Recordei-me
das aulas sobre a teoria junguiana e o conceito de persona. Lembrei-me também
de Winnicott e o falso-self. Notei que quem estava a montar minha máscara não
era eu, mas sim um outro. Ele moldava o gesso aos traços do meu rosto à sua
vontade e aos limites da minha face. Ela seria o resultado do nosso encontro e
o produto seria fruto de nós dois.
Várias camadas foram colocadas sobre minha
pele. A primeira foi fria e causou desconforto, mas logo me adaptei, pois era
leve. As seguintes iam se destacando em relação ao peso, porém o frio não era
tanto e estava mais acostumada com a sensação que elas proporcionavam. Ao longo
do processo sentia-me mais afastada, mais interiorizada. Algo estranho estava
se formando no meu rosto, destacava-se, distanciava-me. Já não estava mais a
vista. Escondida sob uma montanha de gesso sentia-me a vontade, arrisquei até
uma dancinha com os braços, claro que com cuidado para não machucá-la.
Com
o passar do tempo tive que me concentrar na respiração. O peso era algo que chamava
bastante atenção. Às vezes ficava ansiosa. Sentia-me presa. Voltava os
pensamentos para a respiração e procurava confiar no meu colega. No entanto,
ele cometeu uma falha: estava tampando meu nariz. Quando adicionou mais uma
camada a essa região percebi que aquela pequena passagem de ar foi interrompida
e comecei a sufocar. Passei a respirar com mais força, mas não havia ar. Os
outros integrantes perceberam e após poucos segundos abriram um pequeno buraco
e pude respirar novamente. Contudo, nesse meio tempo não fiquei nervosa.
Respirava fundo para tentar abrir uma passagem pela lateral e esperar alguma
solução. Pensava apenas em não arrancar a máscara naquele momento, pois a
estragaria. Ela já pertencia a mim e eu a ela.
A
fase final do processo foi particularmente interessante. Outro membro do grupo
veio ao meu ouvido e sussurrou uma série de frases. Pedia que fizesse alguns
movimentos com o rosto, que tocasse calmamente a máscara e sentisse que aquilo
não era mais eu, era qualquer outra coisa criada a partir de mim. Foi aos
poucos a soltando de minha pele e disse que da mesma forma que a construí
poderia me desfazer dela, não pude me conter e as lágrimas rolaram.
Pensando
em como se dão os relacionamentos na sociedade e o desenvolvimento da
personalidade humana, essa experiência que descrevi é um reflexo desses pontos.
O convívio social exige de nós alguns artifícios e estes nos ajudam a nos
adaptarmos ao mundo e às suas regras, valores e crenças.
A
máscara no teatro tem várias funções e entre elas está a de preservar o ator
dos olhares do público podendo ele observá-lo livremente. Esse instrumento
desrealiza a personagem, pois introduz um elemento estranho entre o ator e o
espectador que interfere na identificação deste com aquele. Ela é usada
frequentemente quando a encenação busca evitar uma transferência afetiva e
distanciar o caráter e será apenas no conjunto da encenação que seu uso fará
sentido.
No cotidiano, assim
como no teatro, nos valemos de máscaras que colaboram para a vida social e
preservação do nosso eu. É completamente saudável e compreensivo o uso destas. Contudo,
quando se trata do humano nada é tão simples quanto parece. Aquilo que um dia foi saudável e colaborativo
pode se transformar em um empecilho para a vida social e pessoal. Caberá a cada um saber utilizar sua mascará de forma que não se venha perder por trás dela ou confundir-se. Ela pode e deve sair do rosto quando for conveniente. É fundamental saber retirá-la e fazer cenas com o rosto nu.
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