Quando eu era pequena minha mãe trabalhava de segunda à sexta das 9h até as 18h. Para chegar ao serviço no horário ela tinha que sair de casa por volta das 7h40 e só chegava em casa por volta das 19h30. No sábado ela ainda trabalhava meio expediente. Sua folga era aos domingos que íamos à praia SAGRADAMENTE para que ela aproveitasse seu dia. Era uma rotina cansativa que não cessava quando ela chegava em casa, pois ainda havia os afazeres domésticos para cuidar, dois filhos para criar e um marido para zelar.
Dito isso quero confessar que minha mãe nunca me ajudou nas tarefas escolares. Ela não sentava comigo à mesa e me ensinava a lição. Minha mãe não corrigia minhas atividades e nem revisava os meus exercícios. Na verdade, as vezes ele nem cobrava sobre a realização dos mesmos. Sei que na minha época escolar a maioria dos meus amigos e amigas não tinham os pais como colaboradores da hora de fazer "as obrigações" escolares. Alguns os pais até cobravam, procuravam saber na escola sobre o desempenho do filho(a) e em casa ficavam atentos às atividades das crias, porém não sentavam junto para fazer com eles os deveres.
Hoje, como psicóloga, observo um movimento diferente por parte de muitos pais. É bastante comum ver a presença e participação ativa dos pais quanto ao suporte dado na realização das atividades escolares de seus filhos. Eles respondem juntos, revisam e até corrigem com o(a) filho(a) antes do dia de aula. As tarefas escolares, em algumas casas, deixaram de ser atividades da criança/adolescente, para virar um evento em família.
Na minha infância a escola era o meu espaço, era a minha responsabilidade e lá eu vivia uma diversidade imensa de sentimentos. No colégio comecei a construir uma vida independente dos meus pais. Ali, era o meu lugar, onde eu ensaiava meu ser e lidava com as minhas emoções sem a presença ativa dos meus pais. Era assustador e também era libertador. Claro que a escola dialoga com os pais sobre a vivência das crianças e adolescentes dentro de suas paredes, mas é IMPOSSÍVEL ter o controle total. Então, a escola é aquele lugar onde a criança/adolescente precisará tomar atitudes sem ter o suporte direto dos pais (Pense em um bagulho louco...).
Como já disse, eu fazia (ou não fazia) as minhas tarefas sozinha. Ao chegar na aula precisava lidar com variadas situações. Quando cometia erros na lição enfrentava a vergonha, a decepção e a frustração. Às vezes, precisava manejar a inveja, pois havia colegas em sala que acertavam tudo ou mais do que eu. O sentimento de fracasso e ineficiência me invadia. Respirava fundo. Não eram sentimentos bons, fáceis porém, fundamentais de serem compreendidos e manejados. Na próxima vez ficava mais atenta à tarefa e tentava acertar mais, ou desistia e recorria a outras estratégias de "efetivação das lições de casa". Enfim, era necessário aprender a conviver com aqueles sentimentos.
Havia momentos que a tarefa estava impecável. Acertava TUDO. Ai, que delícia! O sentimento de sucesso, de competência e eficácia invadiam meu ser. Era incrível. Também era fundamental aprender a manejar essa gostosura de cenário emocional. É perigoso se perder na arrogância e desejar manter esse padrão alto é estressante, inconsistente e fragilizador, pois, logo em seguida a escola me ensinava que haveria o erro. O erro era inevitável. E lá estava novamente lidando com minhas frustrações (Droga!). O sucesso e o fracasso eram meus. Só meu. Eu assumia cada escolha e cada desdobramento.
Será que hoje com a participação ativa dos pais as crianças e os adolescentes estão tendo a oportunidade de se responsabilizarem por esse universo emocional? Será que essa presença dos pais está reforçando a dependência ou estruturando a base para uma autonomia posterior? Até que ponto os(as) filhos(as) não utilizam as tarefas escolares como oportunidade para se relacionarem com seus pais, pois percebem que nesse cenário há mais facilidade? Até que ponto as crianças e os adolescentes utilizam a participação dos pais nos deveres escolares como forma de evitarem assumir suas escolhas e sentimentos? Você, como pai e mãe, percebe que usa a hora da tarefa como forma para se aproximar de seu filho(a)? Você descreve seu filho como autônomo ou dependente e qual a sua contribuição para a manutenção dessa característica?
São tantos os desdobramentos possíveis. Não há resposta certa ou errada. Cada realidade, cada relação desenvolve seu próprio universo. Penso que vale a pena refletir.
Andreza Crispim
Psicóloga CRP 02/17314
Psicomotricista Relacional
@psicoterapiafalemais
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