No meio desses arrastões me recordei de um texto de Bauman que fala sobre os arrastões de Londres, em 2011. Hoje vi que muita gente compartilhou esse texto no facebook e resolvi reler. Ok, o texto é ótimo e faz refletir sobre o ideal consumista em que vivemos hoje, mas ele não pode ser usado para falar dos acontecimentos no nosso estado, pois existem diferenças muito importantes em relação ao que aconteceu em Londres.
A primeira é a realidade econômica e social da cidade londrina que é completamente diferente da daqui. Acredito que Londres não pode ser comparada com Recife, Abreu e Lima e Olinda. Outra, que os arrastões ocorreram com a polícia em serviço, os cidadãos não esperaram ela entrar em greve. Os saqueadores, em Londres, não eram pobres e miseráveis, aqui a coisa não é bem assim, grande parte dos saqueadores eram pessoas simples, dos arredores empobrecidos das cidades. Lembro de um comentário em algum mural perdido do face em que a menina dizia que nunca tinha visto tanta gente estranha na Conde da Boa Vista pela manhã, parece que os miseráveis saíram dos bueiros e invadiram a cidade, não estavam mais invisíveis.
Outra diferença interessante é que em Londres os alvos dos arrombadores eram lojas de eletrônicos e vestuários de marca. Por aqui também foram roubados muitas lojas de eletrodomésticos, mas a quantidade de mercados e supermercados arrombados é algo que vai além de um consumo estético. Há muitos vídeos e fotos que registram pessoas fugindo com carrinhos cheios de alimentos e famílias inteiras com sacolas repletas de comidas. Aqui, não houve revolta, aqui foram pessoas que perceberam uma oportunidade de conseguir bens de consumo que lhes eram negado de alguma forma. Esse ponto é crucial.
"Estamos falando de pessoas humilhadas por aquilo que, na opinião delas, é um desfile de riquezas às quais não têm acesso. Todos nós fomos coagidos e seduzidos para ver o consumo como uma receita para uma boa vida e a principal solução para os problemas. O problema é que a receita está além do alcance de boa parte da população" (Pedaço da entrevista de Zigmunt Bauman). Concordo completamente com a afirmação de Bauman sobre os arrastões em Londres e acredito que por aqui essa questão também é sentida e fundamental para compreender os modos de relações sociais, mas não podemos cair no erro de justificar com isso ações transgressoras e que rompem com o mínimo de ordem social. É preciso ultrapassar o discurso vitimizante e anulador da capacidade de escolha do sujeito independente da realidade em que ele vive.
"A resposta robusta em termos de segurança vai controlar o incêndio agora, mas o campo minado persistirá, pronto para novos incêndios. Problemas sociais jamais serão controlados pelo toque de recolher. A única solução é uma mudança cultural e uma série de reformas sociais. Senão, a mistura fica volátil quando a polícia se desmobilizar do estado de emergência atual." (Pedaço da entrevista de Zigmunt Bauman). Enquanto Pernambucana também fico me questionando do que será feito. O exército nas ruas e a repressão policial serão medidas pontuais que não darão conta da questão de modo preventivo. Vi muita gente falando a respeito da educação, e acredito que essa seria uma ótima alternativa, pois é com educação e questionamento a cerca da história e dos discursos sociais que se consegue mudar ideais culturais, mas não será fácil e rápido, talvez minha geração não desfrute dessas mudanças.
Penso que o que vivemos no estado de Pernambuco tem mais ligação com a questão da violência social e da falta de uma consciência civil e moral, do que "(...) uma explosão de frustração acumulada" (Pedaço da entrevista de Zigmunt Bauman). No entanto, esse último ponto influencia diretamente o primeiro, pois "A prosperidade hoje em dia está sendo medida em termos de produção material e isso só tende a criar mais problemas em sociedades em que a desigualdade está em crescimento" (Pedaço da entrevista de Zigmunt Bauman).Para finalizar uso as palavras de alerta de Bauman, "Esses distúrbios eram uma explosão pronta para acontecer a qualquer momento. É como um campo minado: sabemos que alguns dos explosivos cumprirão sua natureza, só não se sabe como e quando. Num campo minado social, porém, a explosão se propaga, ainda mais com os avanços nas tecnologias de comunicação"
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