sábado, 16 de janeiro de 2016

Vivemos para postar.




É comum ouvir na clínica o incômodo que os clientes sentem ao perceberem nas redes sociais o quanto as vidas dos “amigos” são repletas de emoções e felicidade, enquanto que as suas são “uma grande merda”. Para eles, notar essas diferenças traz insatisfação com o modo como andam organizando suas histórias e lhe impulsionam a buscar algo semelhante. Preocupam-se com a imagem que lançam para o mundo. Perturbam-se com os possíveis comentários que os outros possam fazer sobre quem são. 

Vivemos para postar. Nossa rotina, nosso dia, nossa vida virou artigo de divulgação. Aquele que aparece tem mais reconhecimento. É através da visibilidade que estamos conquistando respeito e afeto. Precisamos, atualmente, sermos bons divulgadores de nós mesmos. Construir uma imagem que seja comprada, ou melhor, curtida e compartilhada. Estamos mais preocupados na construção de um ideal publicitário do que na atualização de nosso verdadeiro potencial.
Cada vez mais nos afastamos de nós mesmo em busca de sermos alguém melhor (melhor pra quem?). Não podemos sofrer. Não podemos sentir tédio. Jamais podemos sentir inveja, orgulho ou raiva. Só é permitido a felicidade. A felicidade do espetáculo. Daqueles que curtem a vida. Que estão sempre sorridentes nas mídias sociais.
O homem que não assume a possibilidade inevitável de sofrer durante a vida se fragilizará e se manterá numa postura infantil diante das adversidades. O homem, hoje, parece sofrer por não conseguir escapar do sofrimento. Sofremos por não estarmos constantemente felizes e desfrutando dos diversos prazeres vendidos na contemporaneidade. Sofremos por estarmos jogados no mundo e não fazermos a menor ideia do que fazer com uma vida que não é aquela ofertada pelas redes sociais e publicidade.

Parece que no presente as pessoas estão construindo seus projetos de vida baseadas no grande espetáculo oferecido pelas mídias e, consequentemente, encontram a infelicidade por acreditarem que ser feliz é aquilo lá, que os outros sentem e não isso aqui que estou sentindo. Estamos dando à felicidade um status comercial que não se cumpre na realidade. Estamos matando a felicidade por não aceitá-la como ela é - comum e passageira.

E o que isso tem a ver com a queixa dos meus clientes? Ao se orientar por uma aparência, por um jogo de marketing, eles se distanciam de si cada vez mais, pois fogem de seus vazios, de suas tristezas, de suas invejas, de suas faltas e consequentemente da felicidade. Quanto mais eles se esforçam para serem felizes, mais tornam-se infelizes, pois suas tentativas só mostram o quanto se encontram imersos nesse jogo performático. Como reflete o poeta Rilke (2001) “Por que deseja excluir de sua vida toda e qualquer inquietação, dor e melancolia, quando não sabe como tais circunstâncias trabalham no seu aperfeiçoamento?” (p.70) e continua “Desejava algo melhor que transformar-se?” (id, p.70). 

Pense, o que de fato você deseja? E para quem você vive? O que você busca? 
 
Referência bibliográfica.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta e A canção de amor e morte do porta-estandarte Cristovão Rilke. São Paulo: Globo, 2001.




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