Muitos teóricos da psicologia falam do neurótico como aquele sujeito que se encontra aprisionado ao passado. Relatam as consequências desse aprisionamento e expõem em seus argumentos o quanto a existência fica empobrecida e estagnada nesses casos. A saúde para as abordagens psicológicas, e destaco aqui a Gestalt-terapia, significa fluidez nas atitudes e maturidade para enfrentar as frustrações ao longo da vida ao invés de negá-las. O homem saudável é aquele que se apropria de sua história com consciência de sua liberdade e responsabilidade pelas consequências de suas escolhas. Não se engessa em modelos predeterminados para seguir sua vida, renova-se à medida que as experiências do cotidiano lhe requisitem algo de inovador. Guia-se pelos seus desejos e respeita os limites da realização dos mesmos, pois não há como viver em comunidade sem que parte de suas vontades sejam refreadas e ponderadas. O neurótico ao se fixar em experiências passadas e ao buscar traçar sua vida pautado em deveres externos e não em desejos pessoais transforma sua existência numa sucessiva fuga de ser dono e autor de sua própria história.
Por diversos motivos que não irei descrever aqui um homem se torna neurótico. Preciso ressaltar que essa foi a melhor maneira que ele encontrou para sobreviver no mundo e nas relações que encontrou ao longo de seus dias. A necessidade de sobrevivência, para Perls, age como força propulsora para todos os seres vivos, assim a psicologia não pretende julgar o modo de vida do sujeito, mas procura compreender as redes de sentido que permeiam a forma como cada um se coloca diante de si, do outro e do mundo. Pensando nisso questiono o significado que possa ter viver no passado, manter-se cativo a experiências ultrapassadas, remoer sentimentos falidos, relembrar situações incorrigíveis, perder a capacidade de lidar com as situações no presente. Esse último ponto é a chave, dentro da Gestalt-terapia, para uma existência saudável. A vida acontece no aqui e agora, no presente, no hoje, e isso significa que necessitamos estar conscientes do que fazemos, do que sentimos e pensamos no hoje. Passado e futuro existem enquanto houver presente, pois se não há presente não há vida. O presente comporta tudo e nele que a história de cada um pode ser escrita e reinventada.
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No livro, Bom dia, Angústia!, Comte-Sponville ressalta no capítulo O gosto de viver as delícias da vida e o quanto vale a pena vivê-la e, para isso faz questão de destacar os desgostos que encontramos no percurso e como o sofrimento é parte inseparável da existência. Não há como viver sem passar por situações que causem decepções e frustrações. Viver implica sofrer. Ao pensar nisso questiono o quanto é mais seguro para os sujeitos neuróticos se esconderem no passado, pois o presente significa vida e vida está intimamente ligada com a possibilidade iminente de frustrar-se. Permanecer sofrendo por questões passadas protege o indivíduo de
implicar-se no agora e lidar com as consequências de suas ações no hoje, e não de modo imaginário do que poderia ter sido feito. Dedicar-se ao presente significa arriscar-se a escolher entre as diversas possibilidades e colher os frutos dessas escolhas, que nem sempre são satisfatórios. No presente a vida corre, no passado ela descansa imune. Não há riscos no passado. O passado é aquilo que ele é, está parado. O presente é movimento e movimento significa possibilidade de quedas. No passado a vida está morta, é lembrança, no presente é acontecimento em contínuo processo de acontecer.
O neurótico refugia-se no passado, pois teme a vida. E por que não temê-la? Dá medo mesmo se perceber passando, notar o quanto cabe a si mesmo seus sucessos e fracassos. As lembranças, por mais difíceis que sejam, são mais seguras, pois não permitem mudanças. Mudança significa risco. Não é fácil arriscar-se quando nosso tempo é incerto e a cada dia que vivemos é menos um para se viver.
O passado é a zona de segurança do sujeito humano, as experiências passadas fundamentam nosso ser, dão contorno ao nosso eu, o acúmulo de vivências compõe nossa identidade, somos tudo aquilo que conseguimos lembrar. O presente se coloca como fazer, como construção, como abertura. No presente me faço ser. E agora paro para pensar, do que falar do futuro? Esse tempo existencial é fundamental para o humano. O que mantêm o homem na caminhada do presente é a vontade de um futuro, no entanto, pensar em demasiado no que virá também é uma forma de fuga da vida enquanto acontecimento presente, pois nos coloca numa dimensão imensurável. O futuro nada mais é do que fantasia e fixar-se nele é perder de vista a realidade, contudo, não pretendo me estender nesse ponto agora.
Questiono nesse momento o que pode levar um homem a se torna neurótico, e ao lembrar as palavras de Perls que diz que todo ser humano é guiado pela necessidade de sobrevivência, penso que é a própria vida que neurotiza o sujeito. Quero dizer que talvez, alguns seres humanos se amedrontam de tal forma diante da imensidão da existência e de tudo o que ela significa que não suportam e, para sobreviver buscam fugir da própria vida. Sêneca afirma que alguns homens morrem sem nem mesmo terem conhecido a vida, e agora digo que talvez essa tenha sido a intenção de alguns.
(Foto: https://www.facebook.com/fotografiacayoce)
Sensacional!
ResponderExcluirObrigada. :D
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