Ano passado fui apresentada por um amigo ao anime Fullmetal alchemist. Com 51 episódios foi uma adaptação da série de mangá escrita e ilustrada por Hiromu Arakawa, (para maiores informações sobre o anime pode-se começar por aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fullmetal_Alchemist). Sem dúvidas fiquei impressionada e muito tocada pelo enredo do desenho e desde que acabei penso em produzir algo que fale da história dos irmãos Elric. Assim, pretendo falar um pouco sobre as impressões que tive ao longo da trama e tomarei cuidado para não expor tanto o anime àqueles que não o viram. Recomendo a todos que assistam, mesmo que se achem adultos demais para desenhos animados, ficarão surpresos com o conteúdo e as reflexões dessa obra.

A problemática do anime começa quando os irmãos inconformados com a morte da mãe tentam trazê-la de volta a vida através da alquima. Algo errado acontece e eles sofrem fortes consequências por essa tentativa. Esse fracasso muda as suas vidas e a partir disso entram numa busca desenfreada para reaver o que perderam. A lei da equivalência rege o princípio da troca equivalente e ela exige que para se criar algo é preciso de outra coisa do mesmo valor. O que seria necessário então para trazer de volta a vida uma pessoa amada? Parece não haver resposta para tal e talvez a única saída seja encontrar algo que ultrapasse essa lei, e eis que surge a pedra filosofal que permite a realização da alquimia sem a submissão à lei da equivalência. Os jovens irmãos, então, saem em viagem a procura dessa alternativa.
Vemos nos episódios que se seguem as consequências dessa primeira situação e como os irmãos Elric sofrem por terem perdido a mãe, mas principalmente por terem tentado reverter algo impossível. A morte é a única certeza que o homem possui e o quanto nos assusta e dói essa verdade. Para aqueles que ficam resta apenas o luto. O trabalho de luto pertence a natureza humana e não se restringe apenas à morte, estamos o tempo todo em trabalho de luto. Comte-Sponville afirma que há luto sempre que há perda, recusa e frustração. É inegável que a tentativa de ressuscitar a mãe foi fruto da recusa de aceitar a perda e o quando é frustrante se ver com 11 e 10 anos de idade órfãos. O autor continua e diz que o luto marca a insatisfação por sermos contrariados pela realidade que nos machuca tanto quanto estejamos apegados à aquilo que nos é retirado. Através da morte encaramos que somos humanos e não deuses. Triste é esquecermos disso e passarmos a viver a vida com a ilusão de que ela não terá um fim. O luto nos coloca em contato com a nossa condição de mortal. Os irmãos Elric aprenderam essa lição do jeito mais duro. Ao tentar driblar a morte desencadearam uma série de consequências inacreditáveis que o levaram a amadurecer e a lidar com um sofrimento imenso.

Outra lição muito importante que aprendi com o anime foi a questão da lei da equivalência e o quanto ela só serve para a alquimia. Essa lei é central durante o anime e vemos Edward se debater e esforçar-se para viver segundo esse princípio. Ele acredita que a lei da natureza humana é tal qual guiada pelo princípio da troca equivalente. E se questiona, "O que obteve em igual valor diante das dificuldades da sua vida?". A grande questão que descobri no finalzinho do anime e acredito que Edward tenha compreendido também foi que na vida não existe isso de troca equivalente. Revoltados pelas perdas e injustiças gritamos para o mundo "NÃO É JUSTO!", mas a vida não se trata de justiça. O real não se preocupa em ser justo. Ele é o que é, e nós não podemos exigir nada dele, pois ele não nos deve nada. Ao ver o anime e ficar também me perguntando "Cadê a contrapartida? O que eles estão recebendo em troca de tudo isso?" vi o quanto ainda tenho a ilusão de que o mundo me deve algo, de que minhas ações serão retribuídas em igual intensidade. Dar-se conta disso não é fraqueza e vejo isso refletido na história dos jovens alquimistas.
A música Bratja (Brothers), feita especialmente para o anime estabelece um diálogo entre os irmãos simplesmente emocionante. Em um pedaço da música o irmão mais velho, Edward, pede perdão para o caçula, Alphonse, pois sente-se culpado diante de tudo e pede resposta para aquele que conhece a lei da existência, pois aprendeu que não há remédio para a morte. Penso que a própria vida é quem pode dar às respostas sobre a morte e estas estão ligadas ao trabalho de luto. Em outro momento da música eles se questionam se devem esquecer tudo o que aconteceu e continuar a viver assim, na condição em que eles se encontram. A vida parece insuportável para àqueles que sobrevivem a morte de um ente querido. A dor invade todos os espaço da vida do sujeito e parece ser impossível voltar a ser alegre novamente. Edward e Alphonse estão em condições extremas, mas o quanto fica claro no anime a impossibilidade de reaver as coisas do jeito que já foram um dia. A vida nos força a caminhar para a frente, e é algo que eles precisarão aprender. E que eles consigam prosseguir ...
A música Bratja: