terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Conhece-te a ti mesmo.

- Deixe-me lhe dar um conselho, bastardo - disse Lannister.- Nunca se esqueça de quem é, por que é certo que o mundo não se lembrará. Faça disso sua força. Assim, não poderá ser nunca a sua fraqueza. Arme-se com esta lembrança, e ela nunca poderá ser usada para magoá-lo.
(A guerra dos tronos).

E com estas palavras Tyrion Lannister, um anão, aconselha Jon Snow, um bastardo. O que lhe diz é apenas para apoderar-se de si. Reconhecer-se e carregar-se pelos caminhos tortuosos da vida. Saber quem se é para poder se fortalecer. Jon Snow é um bastardo e ser um bastardo implica uma postura da sociedade. Ele será tratado com desprezo por possuir tal rótulo. Um rótulo que é reflexo da linguagem de uma época. Um conjunto de crenças construído para um intuito que passa despercebido aos olhos daqueles que o carrega. Ao nascer fora de uma relação conjugal reconhecida já se talha o destino e se pinta um caráter, mas na verdade nada diz sobre o sujeito que carrega essa marca, que insisto em dizer, não é dele, mas de uma sociedade.

No entanto, não se pode negar que ele é um bastardo, mas não apenas isso, e principalmente, que ser bastardo não o define e nem o limita. Mas em todo seu ser ele é também um bastardo e fugir dessa verdade irá enfraquecê-lo. E finalmente, tal rotúlo irá devorá-lo. Aceitar-se como sujeito por completo e não apenas uma parte ditada por um conjunto de valores tão mutável como as estações do tempo. Apoderar-se de si é impedir que seu eu seja ferramenta de alienação de si próprio. Hoje existe outros termos aniquiladores do direito de ser um sujeito singular. Ser bastardo não possuí a mesma conotação de outros tempos. Jon Snow teria uma vida diferente atualmente. 

Converso muito com um amigo sobre seu comportamento questionador e o quanto existem pessoas que se incomodam com tal postura. E refletimos que talvez tal incomodo surja devido ao fato desse meu amigo romper com o roteiro que muitos estão acostumados a seguir. Ele rompe com o personagem que é insistentemente representado pelo indivíduo e mostra, como o reflexo de um espelho, o ator por detrás do papel. Muitos não suportam se ver dessa maneira. Se ver em contradição consigo mesmo. Perceber que estão se enganando na procura de agradar os outros. E, devido a isso, fogem. Desistem, pois seu próprio eu é sua fraqueza, e o é por que não o conhecem e nem o aceitam.

Muitos não têm consciência sobre isso e outros não querem ter. O mundo não se interessa por quem nós somos de fato. Leva tempo conhecer-se e é preciso muita dedicação. Além do mais estamos sempre em mudança e isto nos faz imprevisíveis. O mundo quer ter controle da situação e devido a isso pouco se interessa por nós, por quem somos. Ele procura nos limitar a sermos aquilo que nos oferta. Assim, é mais fácil manipular. Para ter o poder de responder a tal ataque é preciso, inicialmente, ser dono de sua identidade. Ser autor de seus personagens. Conhecer-se. Aceitar-se. Dessa forma não será devorado. 

- (...) Todos os anões serão bastardos, mas nem todos os bastardos precisam ser anões - e, com aquelas palavras, virou as costas e regressou vagarosamente ao banquete, assobiando uma canção. Quando abriu a porta, a luz vinda de dentro atirou sua sombra bem definida pelo pátio afora e, só por um momento, Tyrion Lannister ergueu-se tão alto como um rei.



3 comentários:

  1. O texto está muito bom, de verdade.

    ps. O Layer novo do blog ta lindo. Mas tive que diminuir a resolução da pagina pra poder conseguir comentar.

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  2. Ótimo texto... esse trecho do livro é muito especial pra mim, uma minoria. Apenas uma correção: "Nunca se esqueça de quem é, por que é certo que o mundo não se lembrará". Ao invés de não se lembrará, o correto é "[...] não se esquecerá".
    =]

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  3. No meu livro é não se lembrará. A tradução pode estar incorreta, mas é assim que está nele. Obrigada :)

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