quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O despertar da angústia (Nathalia Lins e Andreza Crispim)

De repente o sol dormiu. De repente as flores murcharam. De repente não mais chovia. De repente era outono. De repente ela acordou e sentiu sua alma arder. De repente, sentiu que tinha alma.

E foi então ali que tudo começou. Ela não saberia dizer como ou por que, nem mesmo lembrava o que acontecera antes daquele dia áspero de início de outono. Finalmente a clareza do incontestável se fez notar e ela não pôde mais negar a sua incompletude. Sentou, acendeu um cigarro de baunilha e mergulhou na sua apologia a solidão. Lançou o olhar, então, para norte, sul, leste e oeste. Parecia procurar alguma coisa no ar. Deliberadamente ouviu no vento uma voz sussurrando, era ela murmurando sua dor não doída. Nesse momento, percebeu que as borboletas que embelezavam o parque durante a primavera e o verão já não estavam mais lá, sobrevoando as flores. Enquanto isso, as folhas que estavam espalhadas pelo chão continuavam sendo levadas pela brisa gélida. Algumas caíam no rio, outras ficavam simplesmente bailando no ar ao ritmo do vento. Flores murchas e galhos de árvores nus eram tudo o que se via. A natureza seguia seu curso e ela estava lá, perdida dentro de si.

Em vão imaginava onde estivera enquanto o tempo passava sem freio. Por que tinha que ser ali, naquele instante e não em outro? Por que tem que viver aqui e agora? Ela quer viver o ontem e o amanhã idealizado. Não conseguia recordar para onde olhara enquanto percorria a longa estrada sem observar as mudanças da paisagem através das estações. Agora tudo era cinza, agora o céu era outono. Ela tentava ignorar, mas a verdade é que o outono sempre esteve lá.

Não sabia o quê ou quem era, nunca mais soube. Não se entendia e não entendia o outono, nunca o entendeu. Pelo tempo que passara flutuando e não percebera o mundo criado e recriado abaixo de seus pés. Por hibernar numa redoma platônica que se acomodou em chamar de realidade. Por se refugiar num eu que se distorcia a cada tentativa de externar-se. Uma mixórdia de sensações como nunca antes experimentadas. A percepção de si mesma projetada em sua mente, clara como um mar cristalino sob o sol de néon de outrora. A percepção do mundo como um quadro em branco ou um livro sem palavras. Nada parecia existir por si só. O ser sem estar, o estar sem ser. Parecia sufocar. Era como pesadelo corroendo o sono em noite fria. Os olhos, voltados para dentro, precisavam mostrar afora algo que ainda não havia sido encontrado. Parecia paradoxo.

Lembranças permeavam sua mente. De repente notou que sua vida poderia ter sido diferente. A liberdade de escolha te aprisiona na incerteza dos fatos e te deixa, muitas vezes, paralisado diante das possibilidades. Somente ela era responsável, não podia culpar ninguém, não podia contar com ninguém. Liberdade sufocante.

Será que é preciso sufocar em angústia para não tropeçar entre os trilhos na contramão? É preciso arrancar os olhos para que eles não sangrem? É preciso cravar a adaga no peito de quem se é de verdade pra poder seguir em frente?

“Pois, só quem se olha no espelho toda manhã conhece a dor de ser o que realmente se é”, pensou ela, antes de arrancar a adaga que a corroía e atirá-la contra o espelho.

Um comentário:

O céu que arde na terra.

Celeste nasceu em noite estrelada. Filha única de um casal maduro que já havia perdido a esperança de procriar. Celeste nasce como um milagr...