domingo, 17 de junho de 2012

Teatralizando, mascarando e vivendo.



Dias atrás participei de uma oficina de máscaras em grupo de teatro amador do qual sou integrante. Tínhamos como finalidade produzirmos máscaras de gessos no rosto de um colega e vice-versa. A experiência desse momento me submeteu a diversas reflexões. Enquanto estava sentada e o meu parceiro de grupo colocava vagarosamente as folhas de gesso sobre meu rosto procurei ficar calma. Rapidamente minha boca foi silenciada e em seguida meus olhos foram fechados. Não podia sorrir, não podia chorar, nem fazer movimentos bruscos. Diante de tal situação busquei concentrar-me no que estava sendo feito e meus pensamentos alçaram voo. Fomos solicitados a pensar no conceito de persona e como um gatilho ativou minhas ideias e meus sentidos para tudo o que estava sendo vivenciado ali.

Recordei-me das aulas sobre a teoria junguiana e o conceito de persona. Lembrei-me também de Winnicott e o falso-self. Notei que quem estava a montar minha máscara não era eu, mas sim um outro. Ele moldava o gesso aos traços do meu rosto à sua vontade e aos limites da minha face. Ela seria o resultado do nosso encontro e o produto seria fruto de nós dois.

 Várias camadas foram colocadas sobre minha pele. A primeira foi fria e causou desconforto, mas logo me adaptei, pois era leve. As seguintes iam se destacando em relação ao peso, porém o frio não era tanto e estava mais acostumada com a sensação que elas proporcionavam. Ao longo do processo sentia-me mais afastada, mais interiorizada. Algo estranho estava se formando no meu rosto, destacava-se, distanciava-me. Já não estava mais a vista. Escondida sob uma montanha de gesso sentia-me a vontade, arrisquei até uma dancinha com os braços, claro que com cuidado para não machucá-la.

Com o passar do tempo tive que me concentrar na respiração. O peso era algo que chamava bastante atenção. Às vezes ficava ansiosa. Sentia-me presa. Voltava os pensamentos para a respiração e procurava confiar no meu colega. No entanto, ele cometeu uma falha: estava tampando meu nariz. Quando adicionou mais uma camada a essa região percebi que aquela pequena passagem de ar foi interrompida e comecei a sufocar. Passei a respirar com mais força, mas não havia ar. Os outros integrantes perceberam e após poucos segundos abriram um pequeno buraco e pude respirar novamente. Contudo, nesse meio tempo não fiquei nervosa. Respirava fundo para tentar abrir uma passagem pela lateral e esperar alguma solução. Pensava apenas em não arrancar a máscara naquele momento, pois a estragaria. Ela já pertencia a mim e eu a ela.

A fase final do processo foi particularmente interessante. Outro membro do grupo veio ao meu ouvido e sussurrou uma série de frases. Pedia que fizesse alguns movimentos com o rosto, que tocasse calmamente a máscara e sentisse que aquilo não era mais eu, era qualquer outra coisa criada a partir de mim. Foi aos poucos a soltando de minha pele e disse que da mesma forma que a construí poderia me desfazer dela, não pude me conter e as lágrimas rolaram.

Pensando em como se dão os relacionamentos na sociedade e o desenvolvimento da personalidade humana, essa experiência que descrevi é um reflexo desses pontos. O convívio social exige de nós alguns artifícios e estes nos ajudam a nos adaptarmos ao mundo e às suas regras, valores e crenças.

A máscara no teatro tem várias funções e entre elas está a de preservar o ator dos olhares do público podendo ele observá-lo livremente. Esse instrumento desrealiza a personagem, pois introduz um elemento estranho entre o ator e o espectador que interfere na identificação deste com aquele. Ela é usada frequentemente quando a encenação busca evitar uma transferência afetiva e distanciar o caráter e será apenas no conjunto da encenação que seu uso fará sentido.

        No cotidiano, assim como no teatro, nos valemos de máscaras que colaboram para a vida social e preservação do nosso eu. É completamente saudável e compreensivo o uso destas. Contudo, quando se trata do humano nada é tão simples quanto parece. Aquilo que um dia foi saudável e colaborativo pode se transformar em um empecilho para a vida social e pessoal. Caberá a cada um saber utilizar sua mascará de forma que não se venha perder por trás dela ou confundir-se. Ela pode e deve sair do rosto quando for conveniente. É fundamental saber retirá-la e fazer cenas com o rosto nu.

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