"Somos sociais ou antissociais?"
A minha primeira experiência com congressos de Gestalt-terapia foi no ano de 2013 no evento nacional aqui em Recife. Fiquei maravilhada com o encontro e com as repercussões que esse gerou sobre mim. Criei a ideia de que os congressos de Gestalt-terapia eram profundamente inquietantes e terapêuticos. Com esse pensamento cheguei ao XVI Congresso Internacional de Gestalt-terapia no Rio de Janeiro e fui surpreendida.
Na noite de abertura fomos atravessados. Aos arredores da UERJ, local que estava recebendo o evento, ocorria um protesto de moradores de uma favela próxima contra a desapropriação de terras. Também havia dentro da Universidade, no prédio em frente ao nosso, um movimento dos estudantes e esses quebravam vidros e gritavam palavras de ordem. A situação estava tensa. O metrô estava fechado, na rua havia batalhão do choque e policiais, nenhum carro passava. Nós estávamos trancados em um teatro e por um bom tempo não fazíamos ideia do que acontecia lá fora. Até o momento em que fomos informados que precisaríamos evacuar a Universidade com urgência. O desespero se instaurou, pois cada um que contava sua versão. Disseram que havia morrido um chefe do tráfico e estavam protestando por isso, chegaram a dizer que se continuássemos juntos, eles (seja lá quem fosse) não entrariam atirando em nós. Entre a tentativa de manter-se calmo e o clima de pânico que surgia entre nós havia o pensamento: Como isso pode estar acontecendo? Eu paguei caro por isso aqui.
Era incerto a continuidade do evento. Saímos por uma "rota segura" e lá fora as pessoas estavam calmas e vivendo a sua rotina normalmente. Enquanto nós, que carregávamos pastinhas azuis, corríamos desesperados e duelávamos por um táxi que aceitasse nos levar para o destino desejado. Foi difícil, mas chegamos bem.
No outro dia, fui normalmente para o congresso, e aqui começo a falar da minha experiência pessoal, mas com um sentimento de incerteza e certo incômodo. Após as apresentações da manhã fomos convidados a nos reunirmos no grande teatro para resolver questões da organização do Congresso. Lá somos informados que o evento não poderá mais ocorrer na Universidade por riscos de novas mobilizações e protestos. O reitor temia por nossa segurança e o evento terá que ser transferido para uma Universidade Particular, pois lá "não acontece dessas coisas". Teríamos algumas perdas. O congresso não iria acontecer dentro do programado.
E assim, lá estou eu, sentada naquela poltrona sem acreditar no que estava acontecendo. Sentindo-me lesada, impotente, frustrada e preocupada. Fiquei lembrando do questionamento lançado por uma palestrante: "Somos sociais ou antissociais?". Não dava para negar a realidade. Não dava para discutir sobre os conceitos de Contato, Campo e Ajustamento Criativo e negar o meio social em que vivemos. Como pensar figura e fundo e não levar em consideração a nossa experiência naquelas circunstâncias? Eu sou um ser social e faço parte de tudo isso. E tudo isso faz parte de mim. Os moradores da favela da mangueira e os estudantes da UERJ jogaram isso na minha cara. O que fazer diante disso? Por enquanto a alternativa que encontramos é mudar de lugar. Ir para longe. Afastar-nos. Vamos agora para a Universidade de Santa Úrsula (e que ela nos proteja). No entanto, penso: não é assim que sempre fazemos? Não é assim que "resolvemos"?
É, os Congressos de Gestalt-terapia são extremamente inquietantes.
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