"A saudade. Quando foi que tu passou a fazer parte de mim?" (Os famosos e os duendes da morte).
Saudade, tão doce amarga falta que amassa meu peito. Sentimento que é marcado pela ausência da presença. Presença forte que marcou meus dias. Que deixou marcas e que agora no invisível aos olhos faz-se perceber.
Quero falar de uma saudade específica. Uma saudade que jamais será satisfeita. Saudade daquilo que não mais virá. Que se foi. Nem falo só da morte. Existem outras formas de partir que não pela morte. Um afastamento que impedirá o contato. Contato esse que te fazia encontrar o novo na rotina das relações. Certas relações que te revelam o além daquilo que está sendo.
Tal sentimento corrói. Maltrata. Esmaga o ser e este parece perdido. O mundo perde algumas de suas cores. Nos vemos tão diferentes de repente. Sabemos que sem, tudo será distinto. Teremos que reorganizar certos espaços de nossa vida. Nosso dia-a-dia será transformado. Somos inseridos em um novo contexto e temos que nos ajustar. O envolvimento perdido, dependendo do laço estabelecido, parece nos mudar de planeta. Reaprendemos a conviver com o cotidiano. O cotidiano sem a presença confortadora de outrora. Como diz a música de Chico Buarque, Pedaço de mim:
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Essa dor que surge no lugar do que não há mais. Essa dor que vem marcar a carência. A faticidade de sermos sempre nós conosco mesmo. De ter que nos carregarmos pelos trilhos da vida sem ter ninguém. Apesar de todos os encontros e reencontros que temos ao longo da existência, acabamos sempre só. Só conosco e as nossas desilusões.
Sim, esse é o amargor da saudade infinda. Contudo, há nesse sentimento algo de doce. Ao menos no meu paladar sinto que a saudade pode ser saboreada com afago. Pode mostrar que houve presença. Pode ser um acalanto nos momentos de abandono. Pode deixar vivo os instantes deliciosos que foram passados ao lado. Jens Peter Jacobsen, em Niels Lyhne, transmite tal delicadeza quando diz:
"Pouco a pouco o passado foi se esbatendo, a saudade diminuindo; ela ainda vinha em certas tardes silenciosas, ao crepúsculo, quando o adeus do sol iluminava a parede do quarto solitário, e o chamado distante e monótono do cuco, cessando de repente, ampliava o silêncio; - então chegava de repente uma saudade que invadia tudo, que penetrava o coração; mas ela não o afligia mais, ela vinha tão suave, tão de leve, que era até meio doce de sentir, como uma dor amortecida".
Essa característica da saudade é que me encanta. Fico estarrecida com o quanto ela pode ser companhia saudável. Companhia que te mobiliza a seguir e não te aprisiona. Você segue com ela sendo motor de novas possibilidades. Arranca risos e lágrimas açucaradas. Nessas horas, fico feliz por sentir saudade. Parece-me que valeu a pena ter passado pelo que passei. Assim como a única estrela que restou e que agora está no bolso do garoto (Os famosos e os duendes da morte), a saudade é a presença e a ausência unidas sem descordar. Uma convivência harmonizada que nos inunda.
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