segunda-feira, 7 de setembro de 2015

As primeiras relações e seu papel no desenvolvimento infantil.

"Desça meu filho. Confie em si mesmo, rapaz. Eu num mandei você descer?!"

Ao escutar isso às 6h30 da manhã no meio de um ônibus lotado fico emocionada e encantada. Primeiro porque pensei que a mãe ia terminar o discurso na segunda frase "Confie em si mesmo, rapaz", depois por ela ter continuado e a explosão de ideias que surgiram na minha cabeça. Logo quando ouvi pensei: que coisa mais contraditória. Porém, passado algum tempo, refleti que essa sentença relatava a importância das figuras parentais no desenvolvimento infantil. Vou tentar explicar um pouco da minha ideia. 

Quando nascemos não estamos preparados para a vida em sociedade. Somos lançados em um mundo que exige de nós certos comportamentos. Precisamos aprender a conviver com os outros e com as regras e as normas sociais. A medida que crescemos nossos pais, ou aqueles que cumprem esse papel, vão nos inserindo nesse contexto complexo de relações e de auto descoberta, pois é na relação com o mundo e com as outras pessoas que vou percebendo sobre mim mesmo (ou me perdendo). Enquanto criança, experimentando e conhecendo essa experiência de ser humano preciso da afirmação de meus pais. Necessito que eles me permitam desbravar e desvendar os conteúdos e mistérios que existem por ai. Acabei de ver um vídeo de uma colega, onde seu filho, com menos de um ano, sai engatinhando pela areia da praia em direção ao mar. Ela acompanha tudo. A criança vai em disparada, chega no meio do caminho para e olha para trás. Vê que sua mãe ( e talvez seu pai também) a está observando, acena para ela (eles) e continua em frente. Ele precisou verificar se sua mãe (pais) estava ali, possibilitando o seu explorar, cuidando e acompanhando com o olhar, afirmando esse movimento de descoberta e aprendizagem, de ousadia e coragem. 
 As figuras paternas e maternas são a principal fonte de onde bebem os bebês para acessar ao mundo e consequentemente a si mesmos. Ninguém se constitui sozinho. É sempre em relação que vamos construir nossas qualidades e defeitos. Nossas mais íntimas características. Com o tempo, vamos ganhando mais poder de atuação e afirmação sobre nós mesmos, mas no começo, lá no começo da nossa história, não somos tão independentes assim. Somos imensamente dependentes, e precisamos ser. No meio dessa dependência e o modo como ela vai sendo vivida encontramos saídas. Imagino como deve ter acabado a engatinhada voraz do pequeno Bernardo. Até onde ela permitiu que ele fosse? Como ele foi retirado dessa empreitada? Ah, são tantas coisas para sempre pensadas, ou melhor sentidas. A criança pequena, mas do quê o adulto, se guia pelo sentimento. 

Algo parecido, de certa forma, ocorreu com meu sobrinho. Conta minha cunhada que ele estava brincando de chutar a bola em uma árvore no meio do parquinho. Meu irmão e ela estavam a certa distância observando tudo. Vinícius, meu sobrinho, estava inteiramente envolvido no seu brincar (como geralmente as crianças estão) e de repente, interrompendo aquela atividade de imenso prazer, rompendo com a linha do desejo e querer, a bola estoura. Meu sobrinho para assustado e de imediato vira para trás a procura dos pais. Esses estavam observando de longe, assim como minha colega, acompanhando com o olhar e permitindo seu movimento. Meu irmão ao ver o filho olhando pra eles com aquela cara de assustado diz "estourou papai, a bola" Vinícius cai no choro e corre para receber o conforto dos dois. Aqui, os pais precisam estar presentes para fortalecer o filho. Ajudá-lo a suportar a perda. Colaborar com o processo de aprendizagem sobre as frustrações. Naquele dia o parquinho terminou um pouquinho mais cedo e ele não levou a bola de volta pra casa. Fico aqui pensando como iria terminar se ao estourar a bola e se virar, meu sobrinho não encontrasse o olhar dos pais? Esses estivessem observando qualquer outra coisa. Como seria para ele?

A mãe quando disse ao seu filho, "Desça meu filho. Confie em si mesmo, rapaz. Eu num mandei você descer?!", não estava se contradizendo, muito pelo contrário. Estava afirmando a importância que tem para a construção da autoconfiança do filho. Aqui ela se fez presente e assumiu sua função. É fundamental que os pais saibam o quanto são colaboradores no processo de personalização de suas crianças. São os pais que dão, inicialmente, as condições, saudáveis ou não, para o desenvolvimento da autoestima e autoconfiança dos pequenos. Não é apenas no discurso que essa influência se faz presente, na verdade, ela ultrapassa o uso das palavras. É no modo como a relação se dá. Na forma como os pais se colocam diante do filho, do mundo e dos outros. A criança para além da linguagem ela capta as atitudes, os desejos satisfeitos e os insatisfeitos. Não é tarefa fácil relacionar-se, vamos admitir. Porém, a coisa boa, é que sempre há tempo para mudar. Para ampliar-se e o melhor, aprender.

Foto: Jonas Araújo

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