quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Para além do desejo familiar: O processo de orientação profissional e o encontro com o próprio desejo.



La luna é um curta de animação feito em parceria pela Disney e a Pixar no ano de 2011. Sugiro que o leitor antes de continuar a leitura assista ao vídeo, pois ele é fundamental para o assunto que irei discutir. Quero falar sobre escolhas, em principal a escolha profissional. Dentro dos campos de atuação da psicologia existe a orientação profissional, também conhecida como orientação vocacional, e esta procura facilitar e colaborar com o processo de decisão do consulente frente ao cenário trabalhista. Geralmente, o serviço de orientação profissional é utilizado por jovens adolescentes que se sentem confusos e despreparados diante das diversas possibilidades do mercado. O processo de orientação profissional ajuda ao sujeito a se perceber refletido nas suas escolhas e notar quais sentidos rodeiam as suas decisões. Não trata-se apenas de uma profissão, mas de reconhecer-se como ser agente de escolha e responsável pela construção do seu projeto de vida. O orientador trabalhar como um facilitador desse processo, jamais impõe qual o melhor caminho para o consulente. Trabalha-se com o cliente e não para o cliente, assim não há modelos prévios. O trabalho funciona como um desocultador do desejo do sujeito dentre as diversas influências que podem ocultá-lo. Decidir embasado no seu próprio desejo desperta maior entusiasmo para a realização dessa escolha e provoca maior satisfação e felicidade pessoal.

Nessa perspectiva de trabalho, o jovem é reconhecido como ser ativo e atuante dentro da sua história sendo não só capaz de realizar escolhas como também é responsável por elas. Contudo, existem diversos fatores que influenciam as decisões e que podem levar à escolhas precipitadas que não estão em sintonia com o desejo do sujeito, dentre esses cito, questões econômicas, necessidade de reconhecimento do outro, a representação social de determinadas profissões e as pressões e os desejos dos familiares. Pretendo focar o texto no debate do último aspecto, as pressões e os desejos dos familiares, para isso usarei o curta La luna como ilustração do assunto.

Goethe, tem uma bela frase que diz o seguinte, "O que herdaste dos teus pais, adquire, para que o possua". Todos nós reconhecemos a importância que as figuras paterna e materna tem na nossa vida e o quanto o nosso modo ser e perceber o mundo recebe influencia dos seus ensinamentos e comportamentos. Quando somos crianças tendemos a ver o mundo pelos olhos de nossos pais, a medida que vamos crescendo percebemos que nem tudo aquilo que eles falavam ou vivenciavam pertence ao nosso querer. Começamos a descobrir que queremos coisas além daquelas que eles desejam para nós. No entanto, a presença deles continua muito forte em nosso ser, e temos dificuldades de nos libertamos e anunciarmos a nossa independência de seus sonhos. O nosso desejo pessoal perpassa pelo desejo de satisfazê-los e tal questão gera confusão e sofrimento. Assumir a própria felicidade não é tão simples quanto parece, principalmente quando ela pode vir ligada a decepção dos nossos pais. 


O processo de lapidação de distinção entre aquilo que quero para a minha vida e o que meus pais querem para mim não é fácil. O curta mostra de maneira muito sensível o quanto os ideias e desejos familiares perpassam as nossas vontades e como precisamos nos harmonizar com aquilo que parece ser o mais adequado conosco. Nem tudo que vem da nossa família é aceito e assimilado por nós, algumas coisas precisarão ser descartadas. O vídeo começa com um garotinho em uma viagem num barco com mais dois homens que supostamente são seu avô e seu pai. O garoto ganha um chapéu de seu pai, e fica claro que aquele chapéu representa não só um momento de passagem para outra fase na vida do garoto como também uma tradição familiar. Imediatamente pai e avô tentam fazer com que o garoto use o chapéu à maneira que cada um deles usava, nessa disputa o pai sai na frente e vence, o garotinho passa a usá-lo como ele. O menino observa os gestos dos dois homens de referência e reproduz como se fosse uma brincadeira. Brincando de se encontrar no outro.

O garotinho se depara com algo novo, ele descobri o trabalho do pai e avô e é iniciado na profissão. Novamente cada um deles tentam convencer e ensinar ao jovem a maneira pessoal como eles trabalham. O garoto percebe algo interessante, como as ferramentas se assemelham a cada um deles. E aqui aparece algo interessante, como o trabalho reflete o modo de vida de cada sujeito. O trabalho é visto como uma extensão da própria pessoa, mais uma forma dela manifestar a ela própria. O quanto a escolha de uma profissão está ligada a escolha de um estilo de vida e de ser pessoal. A maneira como escolhemos, mas principalmente como desempenhamos nosso ofício revela o nosso projeto existencial. O menino percebe que mesmo exercendo a mesma profissão cada um a desempenha da sua maneira.

Diante de uma dificuldade que os adultos não conseguem solucionar, o garoto pode experimentar formas pessoais de fazer aquela função. Ele posiciona o boné de modo diferente do avô e do pai e se arrisca no inesperado. Consegue resolver o problema e é nítida a satisfação que sente por estar ao lado dessas pessoas tão representativas. Recebe o respeito e carinho de seu pai e avô e todos admiram o resultado de seus trabalhos. 

Pode-se pensar também com base nesse vídeo como muitas vezes o trabalho se torna uma espécie de tradição familiar.  Cada membro leva a diante o exercício profissional daquela rede de pessoas. Existem famílias que adoram dizer, "somos uma família de médicos" ou "na nossa família só tem professores" e o trabalho passa a ser uma característica da família, algo que a define. Agora imagina como deve ser difícil para um jovem que no meio de uma família que se define como médicos querer fazer filosofia? Em La luna o garoto, ainda muito jovem, gostou e encontrou prazer no ofício desempenhado pelos familiares, mas dá pra notar o quanto ainda há nele o encantamento pelas figuras do avô e do pai, ainda há muito do desejo de satisfazer o outro na sua escolha, mas ele está feliz nesse momento. Que hoje seja assim, então.











  

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