, pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder (...)". Nossos sentimentos não nos pertencem para dominá-los e conservá-los. A nós pertence as ideias e os sentidos, e esses agem sobre o que sentimos.  Não cabe a nós cuidar do sentimento do outro e nem nos pressionar para amar alguém. É como diz a música Trajetória, de Maria Rita, "Não há no mundo lei que possa condenar alguém que a outro alguém deixou de amar". Olhar para a citação do pequeno príncipe com esse pensamento é mentir para si e para o outro.

Nietzsche continua e diz que podemos garantir apenas a perpetuação de atos que demonstrem amor, e esses atos causarão a impressão de que ainda existe esse sentimento, no entanto, só se está alimentando uma aparência, prometemos assim a continuidade da aparência do amor. Agindo dessa forma mantemos o outro cativo, no sentido de prisioneiro, de uma ilusão. Mantemos ele sobre o nosso domínio com a ideia de conservar um engano para não colocá-lo diante da realidade. A realidade de que não podemos viver para suprir as expectativas de ninguém e de que ninguém tem esse dever conosco. Nós não somos tão poderosos assim para decidir o que deve ser feito com os afetos daqueles que cativamos. Não sejamos tiranos.

Ser responsável pelo que cativas implica em ser honesto. E isso quer dizer que em alguns momentos o sofrimento será inevitável. Não aprisionar o outro nas mentiras que contamos a nós mesmo para nos confortar. Ser responsável pelo que cativas é ajudar o sujeito a deixar de ser cativo, em outras palavras, libertá-lo e que ele passe a ser responsável por si mesmo. Para sermos responsáveis com quem cativamos temos que ser coerentes com o que sentimos. Antes de tudo necessitamos nos responsabilizar por nós mesmos. Compreender o que se passa em nós e que cada um possa cuidar daquilo que sente. A partir do que notamos de nós mesmo poder agir com outro para fortificá-lo e não mascarar uma situação. A decepção faz parte da vida. Dói, mas ninguém tem o direito de viver sem sentir dor. Com isso poderia se dizer: Tu te tornas eternamente responsável pelo o que fazes com os outros e não com o que eles sentem.

Diálogos III

: - Não fique assim. Não chore. Vai passar. Tudo passa nessa vida.

: - É exatamente isso que me perturba.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

N.R.F..L (:


É inacreditável, mas ainda são incontáveis as noites que vou dormir embalada pelo choro da saudade.

Ainda acordo e me questiono se é verdade que não mais existe a possibilidade de te encontrar por acaso. Às vezes nego que a nossa amizade tenha sido tão importante para mim. Transformo nossa história em um simples encontro de duas pessoas que nada tinham para compartilhar. Desde que foste embora não sei mais o que dizer sobre mim. Você me ensinou a falar do que não entendia e na tua ausência eu me perco de mim mesma. 

Compreendo a incompreensão do que digo, mas não consigo evitar. Não vejo sentido nessa dor. Luto para expulsá-la, porém ela está agarrada em mim. Não consigo abandoná-la. A dor te faz real. A dor foi o que ficou de nossa amizade. Culpa, raiva e desilusão são componentes do que sinto quando lembro do aconteceu.

Nesse momento me pergunto o por quê de tudo isso. Você foi real? Nós fomos reais? Será que a nossa amizade era assim tão essencial? Duvido de tudo que sinto. É muito confuso. Quase um ano de saudade. São 338 dias de completa incompreensão. E quem me ver andando por aí não sabe o buraco que carrego no peito por você e por todas as coisas que calei desde que foste embora. Nem eu sei mais o que tem dentro de mim. 

Os dez dias que marcaram a tua despedida me devoram por não ter feito nada pra impedir o inevitável. Tenho medo de falar e sentir essa culpa, essa falha. Estava tão perdida nesse tempo também que não pude ser firme e segurar a corda que me lançasse. Foram 10 dias que fechei os olhos e depois acordei em um mundo sem você. Esses dias vão me perseguir por muito tempo ainda e não sei se irão desistir de me atormentar. Enquanto isso, estou seguindo.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Sem palavras.

E nesse momento não encontro palavras para expor aquilo que me perturba. O vocabulário se torna escasso diante do tamanho da minha confusão. São sentimentos que se esbarram. Diversas emoções incompreendidas. Afetos que não conseguem se transformar em palavras e serem cuspidos. 

Meus amores se tornaram sem sentido por não ter sentido. Vejo apenas corpos que se tocam e nada transmitem. Relações sem cor. Pessoas que não transformam. Sentimento em vão. Energia que escoa e não renova. Tempo que vai e não devolve a magia em boas lembranças. Amores que não fazem história. 

A saudade que inflama. A ausência de diálogos que desnudavam a alma. O cotidiano era poesia. A dor compartilhada e recebida sem descaso, sem medo. Uma saudade que se arrasta, que arrasta pelos cantos da vida. 

O tempo que assusta. O inesperado que há no amanhã. O que será que vai ser? Como fazer para ser o que quer? O que se quer? As perguntas que ninguém pode responder. As respostas que não garantem nada. A vida que me engole e mastiga. 

O dia a dia que não tem lógica. Essa estrada que se alonga sem levar para lugar algum. Meu reflexo confuso. Vida que se fragmenta e não se sabe mais quem é. Rosto que caminha pelos sorrisos que encontra e divide. Face que se perde a cada nova tentativa de ser gente. 

Ando com meu corpo estranho pelos dias. Ele está repleto, pesado, cansado, doído e confuso. Um corpo sem compasso que vem perdendo o passo. Eu-corpo que não entende o que lhe fala a sua dor. Sofrimento calado que transborda sem sentido.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Uma sessão de terapia qualquer.

:- Gostaria que essa sala tivesse forte isolamento de som, assim, poderia gritar a vontade. Gritaria todas as dores, os males, as raivas, as magoas, os rancores, as tristezas, as angústias ...

:- Para ninguém ouvir.

:- Como?

:- Mesmo no grito seu sofrimento seria silencioso.

(A sessão descrita é fictícia).

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Minha vida. Minha morte.

Desde o início do curso de psicologia venho refletindo sobre suicídio. Esse tema me perturba. Grande parte das discussões que presencio sobre o assunto tratam-no como algo a ser excluído da existência humana. O suicida se transforma em um sujeito que precisa ser ouvido, acolhido e parado. Muitas vezes se finge uma compreensão sobre sua escolha. Ele é visto como alguém que não faz ideia do que está fazendo ou pensando. Há um combate contra esse ato, e até compreendo os motivos que arrastam os discursos para tais posicionamentos, mas é preciso ter calma e ir além da lógica que acreditamos que a vida tem.

Basicamente o suicídio gira em torno do sentido da vida. Diante de motivos diversos, o homem se vê vazio. Ele não suporta mais acordar todos os dias e perceber que sua vida não é nada. Ele simplesmente respira e caminha pelas ruas como um fantasma. Sua vida se transformou em dor. Para quê continuar no mundo? Que dor é essa que persegue e maltrata? Não enxerga possibilidades de mudança. Poderia até dá chance ao tempo, mas o sofrimento lhe tira a paciência.

Esse é o indivíduo que acaba sua vida frente grande dor. Outros se matam pelo simples fato de não querer vivenciar determinadas situações. Existem muitos casos de pessoas que se mataram antes de alcançar a terceira idade, pois não queriam envelhecer. Viveram suas vidas bem e quando acreditaram que estava na hora, puseram fim. Simples, porém complexo. Não posso dizer que não houve sofrimento nessas decisões, contudo, nota-se a diferença entre os dois casos. Ambos falam do sentido da vida, da sua ausência e da dificuldade de continuar sem tê-lo.


No livro Na presença do Sentido, de João Augusto Pompeia tem uma passagem que fala sobre o assunto. O autor traz como referência para o trabalho do psicoterapeuta o cuidado com o sentido da vida. Nós, psicólogos, estamos voltados para esse aspecto, assim como o médico volta-se para a vida. Para tal reflexão, usa dois exemplos. O primeiro fala de um suicida que diante do vazio da sua existência salta de um prédio para encontrar o concreto e calar sua dor. O outro caso é a história de Martim Moniz (1147). Um personagem português que é considerado herói já que deu sua vida para garantir a batalha entre portugueses e mouros. Teve seu corpo machucado, esmagado e morto, mas manteve vivo seus ideais. 

Pompeia, com os dois exemplos, afirma que a morte de Martim Moniz, revela o exato contrário do suicida anônimo: "a vida tem sentido demais, e preservar o sentido é mais importante que a conservação da vida. Para ele, o significado é o que mais vale, e pelo significado ele se sacrifica. Um deles diz que elimina a vida por que ela não tem sentido nenhum. O outro diz que aceita morrer, se isso for preciso para preservar o sentido pelo qual ele viveu."

Quero dizer que ambos falam da mesma coisa. Que os dois não estão em desacordo. O primeiro exemplo também fala de um sacrifício pelo sentido. Comunica a importância e o valor inexprimível de um significado para sustentar a vida. Aquele que salta do prédio, pula por um sentido. Sim, ele também nos fala que preservar o sentido é mais importante que a conservação da vida. Ele é um defensor tão feroz e honrado do significado da vida quanto o herói. Elimina a vida, pois não possui mais sentido. Ele nos faz questionar o que nos mantêm vivos. Nos recoloca em contato com nossas razões para existir. Ele fortalece a vida, pois nos fala da morte. A morte como algo que nos pertence. É tão nossa que podemos encontrá-la a nossa vontade. 

É preciso respeitar o direito do ser humano de morrer. De se tirar da vida, já que a vida parece não mais lhe interessar. Existem várias razões para o choque diante da temática do suicídio. Refletir sobre é fundamental para pensarmos o nosso cuidar. De que maneira estamos olhando para o sujeito que escolhe morrer? Se trabalhamos com o sentido, o que fazemos com quem o perdeu? Vejo que com o suicida ainda trabalharemos com o sentido, porém com o sentido da morte, do morrer. O autor diz que, eventualmente, poderemos encontrar um "psicoterapeuta junto de um paciente terminal, ajudando-o na preservação de um sentido até o fim, e, de certa forma, facilitando seu morrer". Não será o suicida um paciente terminal? Imagino o desconforto que tal comparação possa causar, pois enquanto existe vida, há possibilidades, mas o que é a vida mesmo? O que faz a vida? Talvez, trabalhando o sentido do morrer, desse vazio, o sujeito possa se reencontrar com a vontade de viver. Contudo, não seremos guiados nessa perspectiva. Cada um sabe de sua vida e de sua morte. 

E para terminar, quero falar desse anônimo que saltou para o esquecimento. Escolheu morrer e com isso sua história foi apagada. Tornou-se um suicida, mais um. Não possui mais nome. Não será herói. É visto como mais uma morte que não entrará nas estatísticas. Será conhecido como o arauto da morte. O não falado. Uma morte sem sentido que não vale a pena sentir. Para a sociedade foi nisto que se tornou aquele que pulou. Façamos diferente.






O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...