sábado, 9 de março de 2019

Quando chegar é só bater na porta que lhe recebo.

No meu consultório não há campainha, ou seja, o cliente precisa bater na porta quando chega. No início pensava em providenciar uma, mas hoje, é algo que adoro e não tenho intenção de mudar. Percebi que cada cliente tem uma batida diferente e nesse bater já escuto muito do que ele tem a me dizer. Tem aquele que bate tão devagar que preciso estar atenta para ouvi-lo chegar. É uma batida singela, delicada e tímida. Já tem aquele que quando bate levo um susto, pois é forte, firme e brusca. Há aquela que bate e já vai tentando abrir a porta, por mais que saiba que deixo a mesma fechada com chave. Tem os que brincam com a batida e lançam uma música (às vezes chegam sem brincadeiras). Há os que chegam tão cedo que nem batem na porta, esperam na frente para quando o cliente anterior sair.

Adoro esperar o próximo toque. No bater da porta já me sinto em relação com a pessoa que chega. Há quem dê apenas uma batida, há quem dê mais de uma. Tem quem bata com a mão aberta, outros com a mão fechada e aqueles que só tocam as pontas dos dedos (Sim! Dá pra notar as diferenças). Existe o toque ansioso que anuncia urgência. Há o inseguro que pede cautela. A Psicomotricidade relacional me ensinou que o corpo tem discurso próprio e a linguagem corporal é a forma de comunicação mais primitiva do ser humano. O gesto se transforma em palavra. A motricidade é a primeira manifestação de vida que temos. É através dela que inicialmente procuramos entrar em relação e nos comunicar com o mundo. O corpo reflete a vida psíquica do sujeito.

Abrir a porta depois do toque e estar ali, cara a cara, e receber o impacto da chegada. Adoro receber cada um na porta e notar qual o impacto que essa pessoa causa em mim? Psicologia, e em especial, psicologia clínica diz respeito aos detalhes. Estamos o tempo todo dando indícios de nós mesmos em cada gesto e atitude. Por mais que estejamos perdidos ou até negligenciando nosso eu, não conseguimos escapar de nossa essência e de nossa verdade. Ela escorre e transborda no olhar, na roupa, no arrumar do cabelo, no toque, no tom da voz, no bater da porta, no cheiro, na forma de andar e etc. Não escapamos nunca de quem somos. 

Somos, indiscutivelmente, seres que se constituem em relação. Vitor da Fonseca anuncia "A sociedade é para o homem uma necessidade orgânica". Desde a nossa concepção que estamos em relação e ela será a base da nossa subjetividade e vida psíquica. A presença humana ressoa diante de outra pessoa humana. Cada sujeito que chega até nós causa um efeito interno. Não há como sair ileso de um encontro entre seres humanos. Sempre seremos tocados. Em psicoterapia, busco ficar atenta em como aquela presença humana ressoa dentro de mim. De que maneira esse cliente me impacta? Como me sinto diante desse indivíduo? É assim que posso trocar autenticamente com ele. Somente quando me conecto com minha humanidade é que posso alcançar e compreender a humanidade do outro. É difícil não se perder e aprender a filtrar, mas gosto de acreditar na honestidade dos afetos. Psicoterapia não é uma relação linear. Gosto de pensar que estamos em diálogo. Construímos juntos o processo. Participo ativamente, afinal de contas, estou ali, presente. Assim, como o cliente que está diante de mim, sou um sujeito humano com necessidades e desejos. Cuidar da minha subjetividade é zelar pelo processo terapêutico de quem me procura. Fico curiosa pensando: Como será que é minha batida na porta? Infelizmente, no consultório da minha psicóloga tem campainha. Mas como disse anteriormente, não escapamos nunca de quem somos e estamos o tempo todos mostrando para o mundo nosso eu. Ela, volta e meia, brinca comigo e diz: "Eu escuto você chegar já quando vem subindo as escadas e suas respiração forte na porta."Às vezes, chego sem alarde. E é nesse encontro entre duas subjetividades diferentes que se constitui o processo terapêutico.  

Andreza Crispim
Psicologia Clínica CRP 02/17314
Psicomotricidade Relacional


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