O pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry chegou às minhas mãos a mais ou menos três anos atrás. Desde lá venho mastigando uma célebre citação da obra "Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas". Sempre que era pronunciada por alguém me causava certo incômodo. Eu ficava pensando o que as pessoas entendiam com essa frase e o que elas queriam dizer com isso. Ela é enunciada com muito fervor e certo tom de cobrança que me perturbam. Hoje tentarei comunicar o que me incomoda nessa frase.
"Tu te tornas eternamente responsável pelo que cativas". Após refletir um pouco decidi procurar o significado de cativar e fiquei surpresa: (V.t.) 1. Aprisionar ou fazer com que se mantenha cativo.
2. Tiranizar ou oprimir.
3. Aliciar ou atrair; alcançar ou receber a amizade de.
4. Atingir ou alcançar a afeição ou o apreço de.
5. Preservar no seu domínio; conservar.
(V.pron.) 6. Estar ou ficar aprisionado ou cativo; aprisionar-se. 7. Deslumbrar-se ou fascinar-se; estimar-se. Acredito que o autor tenha se expressado mais pelo sentido número 4, porém os outros pontos abrem o campo de discussão. Depois procurei o significado de responsável e encontro: (adj. m+f.) 1. que é a causa de: ser responsável pelos erros. 2. que tem de tratar de algo, alguém: ser responsável pelos filhos. 3. que reflete antes de agir: um comportamento responsável. (subst. m+f.) 4. pessoa que dirige, decide: o responsável do serviço de vendas; um responsável político. E assim falarei um pouco sobre os sentidos e os questionamentos que tenho a cerca da frase.
Inicialmente quero falar da condição daquele que é cativado, ou seja, alguém que foi conquistado, atraído, seduzido, deslumbrado ou fascinado. O sujeito se vê entregue a outro. No entanto, seus afetos não garantem nada. Nosso sentimento pode ser o mais puro e verdadeiro, contudo, não garante que o outro nos retribua com seu amor. Começamos a nos envolver com alguém e depositamos nossas expectativas nessa relação. E, geralmente, nossa esperança é frustrada. O outro se mostra contrário aos nossos planos. "Muitos, constatando que a vida não corresponde às suas esperanças, vão então acusar a vida, censurá-la absurdamente por ser o que ela é (Como ela seria outra coisa?) (...)" (André Comte-Sponville). Jogamos no ombro do outro o fato dele não ter cumprido o acordo que nós selamos e assinamos por ele. Então, imagine o quão consolador é para o cativo dizer que o seu amado é responsável pelos seus sentimentos? Dizer que o outro é responsável por nossas expectativas não passa de uma ilusão que plantamos em nossa vida pra podermos suportar as desilusões. Assim, essa frase dita com esse posicionamento seria uma reivindicação manipuladora para tentar garantir o cuidado de quem nos desperta amor.
Existe também o lado do indivíduo que se sente responsável pelos sentimentos que desperta nas pessoas. Este é aquele que cativa. Preocupa-se pelos afetos alheios e sente que deve algo a pessoa. Sente que colaborou para o surgimento da paixão do par e culpa-se por não corresponder. Nietzsche é bem claro quando nos fala o que se pode prometer, "Pode-se prometer atos, mas não sentimentos, pois estes são involuntários. Quem promete a alguém amá-lo sempre, ou sempre odiá-lo ou ser-lhe sempre fiel, promete algo que não está em seu poder (...)". Nossos sentimentos não nos pertencem para dominá-los e conservá-los. A nós pertence as ideias e os sentidos, e esses agem sobre o que sentimos. Não cabe a nós cuidar do sentimento do outro e nem nos pressionar para amar alguém. É como diz a música Trajetória, de Maria Rita, "Não há no mundo lei que possa condenar alguém que a outro alguém deixou de amar". Olhar para a citação do pequeno príncipe com esse pensamento é mentir para si e para o outro.
Nietzsche continua e diz que podemos garantir
apenas a perpetuação de atos que demonstrem amor, e esses atos causarão a
impressão de que ainda existe esse sentimento, no entanto, só se está
alimentando uma aparência, prometemos assim a continuidade da aparência do amor. Agindo dessa forma mantemos o outro cativo, no sentido de prisioneiro, de uma ilusão. Mantemos ele sobre o nosso domínio com a ideia de conservar um engano para não colocá-lo diante da realidade. A realidade de que não podemos viver para suprir as expectativas de ninguém e de que ninguém tem esse dever conosco. Nós não somos tão poderosos assim para decidir o que deve ser feito com os afetos daqueles que cativamos. Não sejamos tiranos.

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