sábado, 6 de maio de 2017

Meu telefone, meu escudo.

Já faz um tempo que venho pensando sobre algo: Como a tecnologia, em especial a evolução e a versatilidade dos celulares vêm mascarando a sensação de solidão e constrangimento em certos lugares e situações. Pense bem, quando estamos em alguma situação de espera, como em filas de banco, médicos, mercados, ou sei lá mais aonde, o celular surge como um recurso muito útil para lhe distrair. Nessas circunstâncias as vezes consigo me sentir menos sozinha e entediada, pois posso estar em interação com outras pessoas ou realizando alguma tarefa paralela ao ato de esperar. Eu sinto minha atenção dividida, repartida, entre o ato de ficar atenta à espera (sim, a espera precisa de atenção e concentração) e a movimentação ao redor e ao ato de me distrair daquela ação de espera. 


Notei o quanto, depois do celular, o constrangimento diante de uma outra pessoa desconhecida que está ali no mesmo ambiente que você, passando por experiência semelhante, ou até dividindo uma tarefa  com você, fica minimizado. O celular virou uma proteção. Lembro quando precisei realizar uma perícia médica e estávamos lá, eu e o médico, sentados um em frente ao outro, tendo um objetivo a cumprir sem nos conhecermos. Concluímos a avaliação e agora só era necessário a impressão do meu laudo, nesse momento o computador não consegue realizar a operação e nós precisaríamos então, esperar. Ali, no vazio, não sabíamos o que fazer e nem como lidar com aquela demora e inconveniência tecnológica. Notei que o médico recorreu ao celular, para poder me afastar de modo educado, suave e sútil. Ali não precisaríamos conversar mais, afinal de contas já tínhamos cumprindo a finalidade do nosso objetivo, para além disso estaríamos ultrapassando a barreira do profissional e cairíamos talvez no simples jogar papo fora e isso é, as vezes, ansiogênico. Eu também procurei em alguns momentos meu aparelho para me proteger daquele inevitável contato e ficamos assim, envergonhados e ao mesmo tempo não. Quando finalmente a impressão foi realizada a minha sensação foi de alívio. 

Eu percebo o quanto essas minhas sensações são recorrentes em outros espaços e o quanto estou em muitos momentos afastando de mim a possibilidade de entrar em contato com outra pessoa desconhecida em circunstâncias que me causam constrangimento. Pois é incomodo ignorar uma presença. É desconfortável estar diante de outra pessoa que está dividindo algo com você, nem que seja o serviço, e não levá-la em consideração para uma conversa a toa quando surge esse espaço de vazio. Afinal de contas também não suportamos o silêncio diante do outro. É! Penso que para algumas pessoas, é assustador ficar diante de alguém em silêncio. Esse vazio é intimista. A presença é solicitante, é convidativa. Ela nos pede ação. 


Esse fim de semana participei de um curso onde logo quando cheguei a facilitadora comentou de outras 2 integrantes que haviam chegado antes de mim: olha só, antes de elas terem a senha do wifi estavam conversando e rindo horrores, e agora olha como estão. Estava cada uma mexendo em seu celular, eu prontamente pedi a senha também. A tecnologia ao mesmo tempo que me dá oportunidade de estar presente e de ter presente amigos distantes, também me afasta da possibilidade de aprofundar conversas bobas e encontros casuais.

Eu estou só e ao mesmo tempo não estou só. Estou constrangida pela presença estranha que me solicita interação e ao mesmo tempo não estou disponível pois estou ocupada com o telefone. É essa dualidade que vem me trazendo estranheza e questionando alguns comportamentos. Que tal pensar se o modo como você vem utilizando o celular está te aproximando ou te afastando das pessoas? O que você evita quando recorre ao telefone em algumas situações? O que quer esconder? O que quer mostrar?

Andreza Crispim
Psicóloga CRP 02/17314
Psicomotricista relacional
@psicoterapiafalemais


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