domingo, 10 de agosto de 2014

Sobre a psicoterapia e o lugar do psicoterapeuta.



Quando alguém procura uma psicoterapia vai em busca de ajuda, de uma resposta para suas dúvidas e tormentos. Ela acredita que aquele profissional poderá responder às suas confusões e encerrar seu sofrimento.  O cliente chega com todas as perguntas e espera sair com algumas respostas. O psicólogo quando recebe um cliente espera ser útil para este e o melhor que ele pode fazer é não ajudá-lo. Como assim? 

Quando penso em ajudar alguém estabeleço uma meta, possuo um conceito do que seria o melhor para este sujeito, procuro fazer algo para melhorar a sua vida. O ato de ajudar me coloca como ativo e o ajudado como passivo. Quando penso em ajudar alguém me vejo praticando uma ação que acredito que aquele não é capaz de fazê-la no momento.  Tal posicionamento por parte de um psicoterapeuta não trará os benefícios propostos de uma psicoterapia. E o que uma psicoterapia pode proporcionar?


A psicoterapia é um espaço de (re)descoberta. Gosto de pensar também que esse é um espaço de aprendizagem. E o que se (re)descobre e se aprende? A si próprio. “O que é essencial não é que o terapeuta aprenda algo sobre o paciente e então lhe ensine, mas que o terapeuta ensine o paciente como aprender sobre si mesmo.” (STEVENS, Barry. 1978, p.39). Perls costumava dizer que aprender é descobrir que algo é possível, e para mim essa frase culmina exatamente no tipo de aprendizagem que se apreende da psicoterapia. O cliente descobre que/como é possível lidar com os infortúnios da vida. Ele descobre elementos novos sobre si e os utiliza de modo que sua vida se torne mais satisfatória. O psicoterapeuta fornece ferramentas para que o consulente construa seus próprios instrumentos de crescimento.

Muitas pessoas acreditam que não precisam (re)descobrir a si mesmas. E algumas estão corretas, outras nem tanto. Durante nossa vida somos impulsionados a acreditar que a melhor maneira de sobreviver nesse mundo é nos anularmos e fazemos isso para nos proteger do sofrimento. Contudo, pagamos um preço muito caro e este é que chega um momento na vida em que sentimos certo vazio e uma incapacidade para lidar com as dificuldades. Não sabemos do que somos capazes, se somos capazes e quais os recursos que possuímos. Não confiamos em nós mesmos, em nossa potencialidade para realizar algo, na possibilidade de transformação interior e exterior. Estamos incertos quanto ao que pensamos, sentimos e fazemos. Ás vezes parece que a nossa história não é construída por nós. Existem milhares de dúvidas a respeito do que estamos construindo para nossas vidas.



Enquanto a esse processo de aprendizagem da descoberta, a psicoterapia, informo que “As descobertas são solitárias. Sempre foram. Sempre serão.” (CANEPPELE, Ismael, 2010, p.68). A riqueza de uma descoberta advinda de um processo pessoal de busca é muito mais válida do que aquelas percebidas pelo olhar do outro. O grande barato é não revelar a verdade, mas possibilitar que o outro a perceba através dos seus próprios recursos e no seu devido tempo. É encantador observar o espanto que o cliente tem quando se depara com algo que não estava percebendo em si mesmo.  O psicoterapeuta não mostra nada ao cliente, esse é que mostra as suas verdades e dúvidas, o profissional só irá apontar tais informações, e ao olhar mais uma vez para seu discurso o cliente poderá descobrir novas questões que não estava atentado. 

“Nossa visão do terapeuta é que ele é semelhante àquilo que o químico chama de catalisador, um ingrediente que precipita uma reação, que de outra maneira poderia não ocorrer. Ele não determina a forma da reação, que depende das propriedades reativas intrínsecas das sustâncias presentes, e tampouco participa de qualquer composto que venha a ser formado com sua ajuda. O que ele faz é simplesmente dar início a um processo, e há alguns processos que, uma vez iniciados, são automantenedores e autocatalíticos.” (STEVENS, Barry. 1978, p.38). 

 

Rainer Maria Rilke, poeta alemão de grande relevância, escreveu um conjunto de cartas entre os anos de 1903 e 1908, endereçadas ao jovem Franz Xaver Kappus com o intuito de lhe falar sobre o ofício de escritor. O jovem lhe requisitava respostas sobre suas produções e queria conselhos do grande poeta que admirava. As respostas de Rilke para as inquietações de Kappus podem ser utilizadas na reflexão sobre o posicionamento do psicoterapeuta diante das requisições dos seus clientes.



“O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar – ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. (...) Se depois dessa volta para dentro, desse ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar a quem for se são bons.”(p.26-27). Sobre o processo de crescimento pessoal Rilke continua, “Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.” (p.28).

Aos psicoterapeutas aconselho algo, que sejam pacientes. A paciência é fundamental para a nossa profissão. Cada sujeito tem seu ritmo e sua forma de se desenvolver. No pouco tempo que tenho de profissão venho aprendendo a ser paciente e também tenho tentado ter paciência com meu processo de aprendizado. Como diria Rilke (2001),

“Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, por que não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta. Quiça carregue em si a possibilidade de criar e moldar- como uma maneira de ser particularmente feliz e pura. Eduque-se para isto, mas aceite o que vier com toda confiança.” (p.42-43)




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

STEVENS, Barry. Não apresse o rio: ele corre sozinho. São Paulo: Summus, 1978.

CANEPPELE, Ismael. Os famosos e os duendes da morte. São Paulo: Iluminuras, 2010.

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta e A canção de amor e morte do porta-estandarte Cristovão Rilke. São Paulo: Globo, 2001.
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