quarta-feira, 25 de março de 2015

Posso falar de coisas boas aqui?

"É! Tem que terminar com alegria."

Ouço essa frase de uma cliente ao terminarmos a sessão fazendo piadas. Quando ouvi a frase, pensei de imediato, "Opa! Não é bem assim." e depois fui tomada pelo pensamento, "E porquê não?". 
 

A psicologia trabalha com a subjetividade humana. Durante a graduação vamos aprendendo sobre os afetos que permeiam os comportamentos humanos e se entrelaçam com a percepção do homem sobre si e o mundo. Ao longo do curso somos inundados da complexidade da existência humana repleta de sentidos singulares, diversos e dinâmicos. O sofrimento humano é para nós fonte de crescimento e possibilidades. Compreendemos que esse aspecto da vida humana é inevitável e que precisamos lidar com ele. Lembro que uma professora num certo dia disse que sabia que a terapia estava caminhando bem quando o cliente saia chorando da sala. Escutei isso no 2º período e acredito que durante a minha graduação essa ideia prevaleceu e criou raízes no meu modo de encarar o processo de psicoterapia. Até agora.

Perceber que o cliente sai mobilizado da sessão é sinal de que algo está sendo remexido, questionado, repensado. É difícil permitir que o cliente sinta e permaneça nesse estado de inquietação e angústia que poderá proporcionar descobertas e reconfigurações de posições na sua vida, mas compreendemos o valor desse momento. O sofrimento é algo fundamental. No entanto, acredito que estamos perdendo de vista a importância dos sentimentos positivos na configuração de uma sessão psicoterapêutica. 

Tem que terminar com alegria, e porquê não? Ver que a cliente apesar das suas problemáticas e sofrimento, naquela sessão específica terminou leve e sorridente. Pegou o elevador com o rosto convidativo. Deu-me um abraço apertado e sinto que um novo fôlego foi dado para a sua semana. Que a sessão para ela seja o espaço de reencontrar o encanto de sorrir com uma piada. A vida não é só sofrimento e que essa dimensão possa ser percebida também em uma psicoterapia quando se rir das dores ou dos nossos ridículos.


O percurso de estudo de um psicólogo é pautado na busca da compreensão do sofrimento humano e das diversas problemáticas que isso pode causar para o sujeito. Falamos imensamente sobre tristeza, depressão, abandono, solidão, angústia, rejeição, raiva e etc, mas pouco nos é colocado sobre a alegria, felicidade, amor, amizade, sentimento de pertencimento e tantos outros. Esse aspecto da existência humana vem se diluindo no cuidado do psicólogo. Lembro de uma outra cliente que sempre me pergunta se pode falar de coisas boas na sessão, ou lá é apenas o lugar de falar sobre seus problemas e dores. "Como assim?", eu penso. A psicoterapia fica com a imagem de ser um espaço de dor, quando na verdade é o contrário, ou pode sê-lo. Fazer psicoterapia é (re)encontrar a relatividade da vida. O quanto ela é bela e cruel. O quanto a vida é dinâmica e transformadora. É espaço de reconstrução de sentidos. E sim, ela pode terminar com alegria, não há nada de errado com isso. Que hoje possa ser terminada com um riso. Na próxima a gente vê por onde ela caminha. Assim como na vida, que a cada momento desfrutamos de uma emoção e aprendemos a encarar o dia a dia com seus desabores e delícias. 


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Foto: Cayo César (https://www.facebook.com/fotografiacayoce) e Jonas Araújo (https://www.facebook.com/jonasaraujofotografia)


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