"O caos não é um abismo. Caos é uma escada. Muitos que
tentam escalar falham e nunca podem tentar outra vez. A
queda quebra-os. Outros tem a oportunidade de subir, mas se recusam.
Eles se agarram ao reino, ou aos deuses, ou ao amor. Ilusões. Apenas a
escalada é real. A escalada é tudo que existe."
- Petyr Baelish (Mindinho), Game of Thrones.
Confesso que me arrepiei quando ouvi o personagem de Aidan Gillen pronunciar tais palavras. O diálogo entre ele - Mindinho - e Varys foi encantador e se encerra lindamente com o discurso acima. As cenas por detrás das palavras compõem um cenário inquietante e nos deixa pensativos. O caos e toda a sua desorganização nos é colocado como uma possibilidade de crescimento. O caos como escada e não como poço.
Ao pensar nessa frase reflito sobre o sofrimento humano. Quando nos sentimos triste parece que o caos se instalou em nossa vida. Tudo se desorganiza. O sofrimento nos desabriga da morada do ser. Sentimos um incômodo no próprio sentir. Frustrados. Decepcionados. Desiludidos. Ficamos bagunçados quando estamos em sofrimento. Confusos.
O caos é a primeira divindade a surgir no universo. Seu nome deriva do verbo grego χαίνω, que significa "separar, ser amplo". Caos
parece ser uma força catabólica, que gera por meio da cisão, assim como
os organismos mais primitivos estudados pela biologia. Enquanto Eros é
uma força de junção e união. Caos significa algo como "corte",
"rachadura", "cisão" ou ainda "separação". (Wikipédia).
Sim, parece que o sofrimento nos separa do mundo. Há uma rachadura na nossa história. Um corte é feito em alguma parte da vida. Seguíamos um curso e nos deparamos com uma encruzilhada sem saber qual caminho tomar. O sofrimento nos arrasa. Maltrata.
A grande questão é: não se pode existir sem sofrer. Não há ser humano no mundo e na história que não tenha sofrido. O sofrimento integra-se a existência humana. O homem sofre por ser humano. Não se pode atravessar a vida sem
experimentar suas desilusões. Ser humano implica em sofrer. (Eugène Minkowski).
A vida está sempre sujeita a decepções. O amor, a arte, o trabalho, a política, a
filosofia, todos decepcionam até que se aprende a adorá-los por sua natureza
real e não por aquilo que se deseja deles. A vida não corresponde às expectativas
e está sempre a desiludir. Não se pode escolher viver apenas os aspectos
positivos da existência – prazer, alegria, felicidade - viver corresponde a
estar em constante trabalho de luto. (Comte-Sponville).
O caos não está dissociado da existência. Eles caminham juntos em comunhão. Um se entrelaça ao outro e são indissociáveis. Assim como o deus Caos cria a partir da cisão, o sofrimento transforma a partir do processo de desconstrução e reconstrução de sonhos. Por
meio do sofrer coloca-se frente ao indivíduo o problema do sentido da vida. Possibilita
ao homem o reconhecimento do aspecto humano de sua trajetória, ou seja, através
do sofrimento tomamos contato com nós mesmos e com a existência. É a possibilidade de reencontro com o novo. É mudança. É o estabelecimento de um novo contrato com a vida. Repensar-se. Recriar a si mesmo.
Ter consciência de tal condição humana e aceitá-la não é tarefa fácil. Nem todos conseguem reconhecer no caos a possibilidade de crescimento, de subida a uma nova condição. Nem todos percebem o sofrimento como ferramenta de amadurecimento. Agarram-se às ilusões falidas. Vivem a fugir de si mesmo. Preferem permanecer na perturbação atual do que se arriscar na novidade. "O mais fácil nem sempre é o menos complicado" (Os famosos e os duendes da morte). Nos tempos atuais a felicidade é dada ao homem como direito, ou melhor, como dever. Tentar manter-se feliz incansavelmente é padecer dessa tarefa. Já estamos notando o quanto ser feliz interminavelmente é impossível. Estamos sofrendo por excesso de felicidade. Já diria uma antiga supervisora de estágio, "felicidade demais é desespero".
Alguns caem na tentativa de escalar e se quebram. E somente um minoria consegue recolher desses pedaços uma nova chance. Talvez a própria queda seja o que dê oportunidade de sucesso na subida. Algumas vezes precisamos quebrar para construir algo com mais saúde. Nem todos conseguem. É difícil, porém somente a escalada é real. Somente esse processo de renovação constante é real. A escalada é a única coisa que existe. A realidade é pegar ou largar, no caso do exemplo acima, é subir os degraus ou se manter no pé da escada.
Para concluir uso as palavras de Comte-Sponville, "Aquele que só amasse a felicidade não amaria a vida, e com isso se proibiria de ser feliz. O erro é querer selecionar, como nas prateleiras do real. A vida não é um supermercado, cujos clientes somos nós. O universo nada tem para nos vender, e nada diferente para oferecer senão ele próprio - nada diferente para oferecer senão tudo."
Para concluir uso as palavras de Comte-Sponville, "Aquele que só amasse a felicidade não amaria a vida, e com isso se proibiria de ser feliz. O erro é querer selecionar, como nas prateleiras do real. A vida não é um supermercado, cujos clientes somos nós. O universo nada tem para nos vender, e nada diferente para oferecer senão ele próprio - nada diferente para oferecer senão tudo."
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